Publicado originalmente em Brasil de Fato por Teresa Leitão e edição de Vanessa Gonzaga. Para acessar, clique aqui.
Não vai muito longe o tempo em que os livros escolares nos levavam a comemorar, em 19 de abril, o “Dia do Índio”, sem fazer questionamentos ou leituras críticas.
Era o dia para confeccionar cocar, pintar o rosto, aprender o que era oca, taba, pajé, arco e flecha. Uma simples descrição romantizada dos “primeiros habitantes do Brasil”. Povo calmo e hospitaleiro que recebeu os portugueses em troca de espelhos e outros mimos.
Esta relação depois encontrou algumas variantes em narrativa de amores livres e românticos, vividos entre as mulheres, belas e selvagens índias, e os portugueses.
Demorou um tempo para a pedagogia crítica começar a questionar esses conceitos. “Índios” e “índias” não foram os primeiros habitantes do Brasil e sim o povo nativo, os primeiros donos da terra. Os portugueses não eram visitantes amáveis que traziam presentes, mas o invasor, o colonizador, produtores de um dos maiores extermínios de um povo, na face da terra. Diferente de amores, as mulheres indígenas foram violentadas e mortas, assim como também a todo um povo foram usados métodos de escravização.
A utilização da mão de obra dos povos indígenas não logrou o êxito almejado pelos colonizadores, que não conseguiam penetrar na complexa forma de organização social, mas mesmo assim perdurou por séculos, só vindo a ser abolida por decreto governamental em 1758.
No entanto, os colonizadores não se eximiram de implantar um forte processo de aculturação dos povos nativos, através da evangelização feita pelos padres jesuítas e de ensinamentos de hábitos da chamada civilização. Desta forma foi aprovado em 1686 o “Regimento das Missões” que estabeleceu as bases para regulamentação do trabalho missionário e que vigorou até 1845 quando foi aprovado o “Regulamento das Missões” renovando o chamado espírito integrador na legislação do Império e reforçando “a completa assimilação dos índios”.
Depois disto, a próxima legislação viria em 1910 com a criação do Serviço de Proteção aos Índios, significando a tutela do Estado republicano sobre os povos indígenas.
Após a criação do Parque Nacional do Xingu, em 1952, por iniciativa do Marechal Rondon e da FUNAI – Fundação Nacional do Índio – em 1967, somente em 1979 viríamos a ter uma estrutura institucional que significaria uma primeira tentativa de defesa da cultura indígena. Trata-se da União das Nações Indígenas que, em meio a tantas contradições e perseguições do período da ditadura militar, deixou algumas sementes para na Constituição Federal de 1988, se tratar da questão indígena na perspectiva republicana.
Este breve histórico não se deu e nem se dá até hoje de forma linear. A resistência e a resiliência dos indígenas, foi e é fundamental na luta por afirmação e defesa de direitos.
O surgimento de instituições, de estudos e pesquisas, de leis sobre os povos e as terras indígenas, seus direitos e suas identidades colocam a questão na ordem do dia. Não no “Dia do Índio”! Mas dentre as urgências de enfrentamento a esse Brasil obscuro ao qual o governo Bolsonaro tenta nos levar.
A população indígena, que no Brasil do ano de 1500 estava na casa de milhões de pessoas,hoje mal ultrapassa aos 300 mil (IBGE/2000). O que o IBGE chama tecnicamente de “despovoamento” na verdade se constituiu em um grande genocídio com apropriação das terras e territórios indígenas.
A Constituição Federal de 1988, restaura no capítulo VIII, artigos 231 e 232, os marcos do reconhecimento da organização social indígena, bem como o direito à terra, que passa a ser demarcada em caráter permanente, com todas as suas riquezas naturais e a sua utilização produtiva.
Mesmo com a proteção constitucional, a saga capitalista não desistiu de avançar sobre os povos indígenas. Hoje, tal qual os colonizadores, invadem terras demarcadas, exploram garimpos ilegalmente, devastam a mata nativa para consumo irregular de madeira, forjam pastos para o agronegócio.
A luta, pois, continua! Notadamente em um governo violador de direitos e desrespeitador da lei.
Levemos esta reflexão nas celebrações e nas mobilizações feitas neste abril de lutas e de resistência dos povos indígenas.
Que as antigas comemorações escolares, aparentemente ingênuas, e restritas ao “dia do índio” possam dar lugar ao estudo crítico e ao reconhecimento da história, da cultura e da participação indígena na configuração étnica brasileira. Faz-se sempre necessário alertar para a implementação da lei nº 11.645/2008, que alterou a LDB – Lei de Diretrizes da Educação – e passou a obrigar o estudo da história e cultura indígena em todas as escolas de ensinos fundamental e médio.
Precisamos superar os (pré) conceitos e noções caricatas que envolvem as populações indígenas e nos debruçar sobre os graves problemas que as afetam até os dias atuais.