Tuco-tuco, roedor exclusivo da América do Sul, tem espécies ameaçadas pela perda de habitat

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Leticia Pasuch. Para acessar, clique aqui.

Fauna em risco | Grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências estuda os tuco-tucos no Rio Grande do Sul e, através da divulgação científica, se mobiliza para a conservação dos animais

*Foto: Tânia Carijio Zucchetti/Divulgação

Os campos arenosos e as dunas costeiras do litoral são moradias para diversas espécies de animais, inclusive sob a superfície: é onde vivem os tuco-tucos, mamíferos roedores subterrâneos pertencentes ao grupo Caviomorpha, o mesmo das capivaras e das chinchilas. São encontradas 65 espécies na América do Sul, entre Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, Peru, Argentina e Bolívia. No Brasil, há oito espécies de tuco-tucos – destas, cinco vivem no Rio Grande do Sul, duas no Mato Grosso e uma em Rondônia. Mesmo com o surgimento datado há milhões de anos, esses animais ainda são pouco conhecidos, e algumas espécies estão ameaçadas pela ação humana.

Para tentar reverter esses danos, o Projeto Tuco-Tuco, do Departamento de Genética da UFRGS, há mais de 20 anos realiza ações para a preservação dos ambientes dos tuco-tucos e do cuidado com os animais, com foco em divulgação científica, ciência cidadã e educação ambiental. Os integrantes – pesquisadores ligados aos programas de pós-graduação em Genética, Biologia Animal e Ecologia – também desenvolvem projetos como o reconhecimento de dunas para a contagem de tamanho populacional das espécies.

“A gente começou a pensar em ações para divulgar esses animais que são tão pouco conhecidos, e de que as pessoas que moram na praia há anos nunca ouviram falar”, conta Thamara de Almeida, mestre em Biologia Animal pela UFRGS. Através das redes sociais, como o Instagram e o Facebook, a equipe publica fotos que recebem dos tuco-tucos, o que também ajuda o grupo a ter uma dimensão maior de onde eles estão. “A gente vai montando a distribuição geográfica, que é conhecida, confirmando os tucos em regiões diferentes, e também faz com que as pessoas deem a informação, e, se elas estão dando a informação, é porque elas estão interessadas nos bichos”, acrescenta o professor do departamento de Genética da UFRGS Thales de Freitas, que pesquisa os tuco-tucos há mais de 30 anos – trajetória tão reconhecida que levou cientistas argentinos e chilenos a batizarem uma espécie de tuco-tucos de Ctenomys thalesi em sua homenagem.

Um dos eixos do projeto são as ações de ciência cidadã, que, para Thamara, são fundamentais para conscientizar a população sobre a importância desses animais. Ela conta que esses contatos faz com que “eles se engajem e se sintam parte da ciência”. Além disso, os pesquisadores veem como uma oportunidade para tirar dúvidas e curiosidades que se tem sobre os tuco-tucos mas, principalmente, esclarecer que eles não transmitem nenhuma doença, já que são bastante confundidos com ratos. 

Já tivemos retorno bem positivo de pessoas que, antes, tinham medo [dos tuco-tucos], mas que agora já entenderam que eles não causam mal nenhum.

Thamara Almeida

Para auxiliar na conscientização das pessoas, o grupo colocou placas informativas nas regiões das dunas no Litoral Norte – onde, pela intensa atividade turística de veraneio, aumentam o acesso de veículos, a prática de esportes e o descarte irregular de lixo nessa época. As placas, portanto, servem como uma advertência à população que circula pelas praias.

Também para mobilizar a população pela preservação do tuco-tuco, o estudante de Medicina Veterinária da UFRGS Tiago Dominguez publica, na página do Instagram “Qual é a Boa, Capão?“, fotos dos tuco-tucos recebidas de seguidores. “Fui pesquisar na internet, vi que [o tuco-tuco] estava em risco de extinção e quis alertar o pessoal da cidade, queria ajudar de alguma forma”.

Ele relata que, com isso, as pessoas começaram a compartilhar os conteúdos, a juntar o lixo da praia e auxiliar na produção de placas de avisos para que se evite pisar nas dunas, agindo em prol da preservação deles e das outras espécies que vivem no local. Na região central de Capão da Canoa, Tiago diz que não existem mais tuco-tucos. Na parte mais afastada do centro, são poucos os registros. Ele lembra que as dunas são denominadas Área de Preservação Permanente (APP) e reforça a necessidade de a comunidade dos municípios litorâneos se voltar para a conservação.

