A miséria do bolsonarismo ou um ‘planetário de fake news’

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Jéferson Silveira Dantas
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador associado do objETHOS

“Deixar o erro sem refutação é estimular a imoralidade intelectual”. (Karl Marx)

A expressão ‘bolsonarista’ pode ser compreendida como alguém que despreza mulheres (misoginia), minorias sexuais (homo/transfobias), povos de outras nacionalidades (xenofobia), além do acerado racismo e violência de classe; os/as bolsonaristas também ignoram a ciência e, portanto, o conhecimento sistematizado produzido ao longo do tempo pela humanidade. A (ir)racionalidade ou o senso comum bolsonarista está tão saturado no Brasil, que nos parece difícil a reversão de suas falsas premissas num curtoprazismo diante da trágica realidade social existente, realidade essa que brada os horrores da concentração de renda, do rebaixamento intelectual, da desinformação em larga escala e das fake news; da degradação humana nas ruas das grandes e médias cidades, da fome generalizada e da manipulação sistêmica da memória social.

Bolsonaro et caterva não foram importunados nesses quase quatro anos de mandato; perseguiram e criminalizaram jornalistas; entregaram e continuam entregando o patrimônio público; destruíram biomas ambientais e contingenciaram recursos para a saúde e educação públicas (em todos os seus níveis e modalidades de ensino); cometeram diversos crimes de lesa-pátria e de lesa-humanidade, sendo o mais emblemático aquele que ceifou a vida de centenas de milhares de brasileiros/as devido às práticas delituosas antivacina e anticiência – e com a acedência de representantes do Conselho Federal de Medicina e dos proprietários dos Planos de Saúde –, denunciadas de forma conclusiva e consistente pela CPI da Covid-19. Aliás, será que o Relatório final da CPI da Covid-19 irá para as calendas gregas sem qualquer efeito punitivo para o capitão reformado do exército?

As ‘pedaladas fiscais’ que destituíram Dilma Rousseff da presidência da República – um eufemismo para o golpe jurídico-midiático-parlamentar em 2016 – finalmente foi admitido por um magistrado do STF, o empolado Luís Roberto Barroso. Mas, se parte da mídia hegemônica tradicional faz ataques aos desatinos ideológicos bolsonaristas, em contrapartida, silenciou em relação às medidas macroeconômicas do escroque Paulo Guedes e sua política agressiva de privatização, além de os seus ataques aos servidores públicos de carreira (as ‘zebras gordas’, lembram?) e de seu comportamento antiético ao possuir uma empresa offshore ocupando um cargo público responsável pela direção econômica do país, denotando sério conflito de interesse e improbidade. No que tange aos delírios bolsonaristas, típicos de facções religiosas e, portanto, eivados de misticismos transcendentes e sem qualquer comprovação/validade epistemológica, concordamos com o historiador britânico E.P. Thompson que nos diz: “A diferença entre uma disciplina intelectual e uma formação meramente ideológica (teologia, astrologia, certas partes da sociologia burguesa e do marxismo stalinista ortodoxo) está exatamente nesses procedimentos e controles; pois se o objetivo do conhecimento consistisse apenas de ‘fatos’ ideológicos elaborados pelos próprios procedimentos dessa disciplina, então não haveria nunca uma maneira de confirmar ou refutar qualquer proposição; não poderia haver um tribunal de recursos científicos ou disciplinas”.

O alerta de Thompson serve tanto para os/as bolsonaristas quanto para a mídia hegemônica, que age como se fosse um partido ou sujeito coletivo, determinando ad nauseam pautas contrárias à classe trabalhadora e, por isso mesmo, incapaz de se ruborizar no tribunal da História. Os grupos empresariais jornalísticos ou as famílias que comandam a mídia burguesa tradicional no Brasil cometem assassinatos históricos dia sim e dia sim (vide a cobertura anti-histórica da guerra entre Rússia e Ucrânia); apostam no acaso ou na providência divina, não lidam de forma aprofundada sobre temas macroeconômicos, pois isso mobiliza questões estruturais, colocando em xeque a lógica do mercado e o modus operandi capitalista. Pode-se dizer que a mídia hegemônica poupou o governo Bolsonaro, nunca o submetendo a constrangimentos efetivos ou contribuindo imparcialmente para a aniquilação dos crimes de responsabilidade realizados ao longo de quase quatro anos. O espírito golpista da mídia hegemônica tradicional não é novidade e num ano eleitoral pode-se inferir que haverá muita violência e tentativas de fraude; não nos enganemos. Os editoriais dos jornalões, especialmente do eixo Rio-São Paulo continuam apostando numa Terceira Via, que vai se mostrando cada vez mais liquefeita e desarticulada. Não se trata de binarismos ou de maniqueísmos rasteiros, mas o efeito de halo das mídias tradicionais continua sendo o mesmo do golpe de 2016 e do ambiente eleitoral de 2018.

Desbolsonarizar o Brasil significa também combater a política do ódio, do medo e a violência do aparato repressor estatal – polícias civil, militar e federal, Forças Armadas, além de milicianos infiltrados nessas forças oficiais de repressão – já que boa parte dos fardados apoia o capitão reformado do exército. Até o momento e, notadamente, pela influência direta do perfil protofascista de Bolsonaro, tivemos no Brasil o aumento significativo da violência física e psicológica (mais de 200%) contra jovens negros, mulheres e a comunidade LGBTQIA+, além do surgimento de dezenas de grupos neonazistas com mais de 500 células espalhadas pelo país, congregando em torno de 10 mil integrantes.

O adesismo à (ir)racionalidade bolsonarista tem conexão direta com a história colonial desse país, ou seja, bolsonaristas não são afeitos aos estudos sistemáticos (se puderem, compram títulos de graduação e de pós-graduação) e refestelam-se em cargos públicos por indicação. O clientelismo/aparelhamento bolsonarista tem promovido um verdadeiro desastre em ministérios e secretarias, pois via de regra são ineptos, arrogantes, prepotentes, assediadores e despreparados, tecnicamente. A desbolsonarização não só é necessária como basilar num país que caminha a largas passadas para a barbárie e a uma crise civilizatória sem precedentes, que têm ocasionado o aprofundamento das desigualdades sociais e um processo de dessensibilização jamais visto (ninguém parece mais se importar com as centenas de mortes diárias por Covid-19).

Como bem sintetiza a epígrafe desse texto, não há mais tempo para erros históricos ou para a inércia coletiva. Uma Frente Ampla de Esquerda permanente urge, caso contrário, as derrotas serão fragorosas e constantes. A aliança com políticos da direita para a garantia da vitória eleitoral em outubro pode ser um tiro no pé com efeitos deletérios. O narcisismo da esquerda tem de ser colocado em suspensão. Afinal, os fascistas/arrivistas das redes sociais (promotores das fake news) saíram do armário e não querem mais se esconder! Estão em todos os lugares – e armados, com a facilitação do porte de armas! Assim sendo, a imolação exercida cruel e pervertidamente pelo governo Bolsonaro e a horda bolsonarista contra a população mais vulnerável têm de ser estancada, pois o custo social tem sido avassalador!

Referências

*Planetário de fake-news – Paráfrase do livro do historiador britânico Edward Palmer Thompson intitulado “A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser”, de 1978.

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