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Vanessa da Rocha
Jornalista, mestranda do PPGJor/UFSC e pesquisadora do objETHOS
Era um dia normal na rotina do repórter Pedro Duran, da CNN Brasil. Na pauta, a cobertura de um ato pró-Bolsonaro, no sábado, 22 de maio. Coberturas de manifestações sempre exigem cautela, mas a CNN Brasil não costuma estar no rol dos veículos de imprensa que são alvo de ataques do presidente, então a possibilidade de ser hostilizado não estava no horizonte. Só que na contramão das probabilidades, um grupo cercou o jornalista. As vozes gritavam “lixo” em coro contra o repórter, que foi escoltado pela PM até o carro.
Os ataques aos jornalistas em manifestações são reincidentes e independem se o movimento é de esquerda ou de direita. Não é de hoje que manifestantes atacam os mensageiros. Nos protestos de 2013, levantamento da Abraji mostra o registro de pelo menos 171 casos de violações cometidas contra profissionais da imprensa que cobriam os atos nas ruas do país. Além dos ataques direcionados, há o risco da cobertura quando ocorrem conflitos entre manifestantes e polícia. Os operadores da mídia, concentrados na apuração ou no registro de imagens ficam vulneráveis.
É sabido que no Governo Bolsonaro esses episódios aumentaram. Relatório da Fenaj mostra aumento de 105,7% em 2020 em relação a 2019 e, em 2021, o Brasil entrou para a lista vermelha da liberdade de imprensa pela primeira vez (e esperamos que seja a última!), no levantamento da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), que contabilizou 580 ataques à imprensa no ano passado.
Em quase todas as semanas, entidades que defendem o Jornalismo publicam notas repudiando as agressões a jornalistas, enquanto as instituições públicas silenciam. O ideal seria que o Palácio do Planalto se manifestasse e repudiasse os atos de violência e agisse pela defesa do trabalho da imprensa, além de elaborar políticas públicas para a segurança profissional, mas estamos muito longe do “mundo ideal”. Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro acaba incentivando esse tipo de conduta ao instigar o ódio contra a imprensa.
Feito esse breve resumo do panorama dos ataques, é necessário registrar que há algo que é pouco falado dentro da temática que envolve a labuta diária do repórter: como o jornalista deve agir quando é alvo de ataques assim, na rua, de surpresa, enquanto exerce o ofício de reportar. O assunto é delicado, pois o que se espera é que os ataques não ocorram e não se deve naturalizar esses comportamentos. No entanto, diante do crescimento do número e intensidade dos episódios de hostilização, é necessário estabelecer parâmetros para o profissional ter como guia.
As ruas são inseguras e trazem desafios diários ao repórter. Os xingamentos e tentativas de intimidação fazem parte da rotina e não há um manual definitivo sobre como lidar com isso. A maioria dos guias versam sobre comportamento profissional voltado para protestos e conflitos armados. Nesses casos, os manuais do Brasil e do Exterior demonstram consenso de que a segurança fica em primeiro lugar. O jornalista deve mensurar os riscos previamente, levar equipamentos de proteção, fazer leitura do local e se posicionar de forma segura, geralmente nas laterais, nunca no centro do conflito. Há a possibilidade do jornalista ir com identificação do veículo ou ir com roupa neutra e se infiltrar. A definição de onde se posicionar depende das características do protesto e geográficas. Cada local e situação demandam decisões específicas.
Bem, e como se comportar diante de xingamentos? É adequado o jornalista revidar? Em geral, não. Isso infla os ânimos e pode fazer o conflito evoluir para uma discussão e violência física. Por mais injusto e desproporcional que sejam os ataques, o ideal é que o jornalista assuma uma posição profissional de neutralidade. A conduta do repórter da CNN diante do ataque é um exemplo. Ele se manteve calmo, não revidou e buscou fazer o registro dos ataques através do celular, como forma de proteção. Só que nem sempre o jornalista sabe se irá manter o controle emocional diante de uma agressão inesperada na rua. É por isso que é importante que ocorra treinamento e capacitação. Saber reagir a xingamentos faz parte de uma estratégia de segurança profissional.
Ainda faltam balizadores de comportamento nessas situações, mas eles serão necessários diante do crescente nível de intolerância.
No Manual de Segurança para Cobertura de Protestos da Abraji, há algumas instruções sobre comportamento para casos de agressões. Se o jornalista ou equipamento profissional for atingido, o que é comum nesses ataques, o jornalista deve demonstrar a inconformidade com o ocorrido, mas de forma calma. A discussão deve ficar no campo profissional com a explicação de que o ataque representa uma violação à atividade de imprensa. Em determinadas situações, o silêncio é a melhor resposta. O jornalista deve observar a linguagem corporal e estudar como reagir. O foco não deve ser revidar os insultos e sim em sair da situação que é considerada atípica.
Vivemos tempos sombrios no Jornalismo com o crescente número de episódios de hostilização de profissionais da imprensa. Impedir o exercício do jornalismo é atentar contra a liberdade de expressão.
A crítica ao exercício profissional é valiosa para o aprimoramento da atividade jornalística, no entanto, ela deve ser realizada de forma técnica. Mas o que se vê são tribunais odiosos da internet que promovem falta de entendimento geral do papel do repórter e se espraiam pelas ruas – o que culmina em situações de risco para jornalistas. Enquanto esse cenário não é revertido, jornalistas devem se unir aos colegas e entidades para publicizar o repúdio a essas situações, além de trabalhar pelo aprimoramento e capacitação profissional para a elaboração e consolidação de uma estratégia de segurança dos profissionais da imprensa.