“O simples fato de caminhar em cima das dunas coloca eles em perigo e isso mostra o quanto é um ecossistema frágil.”

Tiago Dominguez
Tuco-tuco, o rato de pentes

Thales explica que a maioria das espécies são solitárias, e a comunicação entre elas se dá através do som – o nome popular “tuco-tuco” se deu pelo som ‘tuku tuku’ que os roedores emitem. Cientificamente, pertencem ao gênero Ctenomys, que significa “o rato dos pentes”, de acordo com Thales. “Nas patas traseiras, eles têm cerdas para aumentar a superfície de contato para abrirem e fecharem as tocas, como se fosse um pente pequeno, levando a esse nome”, complementa.

Em solo gaúcho, na primeira linha de dunas do litoral está o Ctenomys flamarioni, também conhecido como tuco-tuco das dunas. Com uma distribuição geográfica de Arroio do Sal até o Chuí, só existe aqui no estado. O Ctenomys minutus, outra espécie, também ocupa esse espaço mas se estende até o canal de Laguna, apesar de também ser encontrado em campos arenosos. Na planície costeira, o tuco-tuco do lami (Ctenomys lami) toma conta, enquanto na região da Campanha se encontra o Ctenomys torquatus. Por fim, o Ctenomys ibicuiensis se distribui entre São Francisco de Assis e Manoel Viana, entre a região das Missões e a Fronteira Oeste.

Tuco-tuco tem cerdas nas patas traseiras para abrir e fechar as dunas (Foto: Tânia Carijio Zucchetti/Divulgação)

Herbívoros, os tuco-tucos se alimentam de raízes, sementes e grama, como capim e ervas. Ao montar suas galerias, eles têm um importante papel ecológico por trazer os nutrientes que ficam no fundo das tocas à superfície, para serem utilizados pela vegetação. Por causa dessa atividade, há um aumento da disponibilidade de alguns nutrientes perto das trocas, causando uma alteração positiva na dinâmica da vegetação da região, pontua o professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e integrante do projeto Daniel Galiano. “São chamados de espécies engenheiras por esse trabalho“, diz Thales.

Apesar da relevância ecológica, Thales pontua que os tuco-tucos sofrem ameaças antrópicas – ou seja, provocadas pela ação humana. No sul, a plantação de soja, de pinus e a silvicultura levam ao alto risco de extinção de espécies locais. “Ao mesmo tempo, a construção das casas no litoral norte afeta os Ctenomys minutus, mas principalmente os Ctenomys flamarioni”. A presença da fauna antrópica, como cachorros e gatos, também impacta na população dos tuco-tucos.

As categorias de ameaça aos tuco-tucos, de acordo com Daniel, foram adotadas pelas mesmas regras da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), organização dedicada à avaliação de risco de extinção de animais. Na Lista Vermelha (Red List), no Rio Grande do Sul, há três ameaçadas – tuco-tuco das dunas (Ctenomys flamarioni), Ctenomys ibicuiensis e o tuco-tuco do lami (Ctenomys lami). Essas também são consideradas espécies endêmicas, por serem exclusivas do estado e, por isso, o risco é maior. 

A principal ameaça para a fauna é a perda de habitat, segundo o biólogo. Para o Ctenomys flamarioni, a diminuição das dunas e a urbanização, além da construção dos condomínios, é um agravante, principalmente na época de veraneio. Ele explica que os impactos fisiológicos podem não ser visíveis, principalmente para o público leigo. No Sul de forma geral, os tuco-tucos são mais conhecidos; já em Mato Grosso e Rondônia, são menos, segundo Daniel.

Thales reforça que, atualmente, há legislação que proíbe o desenvolvimento de calçadões nas dunas, visto que elas atuam também como barreira para o alto nível do mar. No entanto, isso é negligenciado. “O pessoal, se pudesse, tirava as dunas da beira de praia, sendo que elas são importantes até para a sobrevivência da própria praia”, diz. O pesquisador defende que é necessário, primeiramente, que se aprenda a conviver com os tuco-tucos, e que seja desmistificada a ideia de que sejam pragas, que trazem algum tipo de perigo ou que transmitam alguma doença – sendo que, até o momento, não foi detectada nenhuma zoonose nos animais.

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