Abrigo no Piscinão de Ramos vem salvando a vida de mais de 300 animais abandonados na Maré

Publicado originalmente em Jornal O Cidadão do Bairro Maré. Para acessar, clique aqui.

Texto por Ana Cristina da Silva

Foto em destaque por José Bismarck

Eles são fofos, divertidos e grandes companheiros, mas ainda assim são tratados como mercadoria, maltratados e abandonados. Estamos falando dos animais de estimação, em específico cães e gatos. De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Pet Brasil, o país contava com 55,9 milhões de cães e 25,6 milhões de gatos no ano de 2020. Destes animais, 184.960 se encontravam em situação de abandono, podendo estar nas ruas ou sob cuidados de ONGs e grupos de Protetores que os tiravam de lá. No Conjunto de Favelas da Maré, a pessoa responsável por fazer este trabalho é Heloísa Gomes de Lima, de 56 anos. A moradora da Roquete Pinto vem há mais de 20 anos resgatando cães e gatos pelas favelas da Maré e hoje segue numa luta incessante para cuidar dos mais de 300 animais que mantém abrigados no Piscinão de Ramos.

No abrigo os animais demonstram muito amor e carinho por Heloísa, que dedica sua vida aos cuidados deles. Foto: José Bismarck.

A transformação de um terreno baldio em um canil

Contando com cerca de 150 cachorros, o canil do SOS Focinhos Maré fica localizado em um terreno ao lado de um ferro velho, seguindo pelo calçadão do Piscinão de Ramos. O gatil, por sua vez, está localizado na rua Gerson Ferreira e possui aproximadamente 200 felinos. Heloísa conta com a ajuda de inúmeras pessoas nessa missão, mas são dois nomes que a acompanham desde o início: Ana Lúcia Bezerra, também moradora da Roquete Pinto, e Damiana Paulo, do Parque União. Durante entrevista para o Jornal O Cidadão, Heloísa relembrou o início de tudo e contou que não pensava em ter um abrigo: “Começou com gatinhos, a gente foi resgatando e colocando lá na minha casa, mas o volume de animais cresceu muito. Então começamos a trazer alguns animais pra cá, pra esse terreno, e aí uma moça da Prefeitura que é minha amiga falou: ‘você poderia melhorar isso aqui e colocar os animais’”.

Segundo a mareense, o espaço onde hoje se encontra o canil não possuía nada: “era um terreno baldio, abandonado, cheio de lixo e sem importância nenhuma”. O levantamento de um muro no lado direito e a construção de pequenos quartos com tijolos só foi possível graças a uma empresa que doou recursos e pagou pela mão de obra. Para cercar o espaço restante, Heloísa utilizou telhas, placas e grades velhas para impedir a fuga dos animais. Geladeiras e armários descartados no ferro velho foram coletados e hoje servem para guardar remédios, estocar pacotes de ração e demais itens do abrigo. “Teve reaproveitamento de pias, geladeiras, portões, janelas, tudo aqui é reciclado. Eu tenho o maior orgulho de falar isso”, conta a protetora.

Telhas velhas viram muros, caixas d’água se transformam em camas e depósito de água e objetos. Tudo no abrigo é feito de forma improvisada. Foto: José Bismarck.

As ações e dificuldades de um trabalho sem fins lucrativos

Por se tratar de um trabalho totalmente voluntário, o SOS Focinhos Maré não recebe nenhuma verba. O espaço se mantém através das doações e da luta e cuidados diários das três mulheres que se preocupam com a vida daqueles animais. No entanto, o trabalho vai muito além de apenas tirar cães e gatos das ruas. Castrações, vacinas e demais tratamentos veterinários também entram na lista de ações do abrigo. Para isso, o espaço conta com o apoio de alguns médicos veterinários, como o Dr Luiz Carlos Rocha, responsável por algumas das cirurgias dos animais do abrigo; Dra Márcia Sá, que ajuda com medicamentos; e da Dra Fernanda Moreira, da rede Apaixonados por Quatro Patas que, dentre muitas outras coisas, colabora também com a doação de ração. Porém, quando o assunto é transporte, quem salva o dia é a moradora da Baixa do Sapateiro, Maria Lúcia, que com seu Fiat Doblò leva os animais para qualquer lugar que precisem ir.

