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Alterações que ocorrem no tempo geológico não são bons parâmetros de comparação com a crise de hoje
Dez entre dez pessoas que negam as mudanças climáticas usam a frase “o clima sempre mudou” para dizer que o aquecimento observado ao longo do último século não tem nada de extraordinário e para isentar a humanidade de culpa – afinal, as mudanças no passado sempre foram naturais. Embora a frase seja rigorosamente verdadeira, suas conclusões não são.
De fato, a Terra já esteve mais quente e já teve níveis mais altos de gás carbônico no ar em vários momentos do seu passado geológico: no Período Plioceno, há 3,3 milhões de anos, a concentração de CO2 pode ter chegado a 450 partes por milhão e a temperatura média pode ter sido 3oC mais elevada do que no início da era industrial – para comparação, em 2019 ultrapassamos 415 ppm e elevação de cerca de 1,1oC acima do pré-industrial. Há cerca de 55 milhões de anos, no Eoceno, o CO2 na atmosfera estava provavelmente ao redor de 1.000 ppm e as temperaturas eram de 5oC a 8oC mais altas do que hoje. Há 90 milhões de anos, na era dos dinossauros, havia tanto CO2 no ar que a Antártida estava coberta de florestas. Não havia gelo permanente na Terra. Há 125 mil anos, as temperaturas na Groenlândia eram 8oC mais altas do que a média do último milênio.
Os cientistas do clima sabem de tudo isso. Eles sabem que o que controla o clima na Terra, no longo prazo, são os ciclos orbitais e as variações solares. E sabem também que as mudanças climáticas do passado geológico sempre foram graduais. Quando aconteciam de forma abrupta, ocorriam extinções em massa – por exemplo, há 65 milhões de anos, quando os dinossauros se extinguiram, e há 12 mil anos, quando o planeta saiu da última era glacial e vários grandes mamíferos encontraram seu fim.
Ocorre que mudanças no tempo geológico não são bons parâmetros de comparação com a crise climática atual. Por uma questão de escala: as transformações atuais da atmosfera ocorreram em pouco mais de um século e terão seus piores efeitos em décadas, não em milênios ou milhões de anos.
Por exemplo: os cientistas sabem que variações de cerca de 30% na concentração de CO2 no ar no passado, ocorridas ao longo de alguns milênios devido a mudanças naturais na quantidade de radiação solar incidente sobre os hemisférios terrestres, foram capazes de alterar as temperaturas médias globais de forma a iniciar e interromper eras glaciais (e em nenhum momento elas ultrapassaram as 300 partes por milhão). A civilização industrial elevou em 30% os níveis de CO2 em pouco mais de 60 anos. Os únicos fatores naturais conhecidos capazes de mudar tanto a composição da atmosfera em tão pouco tempo são coisas que ninguém quer ter por perto: erupções vulcânicas em escala global e meteoros gigantes, fenômenos que arrasaram a vida na Terra no passado.
As concentrações de gás carbônico no ar observadas atualmente não têm precedentes em pelo menos 800 mil anos, que é o que os cientistas conseguem medir diretamente, analisando bolhas de ar do passado presas no gelo da Antártida. É provável que sejam as mais altas em 3,3 milhões de anos.
A escala de tempo na qual a mudança climática atual se dá é uma espécie de zona “Cachinhos de Ouro”: longa demais para os meteorologistas, acostumados a olhar a variação do tempo de um dia para o outro, e curta demais para astrônomos e geólogos, acostumados a lidar com grandes forças naturais que operam na escala de milhões de anos. No entanto, é para essa escala de tempo intermediária que é preciso olhar na hora de planejar a adaptação de cidades, da agricultura e dos hábitos de vida.
CHEQUE VOCÊ MESMO
Angelo, C., A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima (Cia das Letras, 2016)
Recorde de temperatura no Paleoceno-Eoceno
Angelo, C., A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima (Cia das Letras, 2016)