A importância da educação no combate à desinformação

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Patricia Blanco, coordenadora do EducaMídia, aponta caminhos para a literacia midiática, esta condição fundamental para se viver no contexto atual, marcado por alta circulação de conteúdos de diversos tipos

*Por Patricia Blanco
*Ilustração: Kezia Souza Mausolf/IA-UFRGS

Este artigo faz parte de um Especial para marcar que a Rede Nacional de Combate à Desinformação recebeu o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação 2023, na categoria Grupo Inovador, durante o Congresso da Intercom 2023. A premiação é concedida em reconhecimento a pesquisadores, grupos de pesquisa e instituições que se destacam no cenário acadêmico. O JU é um dos 180 parceiros da RNCD desde 2020.

A desinformação é um problema crescente na sociedade moderna. Com a facilidade de acesso a ferramentas tecnológicas ultramodernas e de fácil aplicação e com a ampla oferta de canais de distribuição de alto impacto – redes sociais, por exemplo –, está cada vez mais fácil espalhar informações falsas e enganosas. O que temos visto nos últimos tempos é uma avalanche de conteúdos fraudulentos de todos os tipos, capazes de gerar consequências graves, como distorção da opinião pública, manipulação de eleições, problemas de saúde pública e até mesmo violência.

É inegável que a proliferação de novos canais de informação nascidos a partir da democratização do acesso à internet trouxe grandes benefícios à sociedade. Novos veículos de comunicação, novos espaços e formatos trouxeram dinamismo, diversidade e pluralidade ao ecossistema comunicacional. Sem contar que as redes sociais ampliaram muito positivamente a comunicação: de repente, cada um de nós passou a poder produzir informações, opinar, transmitir e interagir diretamente com milhares de pessoas. Passamos todos de simples consumidores a produtores altamente ativos dos mais diversos conteúdos. 

Se, por um lado, a ampliação dos espaços de participação é positiva e deve ser comemorada, há também uma faceta negativa nesse movimento: nem todos têm a mesma habilidade para discernir entre verdadeiro e falso, para diferenciar informação factual de opinião, sátira de humor, boato de achismo, nem tiveram tempo ou aprendizados para usar esses novos meios com responsabilidade e consciência. E os desafios não param por aí. A chegada da inteligência artificial (IA) generativa e todas as suas infinitas possibilidades de utilização tornam o combate à desinformação cada vez mais árduo e complexo. 

O fato é que não existe uma bala de prata capaz de acabar com o fenômeno da desinformação. É preciso ir além da busca por uma solução mágica e atacar o problema de forma holística e multidisciplinar. É necessário avançar em soluções de longo prazo, que preparem o indivíduo não apenas para os desafios atuais, mas também para os que possam surgir no futuro, principalmente com a cada vez maior digitalização da nossa sociedade. 

É neste sentido que a educação midiática se torna não só uma aliada, como também uma das ferramentas mais importantes no combate à desinformação. Ao fornecer aos cidadãos as habilidades necessárias para avaliar a informação de forma crítica, diferenciar gêneros textuais e tipos de mídia, avaliar a credibilidade das fontes de informação e identificar os preconceitos na mídia, a educação ajuda a reduzir a vulnerabilidade a conteúdos fraudulentos na medida em que aumenta a capacidade de questionar uma informação antes de acreditar nela ou mesmo de passá-la à frente.

Na prática, o objetivo da educação midiática é oferecer oportunidade para que qualquer pessoa desenvolva as competências necessárias para navegar no universo informacional com segurança. Ou seja, ser educado midiaticamente significa aprender a filtrar, ler criticamente e dar sentido ao enorme fluxo de informações que nos cerca. Significa desenvolver nossa voz, promovendo as habilidades necessárias para que possamos nos expressar em diversas linguagens, aprendendo e atuando em nossas comunidades.

Significa também aprender a utilizar a tecnologia para participar da sociedade de forma ética, promovendo a empatia, reconhecendo e respeitando a diversidade de vozes e combatendo o discurso de ódio e a intolerância. Para além do combate à desinformação, esse entendimento ajuda no aproveitamento das oportunidades que o ambiente digital proporciona, visando principalmente ao fortalecimento da autoexpressão, ao protagonismo jovem e ao exercício da cidadania.

Levar esse tema para a sala de aula é fundamental e urgente. A união de esforços visando mobilizar todos os agentes envolvidos – como professores, formuladores de políticas públicas, membros da academia e sociedade em geral – é condição essencial para implementar a educação midiática nas escolas e, com isso, ajudar crianças e jovens a terem uma relação mais saudável e segura com as mídias.

Como bem destacou Daniela Machado, coordenadora do EducaMídia, em artigo publicado recentemente na Folha de S.Paulo, “É crescente o número de educadores interessados em incorporar a suas práticas pedagógicas temas ligados à cidadania e à cultura digital, à leitura crítica de informações, à autoexpressão responsável e ao uso seguro da internet”. Daniela destacou ainda a experiência exitosa do professor Noslen, dono do maior canal de ensino de língua portuguesa no YouTube, com 4,5 milhões de inscritos, que incorporou às suas aulas a camada da educação midiática, oferecendo conteúdos que auxiliam na interpretação correta de textos, na diferenciação dos gêneros textuais e no combate às fake news. 

O que precisamos agora é abrir cada vez mais espaço para a educação midiática nos currículos escolares, seguindo o exemplo bem-sucedido da Finlândia, que implementou políticas públicas eficazes para formar midiaticamente crianças e jovens, desenvolvendo neles as habilidades relativas ao pensamento crítico. O país nórdico é hoje o campeão, pela sexta vez consecutiva, em resiliência à desinformação e ao fenômeno da pós-verdade, segundo o Media Literacy Index, medido pelo Open Society Institute de Sofia (Bulgária). 

O Brasil, aos poucos, está começando a reconhecer a importância de capacitar os cidadãos a lidarem de maneira crítica e responsável com as informações que encontram nos meios de comunicação e no ambiente digital. Mas precisamos avançar mais, pois uma população bem informada e capaz de analisar as informações que recebe é essencial para a saúde de qualquer democracia, inclusive a nossa.


Patricia Blanco é formada em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, com Pós-graduação em Marketing pela ESPM, é atualmente Presidente Executiva e do Conselho Diretor do Instituto Palavra Aberta, entidade que coordena o EducaMídia, programa que visa conscientizar a sociedade sobre a importância da educação midiática. É conselheira titular e vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, membro do Conselho de Ética do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária – CONAR; membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e da Comissão Permanente de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos. É organizadora de diversos livros, entre eles, o Liberdade de Expressão – Questões da Atualidade (2019), o Avanços e Desafios da Liberdade de Expressão – 10 anos do Palavra Aberta (2020) e Liberdade de Imprensa Contemporânea, lançado em 2021.
Instituto Palavra Aberta é um dos 180 parceiros da RNCD.

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