Cientistas têm novo feedback do universo com descobertas sobre buraco negro da Via Láctea

Astronomia | Em maio deste ano, pesquisadores do Event Horizon Telescope (EHT), uma colaboração internacional de radiotelescópios espalhados sobre a face da Terra, anunciaram novas observações do que acontece no centro da galáxia onde fica o nosso sistema solar

*Foto: NASA/JPL-Caltech – Ilustração mostra, no centro, um buraco negro com bilhões de vezes a massa do sol.
Ao seu redor, gás e radiação sendo emitidos do disco de 
acreação.

Em abril de 2019, foi divulgada ao mundo, pelo consórcio Event Horizon Telescope (EHT), a primeira imagem de um buraco negro supermassivo, no centro da galáxia M87, a 55 milhões de anos-luz da Terra. Agora, o consórcio anunciou a imagem de Sagitário A*, assim batizado o buraco negro supermassivo que se encontra no centro da Via Láctea. Em 2020, três cientistas conquistaram o Nobel de Física com estudos referentes a buracos negros supermassivos, dois deles com trabalhos sobre o Sagitário A*.

Entre as características do Sagitário A*, está sua proximidade com a Terra – fica a 27 mil anos-luz –, além de ser muito menor que o M87*. Conforme os pesquisadores, o Sagitário A* tem 4 milhões de vezes a massa do Sol, enquanto o outro tem quase 7 bilhões de vezes a massa do Sol. O tamanho reduzido dos horizontes de eventos dos buracos, ou seja, a abertura deles, (embora sendo os maiores no céu) foi um dos desafios para a captação da imagem. Por isso, foi necessário combinar as observações da rede internacional de 11 radiotelescópios espalhados por diferentes locais da Terra.

A professora Thaisa Storchi Bergmann, coordenadora do grupo de pesquisa Astrofísica do Instituto de Física da UFRGS, o qual colabora com a equipe do EHT, explica que, em 2020, já havia sido feita a medição da massa de Sagitário A*. “Confirmou-se o tamanho esperado, e isso pode ajudar a entender a formação e a evolução das galáxias. Embora com tamanhos muitos diferentes, os dois buracos negros operaram de acordo com as mesmas leis da Física. De certa forma, as imagens permitiram explorar as deformações do espaço-tempo perto de um objeto supermassivo, previstas na teoria da relatividade geral, que Albert Einstein formulou em 1915. Ou seja, Einstein estava certo, e a gente teve então, pela primeira vez, uma imagem delineando o buraco na Via Láctea”, salienta.

Em conferência realizada em diferentes locais do mundo no dia 12 de maio, os cientistas destacaram que um buraco negro não pode ser examinado diretamente, uma vez que o objeto é tão denso e sua atração gravitacional é tão poderosa que nem mesmo a luz escapa de sua força de atração. Contudo, conforme um dos responsáveis pelo trabalho, o pesquisador Chi-Kwan Chan, da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, é possível detectar a matéria que circula ao seu redor antes de ser engolida. Por isso, é como se alguém quisesse tirar uma foto nítida de um cachorro que quer pegar o próprio rabo, comparou o cientista.

A imagem apresentada é o resultado de vários anos de observação, além de cinco anos de cálculos e simulações realizados por mais de 300 pesquisadores de 80 institutos localizados em 20 países. O gás que orbita Sagitário A* precisa apenas de 12 minutos para dar a volta nesse objeto massivo e compacto, quase à velocidade da luz, enquanto no caso do M87* são necessárias duas semanas. Isso significa que a luminosidade e a configuração do gás mudaram muito rapidamente durante a observação.  

Segundo Thaisa, Sagitário A* está numa fase de pouca atividade, mas há sinais de que foi mais ativo no passado. Os buracos negros supermassivos, ela enfatiza, têm um papel importante na evolução da galáxia.

“Quando ele [buraco negro] está ativo, capturando matéria, o disco de acreção, formado pela matéria capturada que fica orbitando antes de cair no buraco, emite muita radiação e ventos, além de empurrar o gás circundante da galáxia. Acaba regulando o crescimento da galáxia, não a deixando crescer demais. Então, a gente diz que tem um feedback dos buracos negros, e isso é um dos temas explorado pelo nosso grupo de pesquisa: estamos procurando esses efeitos de feedback dos buracos supermassivos nas galáxias, mas isto ainda não está totalmente quantificado”

Thaisa Bergmann
Ilustrações produzidas pela NASA, a partir de observações e modelos produzidos por astrônomos pesquisadores
O que são buracos negros e o que representam na nossa vida

Muito presentes na ficção científica para explicar viagens no tempo e até mesmo superpoderes inacreditáveis, na prática, os buracos negros são uma região do espaço com um campo gravitacional tão intenso que nem sequer a luz consegue escapar, explica Thaisa. Depois de formados, a gravidade na região é tão forte que toda matéria que eles atraem é comprimida até ser destruída.

Há dois tipos de buracos negros: os estelares e os supermassivos. Os primeiros são resultado da morte de uma estrela massiva, ao menos 15 vezes mais massiva do que o Sol. Ao evoluir, explode e, quando isso acontece, recebem a nomenclatura de supernova. Posteriormente, o que resta pode virar um buraco negro. Já os supermassivos, encontram-se no núcleo das galáxias, como Sagitário A*.

O professor Rogério Riffel, integrante do grupo de pesquisa Astrofísica, explica que a galáxia se forma e vai evoluindo e se transformando junto com o buraco negro supermassivo. “Estudamos várias amostras de galáxias, tanto com imagem quanto com espectroscopia.” Segundo ele, assim é possível mapear a influência do buraco negro sobre as propriedades físicas e químicas das galáxias, verificando se o acontecimento é coerente com a Física, com base no que está sendo observado.

Para Thaisa, pode haver impacto dos buracos negros supermassivos até na origem do nosso sistema solar, assim como na vida aqui na Terra. “No início da evolução, quando o Universo tinha menos do que um bilhão de anos, e estavam se formando as primeiras estrelas, a gente não existia nem o Sol. Então foram se formando essas estrelas e o buraco negro supermassivo também. Ao crescer, os buracos se alimentam via a captura de matéria e começam a gerar os efeitos de feedback, aquecendo e até empurrando o gás que formaria novas estrelas para fora da galáxia. Isso fez com que a galáxia se tornasse o que ela é”, destaca a cientista.

“Em resumo, se isso não acontecesse, poderia não haver condições propícias para formação de planetas como a Terra, ou de uma estrela como o Sol, e a gente poderia nem estar aqui para conjecturar sobre o tema. Eles têm, então, essa importância na história das galáxias e da nossa galáxia, a Via Láctea. No Universo, tudo está conectado”

Thaisa Bergmann

“Já trabalho com isso há muito tempo e fiquei muito entusiasmada quando, em 2019, foi revelada a primeira imagem de um buraco negro na galáxia M87, que está mais distante e é muito maior”, lembra Thaisa. Com isso, afirma, foi possível definir também a região do disco de acreção, no qual está o material que orbita a zona mais interna em torno do buraco negro. “Onde há sombra, uma parte escura, é o que a gente chama de horizonte de eventos, a partir do qual nada escapa. Por isso que se chama buraco negro”, observa. Ao ultrapassar o horizonte de eventos, por exemplo, a luz não consegue mais escapar.

Acima, gráfico feito a partir de dados de raio-X que mostram gases sendo expelidos por estrelas próximas a um buraco negro. Antes, a primeira fotografia captada de um buraco negro, em abril de 2019, realizada pela rede internacional de telescópios Event Horizon Telescope (EHT) (Foto: Event Horizon Telescope collaboration et al)
Nobel de Física

Um acontecimento que deu maior notoriedade e destaque à pesquisa sobre buracos negros foi o prêmio Nobel de Física em 2020. Os três ganhadores foram a astrofísica norte-americana da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Andrea Ghez, o astrofísico alemão Rheinhard Genzel, do Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics e o físico inglês Roger Penrose, da Universidade de Oxford. Penrose recebeu o prêmio por provar que o buraco negro era uma solução robusta das equações da teoria da relatividade de Einstein. Já Ghez e Genzel se dedicaram a procurar evidências observacionais da sua existência, em particular, da presença do buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea. Em artigo publicado no site da Academia Brasileira de Ciências, em outubro de 2020, Thaisa celebra a conquista e valoriza o trabalho realizado anteriormente para se chegar ao Nobel.

“A superfície, a partir da qual nada escapa, é o chamado horizonte de eventos, cuja primeira imagem, no caso do buraco negro supermassivo do núcleo da galáxia M87, foi divulgada no ano passado. Mas esta imagem só foi interpretada e aceita como tal posteriormente, devido ao enorme volume de trabalho anterior, provando a existência dos buracos negros na natureza, dentre os quais se destaca a pesquisa dos três ganhadores do prêmio Nobel”, escreveu. No caso de pesquisas anteriores, segundo a cientista, “as evidências de sua existência começaram a aparecer com a descoberta dos quasares, nos anos 1950-60, que podem ser considerados os objetos mais luminosos do universo. Nos anos 1980-90, em que imagens mais nítidas desses objetos foram sendo obtidas e, em particular, com o telescópio espacial Hubble, ficou evidente que eles eram núcleos de galáxias que emitiam mais energia do que a galáxia inteira ao seu redor”, apontou.

Para Rogério, as descobertas astronômicas feitas apontam no sentido de que a Física descreve a fenomenologia que se observa nesses objetos. Elas provam que a Física está correta e pode ser aplicada com sucesso em várias outras situações do nosso dia a dia. “Assim a gente pode pensar que a relatividade geral pode ser aplicada a uma série de coisas, como o posicionamento de satélites com GPS”, conclui.

 A pesquisadora e professora do Instituto de Física da UFRGS Thaisa Storchi Bergmann (Foto: Flávio Dutra/Arquivo JU 13 mai 2013)

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