Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Luciana Petersen e Lázaro Campos. Para acessar, clique aqui.
No dia 13 de abril, o site gospel de notícias Pleno News publicou matéria na qual afirma que o STF havia derrubado a obrigação de escolas e bibliotecas públicas amazonenses manterem um exemplar da Bíblia em seus acervos. A decisão diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) número 5258 e teve como relatora a ministra Carmen Lúcia. O relatório foi seguido por todos outros ministros da corte, em votação ocorrida em 12 de abril.
A lei contestada
A ADI tem como alvo a lei 74/2010 do Estado do Amazonas e foi requerida pelo então Procurador Geral da República Rodrigo Janot, em 2015, sob o argumento que a legislação contrariava o Artigo 19, inciso I, da Constituição Federal. No entanto, a ação foi incluída para julgamento apenas em 22 de março de 2021.
O trecho da Constituição referido pela ADI diz: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”
De outro lado, a lei estadual teve os artigos 1º, 2º e 4º questionados, que trazem essas normas:
“Art. 1º – As unidades escolares da rede estadual de ensino e as bibliotecas públicas estaduais ficam obrigadas a manter em seus acervos ao menos um exemplar da Bíblia Sagrada.
Parágrafo único. A obrigatoriedade prevista no caput não implica em restrição ou impedimento para a manutenção, nos acervos, de livros sagrados de outras tradições religiosas.Art. 2º – Os exemplares da Bíblia Sagrada deverão ser colocados à disposição de alunos, professores e demais usuários, em local visível e de fácil acesso.
Art. 4º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações consignadas no orçamento vigente”.
Lei nº 74/2010
A PGR argumentou que essa legislação fez com que o Estado do Amazonas tenha passado a promover a fé cristã quando seu dever constitucional é de não se identificar nem adotar uma visão de mundo de ordem religiosa, moral ou filosófica. Além disso, o questionamento é que ao obrigar a presença da Bíblia em escolas e bibliotecas, o Estado promoveu seus dogmas em prejuízo daqueles condenados pelo texto sagrado dos cristãos, o que seria uma afronta à laicidade do Estado.
Justificativa de inconstitucionalidade pela ministra do STF Carmén Lúcia
Os ministros do STF decidiram em unanimidade que é inconstitucional a lei estadual que obrigaria escolas e bibliotecas a manterem ao menos um exemplar da Bíblia em seus acervos. Em sua justificativa, a relatora ministra Carmén Lúcia observou que a lei fere o princípio da laicidade. “Na determinação da obrigatoriedade de manutenção de exemplar somente da Bíblia, a lei amazonense desprestigia outros livros sagrados quanto a estudantes que professam outras crenças religiosas e também aos que não têm crença religiosa alguma”, escreveu. A ministra também ressaltou que compete ao Estado ser neutro para preservar o direito fundamental à liberdade religiosa em favor dos cidadãos.
A decisão também reitera a manifestação da Procuradoria-Geral da República:
“Não se afirma que seja ilícito a escolas públicas a aquisição da Bíblia, do Corão, da Torá, dos épicos Maabárata e Ramáiana, do Bagavadguitá, da Codificação Espírita de Allan Kardec, dos Vedas ou de outros livros sagrados, pois todos são objetos culturais, além de obras de culto. Tê-los ao dispor dos alunos e usuários de suas bibliotecas é plenamente compatível com o acesso a obras relevantes que bibliotecas não especializadas devem promover. Inconstitucionalidade há, todavia, na imposição normativa de compra de apenas um desses livros tidos como sagrados, por parte da administração pública, com evidente privilégio a determinada manifestação religiosa”
Decisão do STF
Outros casos semelhantes
Bereia já verificou outras tentativas de pautar a obrigatoriedade da leitura bíblica em escolas públicas em outras cidades do Brasil. Projetos de lei semelhantes já foram propostos em Xangri-Lá (RS), São Paulo (SP), Nova Odessa (SP) e vetados em todas as cidades. Em Manaus, a Lei n. 1.679/2012, que obrigava que todos os espaços públicos municipais de leitura dispusessem de um exemplar da Bíblia, já havia sido vetada pelo STF em 2019.
Segundo o advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, Estado laico é a condição de um país ou nação que adota uma posição neutra no campo religioso, não apoiando ou discriminando qualquer religião. “Assim, tem-se que laicidade é a doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado e religião ao não aceitar que haja confusão entre o Estado e uma instituição religiosa qualquer, assim como não aceitar que o Estado seja influenciado por determinada religião”, explica.
Conclusão
Bereia verifica, portanto, que a notícia publicada por Pleno News de que o STF derrubou a obrigação de Bíblia em escolas e bibliotecas no Amazonas é verdadeira. Os ministros decidiram por unanimidade que a Lei é inconstitucional pois fere o princípio do Estado laico. A decisão ressalta que a inconstitucionalidade não está em ter obras religiosas na biblioteca, mas a imposição normativa de compra de apenas um desses livros tidos como sagrados, por parte da administração pública. O amplo esclarecimento sobre a inconstitucionalidade do caso é muito relevante no contexto de publicações religiosas, uma vez que tal tipo de notícia pode ser usada em desinformação sobre suposta perseguição do STF a cristãos.
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Foto: Pixabay/Reprodução
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Referências
STF, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4727836. Acesso em 14 de abril de 2021.
Consultor Jurídico, https://www.conjur.com.br/2021-abr-13/lei-amazonas-exige-biblia-escolas-inconstitucional. Acesso em 14 de abril de 2021.
Assembleia Legeslativa do Estado do Amazonas, https://sapl.al.am.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2010/9014/9014_texto_integral.pdf. Acesso em 14 de abril de 2021.
Planalto, http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 14 de abril de 2021.
STF, http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15321807264&ext=.pdf. Acesso em 14 de abril de 2021.
STF. https://www.conjur.com.br/dl/lei-amazonas-exige-biblia-escolas.pdf. Acesso em 15 de abril de 2021.
Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/materia-sobre-obrigatoriedade-da-leitura-biblica-nas-escolas-publicas-de-xangri-la-rs-e-imprecisa/. Acesso em 15 de abril de 2021.
Jus Brasil. https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/692169711/recurso-extraordinario-re-1191849-am-amazonas. Acesso em 15 de abril de 2021. Jus Brasil, https://jus.com.br/artigos/11457/tomemos-a-serio-o-principio-do-estado-laico. Acesso em 15 de abril de 2021.