A importância de um sistema emergencial de recuperação de desastre baseado nas vítimas

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

Por Fernanda Dalla Libera Damacena e Victor Marchezini

Inundações e secas são imprevisíveis no Brasil? Não. Seja por força da variabilidade, mudança climática ou de ambas, há décadas algumas regiões como o Nordeste e o Sul vivenciam esses eventos e suas consequências. Apesar disso, normalizamos a seca como se ela não fosse um desastre e, nesse contexto, tratamos o gasto público com resposta emergencial como se fosse uma solução. Faremos o mesmo com a inundação? Até quando? E quanto às atuais e futuras vítimas desses eventos que, diante da falta ou excesso de água, perdem tudo o que têm, inclusive, seus meios de subsistência?

Essas perguntas devem desencadear a urgente reflexão sobre auxílio e recuperação de desastre no país, especialmente em um momento de aumento da frequência e magnitude de eventos extremos. Movimentos como a elaboração do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil e de orçamentos públicos devem colocar as vítimas no centro do debate.

Historicamente inundações e secas levam a respostas como ajuda humanitária, formação de redes de solidariedade, deslocamento temporário da área de risco para abrigos. Por parte do Estado, há a destinação de recursos emergenciais por meio de créditos extraordinários ou provenientes do orçamento de outros ministérios, a abertura de linha de crédito para determinados grupos, a liberação de fundo de garantia e benefícios fiscais enquanto durar a situação de emergência, entre outros. Embora tenham o seu valor, esses auxílios não são suficientes para recuperar a área atingida e, ao mesmo tempo, auxiliar as vítimas na reconstrução de suas vidas. Além disso, por lacuna da legislação brasileira sobre o tema, eles dependem do poder executivo e costumam demorar.

Como resultado, a verdade é que boa parte da população brasileira afetada por seca e/ou inundação consegue ter, no máximo, acesso à ajuda humanitária, como doações de cestas básicas, colchões, roupas, o que dura por pouquíssimo tempo. Esta realidade está muito distante do que se pode considerar uma solução à garantia dos direitos humanos e fundamentais presentes em acordos internacionais assinados pelo Brasil e assegurados pela Constituição Federal. O direito à alimentação, moradia, saúde física e mental, ao trabalho, para citar apenas alguns, ficam completamente descobertos passadas duas ou três semanas da fase emergencial.

A mudança deste quadro requer a estruturação de um sistema emergencial, mas que também garanta um auxílio de médio e longo prazos para as vítimas. Existem algumas alternativas encaminhadas – como o Projeto de Lei nº 920/23, que quer destinar parte das multas por infrações e crimes ambientais ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap). Criado para o custeio de ações de prevenção em áreas de risco de recuperação de áreas atingidas por desastres, o fundo nunca exerceu sua finalidade por falta de regulamentação e de fontes suficientemente robustas. Espera-se que com a aprovação dos valores venha também a esperada regulamentação da União diretamente aos fundos constituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

Sobre os autores

Fernanda Dalla Libera Damacena é advogada, consultora e pesquisadora especialista em Direito Público, com ênfase em Direito dos Desastres.

Victor Marchezini é sociólogo pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais/ MCTI

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