Apesar da quantidade massiva de animais abrigados — mais de 300 somando cães e gatos — nenhum deles se encontra em uma situação precária. São alimentados, agasalhados e recebem a companhia de Heloísa todos os dias. No entanto, a mareense se emociona ao falar das dificuldades, em especial com a ração. Racionando bastante, são gastos por dia cerca de 25kg de ração para cães e 10kg de ração para gatos. “Nós temos um grupo de amigas que fazem algumas doações mensais, mas não são doações fixas que dê pra cobrir o mês inteiro. Mês passado, por exemplo, eu consegui ração só até o dia 15. Eu tenho que ter esse cálculo, porque eu não posso chegar no meado do mês e não ter ração”, explica a moradora que, apesar de ser formada em enfermagem, se dedica totalmente ao abrigo. Doações de comida, dinheiro e até roupas e cobertores são o que ajudam esse trabalho feito por amor continuar.

Só no canil, Heloísa gasta em média 750kg de ração em um mês. Foto: José Bismarck.

Locais de atuação: regiões da Maré com o maior número de animais abandonados

Apesar do gatil e canil estarem localizados no Piscinão de Ramos, os resgates acontecem em diferentes favelas da Maré. Para Heloísa, o Parque União, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau e Vila Pinheiros são regiões onde mais se encontram animais abandonados. “Ali debaixo do Pontilhão eu já castrei muitas cachorrinhas e fiz muitos resgates”, conta a cuidadora. Porém, devido às limitações de dinheiro e espaço, o acolhimento de novos animais no abrigo não pode ser feito no momento, então Heloísa se empenha em resgatar o máximo de cadelas para fazer a castração gratuita no posto da passarela 9. Elas são levadas para o abrigo temporariamente até que se recuperem da cirurgia e então são devolvidas ao local onde foram encontradas, ali elas passam a receber visita de outros moradores que levam água e comida. “Na Vila Olímpica ali da Nova Holanda a gente acabou castrando 50 cadelas, diminuiu bastante o abandono”.

Quem vê a festa que os cães fazem ou a sequência de miados e ronronados que os gatinhos soltam quando recebem visita, nem sequer imagina a história de sofrimento que carregam consigo. Enquanto os gatos já sofreram com doenças, agressões e envenenamento, cães como Magali, uma vira lata mansa de porte médio, foram torturados. A cachorrinha amarela teve o olho esquerdo perfurado e sofreu cortes com faca em três lugares diferentes. Graças ao trabalho de Heloísa que Magali pôde ter uma segunda chance e, assim como todos os outros animais do abrigo, segue esperando pela família certa para adotá-la. 

Um dos imóveis de Heloísa funciona como abrigo para cerca de 200 gatinhos na rua Gerson Ferreira. Foto: José Bismarck.

Formas de ajudar o abrigo

O principal desafio do abrigo é conseguir alimentar todos os cães e gatos ao longo do mês. Por conta disso, Heloísa conta muito com a doação de pacotes de ração ou de dinheiro para que possa fazer a compra. Porém, como muitos já sabem, trocar as marcas de ração com frequência ou oferecer aquelas bem mais baratas vendidas a varejo pode ocasionar numa diarréia em todos os animais. Sendo assim, Heloísa destaca que utiliza rações como Pedigree, Granplus, Golden e Canina, as pessoas que desejarem fazer a doação destas rações podem levar até o abrigo ou solicitar a busca do mesmo em seu endereço. Para quem deseja contribuir com gatinhos, as rações utilizadas são também a Granplus e Qualiday, mas aqueles que preferirem podem fazer doações em dinheiro em qualquer quantia. O dinheiro doado pode ajudar tanto na compra de alimentos, quanto medicamentos e tratamento dos animais abrigados. A doação de qualquer valor pode ser feita via pix para a chave de e-mail: sosfocinhosdamare@gmail.com no nome de Heloísa Gomes.

Dinheiro e ração não são as únicas formas de ajudar o abrigo. Heloísa chama a atenção para as visitações. Segundo a cuidadora, os animais são muito carentes e adoram receber visitas. Para ela, seria muito bom que mais pessoas visitassem o local para passar tempo com os animais. Doações de cobertores, toalhas, roupas e brinquedos também são bem-vindas. E assim como todos os abrigos, o SOS Focinhos Maré também realiza todo o processo de adoção. Para adotar um cão ou gato do abrigo é preciso passar por uma entrevista e levar alguns documentos como CPF e comprovante de residência.

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