Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Fernando Freitas Gonçalves, estudante de Publicidade e Propaganda, expõe as conclusões do TCC em que analisa as diversas instâncias do campo publicitário e o impacto na sua composição étnico-racial
*Por: Fernando Freitas Gonçalves
*Foto: Imagem produzida a partir da plataforma de Inteligência Artificial Stable Diffusion (Flávio Dutra/JU)
Que a publicidade historicamente se constituiu de maneira elitista e embranquecida não é novidade. Tanto que, em 1825, ainda em período de escravatura, os anúncios destacavam as características e “virtudes” dos negros e negras à venda como corpos coisificados. Nos dias atuais, episódios de racismo na publicidade não são incomuns. Como a campanha, no mínimo pitoresca, de divulgação da 47.ª edição do Festival do Clube de Criação de São Paulo, um dos espaços com maior visibilidade para a criação publicitária no país, lançada em 2021. Com o conceito “Em momentos de crise, crie”, a campanha associou momentos trágicos da história da humanidade com o surgimento de movimentos culturais, mostrando, por exemplo, o Movimento Black Power como uma “resposta criativa” à Ku Klux Klan.
Esse é apenas um exemplo de como o campo publicitário ainda tem muito a evoluir. Como um homem negro, que estuda e trabalha com comunicação e que poucas vezes viu pessoas semelhantes nas agências, senti a necessidade – e a obrigação – de buscar onde estavam essas pessoas no mercado publicitário de Porto Alegre.
Para isso, o Trabalho de Conclusão de Curso mapeou e analisou como se configuram as presenças e atuações no campo, a partir das agências – instâncias de reprodução, regulação e legitimação. Além disso, descreveu a configuração do campo publicitário da cidade, debateu a importância da promoção da equidade racial e a representação de pessoas negras no mercado de trabalho no país.
A instância de reprodução compreende a Universidade, local formador de profissionais da Publicidade. Buscaram-se iniciativas de inclusão, com recorte racial, nas universidades ESPM, UniRitter, PUC-RS e UFRGS, a partir da consulta em sites institucionais e em portais de notícias. Somente a UFRGS apresentou iniciativas de inclusão voltadas a pessoas negras na comunicação por meio do Rumos Mais Pretos. Não foram encontradas informações relativas à diversidade ou a ações afirmativas na área da Comunicação nos sites da ESPM e da PUC-RS, mas isso pode revelar um limite metodológico do trabalho. A UniRitter tem um coletivo voltado às pessoas negras, iniciativa de estudantes do curso de Direito.
A instância de regulação compreende instituições que, de alguma forma, arbitram sobre as práticas realizadas nesse campo. Analisaram-se a presença e as posições ocupadas por pessoas negras no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, no Programa de Defesa dos Direitos do Consumidor e no Sistema Nacional das Agências de Propaganda do Rio Grande do Sul, a partir de consulta às diretorias das instituições e posterior análise de fotos de seus componentes nos perfis de redes sociais. Nessa instância, das 18 pessoas identificadas, 17 são brancas e uma negra.
Na instância de legitimação, as premiações são espaços de reconhecimento na Publicidade. Assim, foram analisadas também a presença de pessoas negras nos júris e nas premiações do Salão da Associação Riograndense de Propaganda de 2022 e do Colunistas Sul 2021/2022, a partir de consulta aos sites oficiais e da análise dos perfis de redes sociais. Nos júris do Salão da ARP e Colunistas Sul, das 40 pessoas analisadas, 35 são brancas e cinco negras. Enquanto das 16 pessoas premiadas, 14 são brancas e duas negras.
Mas há um lugar essencial para a Publicidade, sem o qual ela não existe: a agência. Para mapear a presença negra nesse espaço, analisou-se, entre as últimas cinco vencedoras da categoria Agência do Ano no Salão da ARP, quantos profissionais têm, quantos são negros e se têm iniciativas de inclusão voltadas à raça. Participaram da pesquisa as agências MOOVE, HOC e Escala. Das 292 pessoas analisadas que atuam nessas empresas, 267 são brancas, 25 são negras e, desse total, só 19 atuam no campo publicitário.
Os resultados indicam uma sub-representação de pessoas negras em todas as instâncias analisadas. Nas três agências de maior destaque, pessoas negras em áreas do campo publicitário representam o total de 6,5%, número muito distante de 20,2%, percentual da população negra de Porto Alegre, segundo dados de autodeclaração do Plano Municipal de 2017. Isso evidencia a importância das iniciativas de reserva de vagas destinadas a essas pessoas, que já ocorrem em duas das três agências analisadas. Agências com esse grau de destaque são exemplo para o mercado como um todo.
A composição das instâncias decisórias nos espaços de regulação reflete o modelo social vigente: masculino e branco. A pesquisa aponta a necessidade de maior diversidade para que decisões não sejam feitas por vieses e estereótipos racistas. Além disso, a presença de pessoas negras nesses espaços é importante para continuar a mudança nas relações de poder e hegemonia da branquitude.
É inegável também o papel que as universidades cumprem na formação de profissionais negros, visto que projetos em parceria com empresas são um caminho interessante na busca por mais diversidade, incentivando estudantes em início de carreira. Outras estratégias que buscam a equidade racial nas agências são a criação de programas de reservas de vagas para pessoas negras, a equiparação salarial e a realização de ações que permitam seu desenvolvimento em diversas áreas, agregando conhecimento e priorizando sua promoção dentro da empresa.
Este trabalho é realizado por quem cansou de ver negros e negras em lugares em que o processo histórico do racismo, estruturador das relações sociais no Brasil, disse que era para elas ficarem. Não é a primeira pesquisa e confio que não será a última a falar desse assunto, mas espero que, de alguma forma, contribua e retribua com o que o ensino público de qualidade me deu: o conhecimento, a vontade de continuar lutando e oportunidades de amplificar nossas vozes. Seguimos!
Fernando Freitas Gonçalves é estudante de Publicidade e Propaganda.