Publicado originalmente em Brasil de Fato por Carlos Veras e edição de Vanessa Gonzaga. Para acessar, clique aqui.
Hoje, 59,3% do povo brasileiro, o que equivale a 125,6 milhões de pessoas, não come em quantidade e qualidade ideais. Os dados são da pesquisa “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, divulgados na terça-feira (13). Números ainda piores que o da Rede Penssan, do início de abril, mostram que 19 milhões de brasileiros passam fome e que outros 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar.
Em contraste, cresce a quantidade de bilionários no país. Em plena pandemia, saltou de 45, em 2020, para 65, em 2021, segundo o ranking dos Bilionários do Mundo da Revista Forbes.
Como disse o pernambucano Josué de Castro, “a fome não é um fenômeno natural. É um fenômeno social, produto de estruturas econômicas defeituosas”. Por isso, não se pode responsabilizar apenas a pandemia de Covid-19 pela volta da fome. A crise sanitária, na verdade, expôs as fraturas do desmonte da política de soberania e segurança alimentar iniciada a partir de 2016 e aprofundada com o governo Bolsonaro.
Em 2001, cerca de 300 crianças brasileiras morriam por dia, vítimas da desnutrição, conforme divulgava a imprensa à época. O Brasil deu um grande e importante passo no combate à fome quando, em 2006, incluiu na Constituição (artigo 6º) o Direito Humano à Alimentação Adequada. Deu-se ali início à criação de políticas públicas de combate à fome.
Em 2014, o país saiu do Mapa da Fome da ONU e tornou-se referência mundial com a redução de 82% do número de pessoas consideradas em situação de subalimentação, graças a um conjunto de políticas públicas dos governos Lula e Dilma que tinham o combate à fome como prioridade.
Lamentavelmente, de 2016 para cá, o Brasil caminha em marcha à ré. Programas que deveriam ser consolidados e ampliados foram sistematicamente esvaziados. Entre eles, alguns dos que mais contribuíram para o Brasil sair do Mapa da Fome, tais como Um Milhão de Cisternas (P1MC), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Bolsonaro já chegou a dizer que a fome não fazia parte da realidade brasileira e uma das primeiras medidas que adotou como presidente foi extinguir o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Ainda vetou quase que integralmente projeto aprovado pelo Congresso com medidas emergenciais à agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa do povo brasileiro. É o setor que produz a base da dieta alimentar do brasileiro e que foi frontalmente atingido com o golpe dado nas políticas públicas de combate à fome.
Fortalecer as políticas de segurança alimentar significa reforçar um círculo virtuoso, onde ganham a agricultura familiar, as famílias em situação de vulnerabilidade, a economia local, os consumidores, enfim, a sociedade como um todo.
Diante de um governo omisso e lento, surgem de toda parte ações de doações de alimentos e dinheiro para ajudar a quem tem fome, como as campanhas PT Solidário, Mãos Solidárias e a Cozinha Solidária do MST. A sociedade não aceita mais fechar os olhos para a realidade da fome, como foi no passado. E se indigna ao ver uma mãe sofrer por não ter o que dar de comer ao seu filho.
Como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, fiz um chamamento ao colegiado para deixarmos diferenças políticas e ideológicas de lado em defesa de algo maior, que é o direito à vida, que passa por priorizar o acesso à alimentação adequada.
Ações emergenciais são importantes. Entretanto, o fim da fome só será possível com combate às desigualdades e com distribuição justa das riquezas. É preciso concentrar esforços, nos âmbitos público e privado, para se retomar, urgentemente, o processo de construção, reestruturação e fortalecimento de políticas públicas que tenham como foco o combate à fome e à miséria no Brasil. A frase do sociólogo Betinho está mais atual do que nunca: “quem tem fome tem pressa.” Vamos juntos, nesta jornada de esperança chamada Brasil.