Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
“Depois do resultado do primeiro turno das eleições, espero que todos os eleitores do Bolsonaro, assim como eu sou, quando encontrar alguém passando fome ou pedindo algum alimento, não ajude. Passe com o carro por cima da cabeça, pro país não ter mais despesas com esses vermes.” Este texto foi postado por um ex-jogador de futebol em uma rede social após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar que a eleição presidencial deste ano iria a segundo turno, acirrando a disputa entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva e confirmando o cenário de “polarização” que se construiu no País nos últimos anos.
O ex-atleta não foi o único a incitar violência e a disseminar discurso de ódio motivado por intolerância política. Em outra plataforma, um jornalista postou um “pedido”, afirmando que é preciso reunir profissionais de diferentes áreas, incluindo médicos, para “explicar a Bahia” por ter votado majoritariamente em Lula.
Somado a eles, está uma infinidade de memes, textos e postagens de anônimos e anônimas que agridem e estereotipam o povo nordestino, utilizando expressões como “mortos de fome”, “vendedores de rede” e “dependentes do Sudeste” na busca de melhores condições de vida.
A xenofobia contra quem vive ou vem do Nordeste brasileiro não é novidade, especialmente em período eleitoral. Basta uma rápida busca no Google para encontrar reportagens sobre esse mesmo tema nos pleitos anteriores. Em 2010, por exemplo, após a eleição de Dilma Rousseff com grande parte dos votos da região, um desses casos viralizou e pautou a imprensa. Uma estudante de direito postou a seguinte frase no Twitter: “Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado”.
Neste ano, além do recrudescimento e a radicalização desses discursos, observa-se um maior volume de mensagens e conteúdos xenofóbicos. Ainda não há números específicos sobre a discriminação ao Nordeste, mas dados da Safernet Brasil apontam um aumento de 67,5% na quantidade de denúncias de crimes de ódio somente no primeiro semestre de 2022 em relação ao ano passado. Tais condutas criminosas envolvem xenofobia, racismo, neonazismo e LGBTfobia, entre outros. A própria organização confirma que essas ocorrências tendem a crescer exponencialmente em anos eleitorais.
Debater possíveis soluções para um cenário que se agrava ano após ano é complexo, mas essa discussão não pode mais ser adiada. O uso das mídias sociais para a disseminação de ódio é um problema que não será resolvido apenas com a remoção de conteúdo violento e medidas punitivas – a legislação brasileira (Lei Nº 7.716/89) criminaliza condutas xenófobas e autoridades jurídicas orientam que os usuários tirem print dessas postagens e encaminhem o material para o Ministério Público Federal e para a Polícia Federal.
Afirmar que é preciso educar a população pode soar como um clichê, mas não há outra saída. O preconceito contra nordestinos e nordestinas vem carregado não somente de ódio de classe, mas também do racismo estrutural que é fundante da sociedade brasileira. É um retrato do Brasil que odeia o próprio Brasil, apesar de muitos dos que proferem esse tipo de ofensa se dizerem “defensores” daquilo que acreditam ser a nação.
“Cabeça chata”, “baianos esfomeados”, “mulher macho”, “paraíba” e demais expressões degradantes violentam cidadãos e cidadãs e homogeneizam um território de 1,5 milhão de km² formado por nove estados diferentes não apenas no nome, mas em faunas, floras, tradições, culturas, sons, sotaques, cores, sabores e saberes.
É estarrecedor que pessoas que se dizem patriotas utilizem um direito constitucional tão basilar quanto a liberdade de expressão para corroer a própria democracia. Proferir discursos que esmagam minorias e desejar a morte de parcelas da população vai totalmente na contramão do que entendemos (ou pelo menos deveríamos entender) como um sistema democrático.
Se não educarmos crianças e jovens, debatendo nas escolas os riscos dos discursos de ódio dentro e fora das redes, em período eleitoral ou não, teremos a perpetuação desse ciclo. Não é preciso “explicar a Bahia” e os demais estados nordestinos, mas desconstruir esse olhar etnocêntrico do brasileiro para a própria população da qual ela faz parte, sem deixar de reconhecer as desigualdades socioeconômicas que nos assolam. Falta-nos empatia e alteridade, mas falta-nos também conhecimento de Brasil.
*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta