Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Xênia Casséte. Para acessar, clique aqui.
Bereia recebeu pelo seu número de WhatsApp uma solicitação de checagem de vídeo de 2020, que voltou a circular nas mídias sociais. Nele, o deputado federal Coronel Tadeu (União Brasil-SP) acusa o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) de permitir “visita íntima a crianças e adolescentes de 12 a 21 anos, (…) com o apoio da OAB e da CNBB”. O deputado faz referência, no vídeo, à aprovação de uma resolução do Conanda, de17/12/2020, que estabeleceu uma série de diretrizes para o atendimento de adolescentes que estejam cumprindo medidas socioeducativas em regime fechado. Um trecho do artigo 41 diz que “deverá ser garantido o direito à visita íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68 da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012?. Naquela ocasião, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e especialistas discordaram e refutaram as afirmações do Coronel Tadeu.
Além do vídeo do deputado, circulou pelas mídias digitais, conteúdo publicado por sites da direita política que reforçou a interpretação de que o Conanda estaria estimulando a promiscuidade sexual entre adolescentes em conflito com a lei.
O texto aprovado pelo Conanda foi criticado pelo site de notícias “Diário do Poder”, no mesmo dia em que o deputado postou o vídeo. O site Gazeta do Povo também publicou abordagens negativas sobre a Resolução, nos dias 17/12 e 22/12/2020, incluindo crítica a uma nota publicada pela CNBB na ocasião.
No título da matéria, o “Diário do Poder” afirma e acusa: “Resolução do Conanda autoriza ‘visita íntima’ a menores infratores a partir dos 12 anos – Irresponsabilidade foi aprovada por 14 votos de ONGs e entidades como OAB e CNBB, contra 9 do governo”.
Já a “Gazeta do Povo” afirma que, “dentre outras medidas”, a Resolução aprovada pelo Conanda, “autoriza visitas íntimas a menores infratores (a partir dos 12 anos de idade) em unidades socioeducativas. A CNBB foi uma das 14 entidades que votou favorável a ela, bem como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, acusou o site.
Especialistas discordam das acusações
A revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur), criada em 1997 para um público composto por advogados, juízes, ministros, professores, entre outros, publicou, em 20/12/20, matéria com o título: “Resolução do Conanda não autoriza visita íntima a menor infrator de 12 anos”. A Conjur ouviu especialistas que discordaram da acusação à Resolução do Conanda, uma vez que foi estabelecido que “as visitas íntimas devem ocorrer nos termos do artigo 68 da Lei 12.594/12”. Este artigo, que antecede a Resolução de 2020, assegura ao “adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima”.
A advogada criminalista Lyzie Perfi, entrevistada pela Conjur , informou que a resolução do Conanda “condiciona o direito à visita íntima a uma condição prévia à internação: a existência de casamento ou união estável. Também é importante lembrar que as resoluções estão em ordem hierárquica inferior, devendo respeitar todas as leis federais sobre o assunto, assim como o Código Civil, o ECA e o Código Penal”. Com isso, a advogada afirmou que a norma editada pelo Conanda em 17 dezembro de 2020, “impede as visitas íntimas a partir dos 12, ao condicioná-las ao casamento ou à união estável”. “Isso porque, por lei, só podem se casar pessoas com 16 anos ou mais. Nesse caso, é exigida a autorização de ambos os pais do adolescente. Tal disposição consta no artigo 1.517 do Código Civil. O mesmo vale , por analogia, para o reconhecimento da união estável”, disse Lysie Perfi à Conjur.
Nota da CNBB
Diante da acusação feita pelo deputado Coronel Tadeu, a CNBB publicou uma nota com o objetivo de contestar a polêmica gerada pelo vídeo e a desinformação que se sucedeu nas mídias digitais sobre o assunto.
A nota, com o título “Sobre a verdade, a democracia e a vida”, afirma que a presidência da CNBB, somente após “ouvir as pessoas que participaram diretamente dos fatos” decidiu “compartilhar esclarecimentos sobre a Resolução aprovada pelo Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda)”. O textoexplica que “A Resolução faz parte de um longo processo que teve como finalidade enfrentar os dados levantados pelo Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura nas Instituições Socioeducativas (…)”. A CNBB reconhece que os 57 artigos da Resolução aprovada pelo Conanda tratam de “direitos já previstos anteriormente em leis federais, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8069/90) e a Lei n.12.594, de 18 de janeiro de 2012, conhecida como Lei do SINASE – SIstema Nacional de Atendimento Socioeducativo”.
A CNBB cita que o art. 41 da Resolução de 2020 “foi alvo de críticas e interpretações distorcidas” e afirma que o texto da Conanda “refere-se claramente ao art. 68 da Lei do SINASE, onde se prevê que visitas íntimas aconteçam apenas para quem esteja casado ou viva uma união estável”.
A Nota da CNBB aconselha todos a lerem a Resolução aprovada pelo Conanda em 17/12/2020 “no horizonte em que foi pensada e aprovada. Outro tipo de leitura deturpa seu conteúdo e demonstra o desejo deliberado de desmoralizar os Conselhos de Políticas Públicas, instâncias indispensáveis em uma sólida democracia”.
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Bereia conclui que a afirmação do deputado federal Coronel Tadeu (União Brasil-SP) de que a Resolução do Conanda, de 17/12/2020, autoriza a visita íntima a adolescentes de 12 a 21 anos é ENGANOSA. O vídeo gravado e as matérias publicadas por sites de notícias da direita política distorcem o conteúdo do documento. Busca-se levar o público a pensar que conselho da sociedade civil que trata de políticas referentes a crianças e adolescentes, promovem a promiscuidade sexual entre adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado. Bereia apurou que a referida Resolução está sujeita ao Código Civil, restringindo o direito apenas aos adolescentes comprovadamente casados ou com união estável.
A nova circulação do vídeo de dezembro de 2020 em mídias sociais religiosas expressa, novamente, estratégia de gerar pânico moral em ambientes religiosos, tendo em vista fins eleitorais, conforme já identificado nas eleições de 2018 e 2020.
Referências:
CNBB. https://www.cnbb.org.br/presidencia-da-cnbb-divulga-nota-sobre-a-resolucao-do-conanda-que-trata-sobre-adolescentes-em-cumprimento-de-medidas-socioeducativas/?fbclid=IwAR02EFT8yyo9SF-YiWR0ZXRtwTLpz90XtCQuPxWi7dEKJqqQqiVxYOeCBSo. Acesso em 24 mar 2022.
ConJur. https://www.conjur.com.br/2020-dez-20/resolucao-conanda-nao-autoriza-visita-intima-menor-12-anos?fbclid=IwAR3GjFKtVuw1AaHdW2UwBAC-jg8sj_m28VXtOLauRr_rOhAJa1kOAUlPez8 . Acesso em 24 mar 2022.
Diário do Poder. https://diariodopoder.com.br/claudio-humberto-home/resolucao-do-conanda-autoriza-visita-intima-a-menores-infratores-a-partir-dos-12-anos . Acesso em 25 mar 2022.
Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/cnbb-nota-visita-intima-menor-infrator-deputado-quer-revogar-resolucao/ . Acesso em 25 mar 2022.
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Foto de capa: Jornal Opção