Por que não podemos falar em ‘supernotificação’ de mortes por COVID-19 no Brasil

Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica por Alessandra Ribeiro. Para acessar, clique aqui.

Nos últimos dias, usuários do Twitter contestaram o fato de o Brasil ter mais de 500 mil mortos por COVID-19. A alegação é de que as pessoas estão morrendo por outros motivos, mas, mesmo assim, a COVID-19 constaria como causa da morte no atestado de óbito.

A narrativa da suposta fraude no número de óbitos do país tem sido evocada de forma recorrente. Em um debate veiculado na Rede TV e reproduzido no Instagram, identificado pelo aplicativo parceiro Eu fiscalizouma advogada diz que verbas foram destinadas para casos de mortes por COVID-19, o que teria levado “cidades grandes e pequenas” a forjarem o número de óbitos para receber recursos.

Para o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a tese de uma suposta falsificação em massa de exames diagnósticos não se sustenta. “São profissionais de saúde que fazem a testagem, emitem o atestado de óbito, com base em um teste positivo”, lembra.

Hallal é coordenador de um estudo pioneiro no Brasil, o Epicovid-19, realizado no início da pandemia, em 2020, que promoveu a testagem de mais de 120 mil pessoas em 133 municípios, com o objetivo de investigar o número real de pessoas infectadas pelo novo coronavírus no país.

“Chegamos à conclusão que, para cada caso na estatística oficial, existiam seis casos reais na população. Então, havia uma subestimativa muito grande. Muita gente teve COVID e não sabia, porque não fez teste, ou porque não teve sintomas”, conta.

Em outras palavras, em termos de casos da doença, a estimativa é que na verdade o número oficial é menor do que o real. E ele acrescenta: “Nenhum estudo científico no Brasil mostra superestimativa de casos ou de mortes. Essa teoria não tem nenhum embasamento científico”, ressalta o pesquisador da UFPel.

A avaliação de Hallal é compartilhada pelo professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo. Ele enfatiza que nunca houve ‘supernotificação’ de mortes por COVID-19 no País: “Ao contrário, há subnotificação”, garante.

Lotufo é coordenador do projeto de pesquisa Reavaliação da Mortalidade por Causas Naturais no Município de São Paulo durante a Pandemia da COVID-19 (Recovida). Segundo o professor, calcula-se que o número atual de mortes em São Paulo será multiplicado por 1,2.

Excesso de mortes

“O fato importante é que, desde março de 2020, temos excesso de mortes em comparação aos anos anteriores, o que é indicativo de epidemia com letalidade alta. Ainda há casos anotados como suspeitos de COVID”, observa Lotufo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de excesso de mortes representa o número de óbitos acima do esperado, a partir do padrão de mortalidade previamente observado na população.

Um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, com base em dados coletados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e da Central de Informações do Registro Civil Nacional, estimou o excesso de mortes em adultos com mais de 20 anos em quatro capitais brasileiras: Fortaleza, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre 23 de fevereiro e 13 de junho de 2020, foram registradas 74.410 mortes naturais nas quatro cidades. O índice de excesso de mortes foi de 46%.

Os autores alertam: “A elevada porcentagem de mortes excedentes, de mortes não explicadas diretamente pela COVID-19 e de mortes fora do hospital sugere alta subnotificação de mortes por COVID-19 e reforça a extensa dispersão do SARS-CoV-2, como também a necessidade da revisão de todas as causas de mortes associadas a sintomas respiratórios pelos serviços de vigilância epidemiológica”.

Em outro artigo, que considerou o excesso de mortes especificamente por causas respiratórias em oito metrópoles brasileiras (Belém, Curitiba, Cuiabá, Fortaleza, Manaus, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo), nos seis primeiros meses da pandemia, foi constatado o registro total de 46.028 mortes por causas respiratórias entre 23 de fevereiro e 8 de agosto de 2020, o que representa um excesso de mortes de 312% no período.

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