Publicado originalmente em *Desinformante por Ana D’angelo. Para acessar, clique aqui.
O contexto da Índia em relação à desinformação eleitoral e ataques à democracia foi apresentado por um grupo de pesquisadores e jornalistas que trabalham com monitoramento de redes, checagem de fatos e pesquisas sobre o ecossistema desinformativo naquele país, durante o seminário “Desinformação e eleições na maioria (do Sul) global”, realizado na PUC-Rio nos dias 27 e 28 de novembro.
Os nomes dos profissionais serão ocultados por razões de preservação das fontes de informação em um país considerado pelo Instituto V-Dem, com sede na Suécia, como uma autocracia eleitoral, ou seja, eleições são realizadas, mas outros padrões essenciais para a democracia falham e há uso de métodos autoritários, censura e ameaças e perseguições a jornalistas e a religiões.
Um dos países mais populosos do mundo, com 1,4 bilhão de habitantes segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a Índia é uma república parlamentar com um sistema multipartidário. O seu atual primeiro-ministro, Narendra Modi, eleito pela primeira vez em 2014, faz parte de uma aliança entre os partidos de centro-direita e de direita.
Modi é conhecido pela promoção de nacionalismo hindu e é acusado de suprimir a liberdade religiosa. As notícias falsas prevaleceram durante as eleições gerais indianas de 2014, que foram chamadas de “primeiras eleições do WhatsApp na Índia” por alguns analistas. As campanhas de desinformação variaram de conteúdo, ora atacando muçulmanos, ora disseminando notícias falsas sobre Caxemira e Paquistão.
BJP produz conteúdo em escala industrial
As próximas eleições gerais indianas serão realizadas entre abril e maio de 2024. Modi e seu partido no poder, o Partido Bharatiya Janata (BJP), estão em campanha para reeleição para um terceiro mandato de cinco anos.
O BJP, segundo a exposição dos pesquisadores indianos, concentra a máquina de desinformação no país, dá emprego a muitas pessoas, ultrapassa as fronteiras com suas campanhas desinformativas e não encontra oposição ou barreira dada à falência das instituições indianas.
É o partido quem define a forma como as plataformas devem operar no país, do contrário, há ameaças de banimento. “O BJP potencializa materiais falsos numa escala industrial e as organizações da sociedade civil não têm recursos para lidar com isso”, afirmou uma das pesquisadoras.
Ela citou o exemplo de um tipo de vídeo que tem viralizado no país que é a montagem de situações, com atores contratados, criticando o governo ou abordando alguma situação conflituosa para o governo e pessoas comuns comentando sobre o fato. Os vídeos são monetizados pelas plataformas e muitas estão ganhando dinheiro com este tipo de peça desinformativa.
Segundo os pesquisadores, muitos jovens entram nesta estrutura e aprendem como disseminar ódio. Mas eles acreditam que o ecossistema de desinformação do BJP esteja pulverizado hoje em dia, com a contratação de pessoas em todo o mundo.
Um mercado de 400 milhões de usuários
A Índia é o país que mais usa redes sociais no mundo, com cerca de 400 milhões de usuários. Segundo os pesquisadores, a relação entre o atual governo e os executivos das grandes plataformas é amistosa tendo em vista o tamanho do mercado. Há informações de que o governo solicita remoções de conteúdo e exerce uma “censura” sobre o que circula nas redes sociais.
A “luz no fim do túnel”, segundo os pesquisadores, está no jornalismo investigativo, especialmente fora da Índia, como o jornal norte-americano Washigton Post, que tem investigado as redes desinformativas de Modi. O tema da religião muçulmana é muito presente nas campanhas de desinformação, com uso de teorias da conspiração para que a população se sinta acuada e o voto no BJP seja a “salvação”.
“Há muitos vídeos forjando histórias de que muçulmanos de outros países estão chegando à Índia e que a população está em perigo, esta comunicação está em todo lugar e temos espaços limitados como jornalistas para barrar estas narrativas”, afirmou um dos convidados.
Os pesquisadores mostraram vídeos desinformativos que geraram comoção nacional e até atos de violência contra fazendeiros, por exemplo. Os vídeos falsos não são isolados, fazem parte de um cardápio de vídeos em canais desinformativos, acessados por milhões de pessoas. Estes mesmos vídeos de 10 a 12 minutos são adaptados para formatos mais curtos, de 15 segundos, de modo que possam ser compartilhados pelo WhatsApp e Telegram.
Segundo os participantes da apresentação, as pessoas envolvidas na produção dos vídeos ganham de 10 a 12 vezes mais que os jornalistas de veículos tradicionais e ainda ganham benefícios das empresas de tecnologia.
Eles mencionaram ainda a importância de estratégias para desviar do shadowban das redes sociais com jogos de palavras e outras ações que permitem passar, por exemplo, ataques à população muçulmana da Índia (que é a minoria), sem que a plataforma remova o conteúdo. “Como vocês podem ver é um sistema interconectado e sofisticado e nossas instituições estão completamente destruídas. Protejam suas instituições”, vaticinou um dos pesquisadores