A “constituição cidadã” na casa dos brasileiros

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Cesar Valente
Jornalista, mestrando do PPGJor e pesquisador do objETHOS

série de 23 reportagens/documentários sobre a Constituição que o Jornal Nacional da rede Globo publicou, toca num ponto nevrálgico dos militantes da extrema-direita bolsonarista desse governo milicocêntrico.

Praticamente todos os principais pontos de ataque do governo referem-se a direitos que estão expressos na Constituição de 1988. Uma leitura, mesmo superficial, do que o governo e seus partidários têm criticado nesses quatro anos, inevitavelmente leva à ideia de que, em algum momento, esse grupo irá propor uma nova constituinte, ou reformas de tal monta que desfigurem o caráter “cidadão” da Constituição.

Então, mais do que algum esforço de relações públicas do Supremo Tribunal Federal, que tem a função de zelar pela Constituição e cujos ministros estão sob fogo cerrado (e que, não por acaso, são também entrevistados), a série acabou se transformando numa demonstração importante de como uma televisão pode prestar um serviço público.

A qualidade técnica e jornalística do material e sua edição cuidadosa certamente valorizam o material, mas, no desanimador cenário em que vivemos, a decisão de ir adiante com o projeto e publicá-lo em “horário nobre”, às vésperas de uma eleição presidencial, não pode ser menosprezada.

Foi um projeto executado em oito meses, desde a pesquisa inicial até a apresentação e levou os repórteres Graziela Azevedo e Pedro Bassan a viagens a diversos pontos do Brasil, para encontrar entrevistados que demonstrassem como a Constituição afetou suas vidas. A direção é da jornalista Monica Barbosa, que está na Globo desde 1993 e desde 2021 dirige o Globo Repórter.

“Todos os anos de eleições gerais, procuro ter uma ideia de algum projeto que impacte o Brasil. E pensei que os brasileiros não conhecem exatamente o que é a Constituição, qual sua importância, como ela surgiu, que direitos ela garante”, afirma Ali Kamel, diretor-geral de jornalismo da Globo, ao portal G1.

O cuidado com os detalhes e a ênfase nos pontos constitucionais que tratam de assuntos que o bolsonarismo transformou em “controversos”, certamente trouxe à luz reflexões que não estavam sendo feitas pelos veículos da mídia hegemônica (ou tradicional). Saúde, educação, igualdade de gênero, racismo, casamento homoafetivo, meio ambiente, liberdade de expressão e liberdade religiosa, são alguns desses temas que foram enfrentados pela Constituição, que pareciam “resolvidos” na vida nacional e que, a partir do governo da extrema-direita, começaram a ser contestados, muitas vezes sem menção direta à Constituição e aos direitos que ela garante. Mas, de fato, tentando minar essa carta e desfazer o que foi ali posto como resultado de um consenso possível.

E, num quadro de ataques ao jornalismo, a jornalistas e à informação corretamente apurada, ver que ainda há quem se esforce para oferecer um produto jornalístico não só bem acabado mas, principalmente, socialmente relevante, é animador. Não redime a emissora de seus erros de avaliação, de informação e das opções ideológicas que deixou contaminar, em alguns momentos, seu jornalismo, mas essa série não é pouca coisa, nem deve ser menosprezada.

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