Publicado originalmente em Agência Lupa por João Pedro Capobianco. Para acessar, clique aqui.
Circulam, pelas redes sociais, publicações com a alegação de que a campanha Outubro Rosa, em prol da conscientização sobre o câncer de mama, é uma falácia. Postagens virais afirmam que o câncer de mama não existe e que seria, na verdade, apenas uma inflamação crônica. Entre os conteúdos que circulam nas redes, há também alegações de que todos os pacientes de câncer têm desequilíbrio de vitamina D, que o câncer é um “fungo relacionado a parasitas” e que o Outubro Rosa está relacionado a um esquema de lucro do governo. É falso.
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação:
“Câncer de mama não existe (…) Simplesmente o que existe é uma inflamação crônica nas mamas”
– Áudio em publicações nas redes sociais
Falso
É falso que o câncer de mama não existe. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2023 foram registrados 73,6 mil novos casos no Brasil. Trata-se do câncer mais letal entre as mulheres – 11,71 mortes a cada 100 mil casos – e as regiões Sul e Sudeste apresentam as maiores taxas de incidência e de mortalidade no Brasil. O câncer de mama é causado pela multiplicação desordenada de células anormais das mamas, formando um tumor.
Publicações nas redes sociais menosprezam a gravidade da doença e propõem tratamentos alternativos ineficazes. Em caso recente, a médica Lara Almeida publicou, em seu perfil no Instagram, um vídeo em que faz alegações falsas sobre a doença. “Câncer de mama não existe (…). Esqueçam Outubro Rosa, esqueçam mamografia. Mamografia vai causar inflamação nas mamas”, disse, em vídeo publicado em seu perfil no Instagram.
Registrada sem especialidade no Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA), Almeida diz que o câncer de mama é, na verdade, uma inflamação crônica das mamas, como as que se manifestam em outras partes do corpo, como tireoide, rim ou fígado. A médica propõe, como tratamento para a tal inflamação, uma terapia de “modulação hormonal” baseada no “protocolo Marco Botelho”.
O dentista Marco Botelho, de 55 anos, foi preso em fevereiro deste ano por ministrar cursos de reposição hormonal. O Conselho Federal de Odontologia (CFO) proíbe aos profissionais da área a prescrição e a divulgação de terapias hormonais fora da sua área de atuação. Botelho foi preso enquanto dava um curso no Recife (PE) e já havia sido denunciado, em 2019, ao Ministério Público Estadual de São Paulo pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Ele foi solto após pagar R$ 20 mil de fiança.
Em perfil no Instagram, Lana Almeida diz que cuida da saúde da família “através da Medicina Integrativa e Modulação Hormonal Bioidêntico Nano (sic)”. Em 2019, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) emitiu um alerta com a informação de que o Conselho Federal de Medicina (CFM) não reconhece a “modulação hormonal” como especialidade médica. A especialidade que trata de alterações hormonais é a endocrinologia e metabologia. Conforme mostra registro do CFM, a médica Lara Almeida não é especialista na área.
Em nota à Lupa, o mastologista oncológico Marcelo Bello, diretor do Hospital do Câncer III, do Instituto Nacional de Câncer, disse que são falsas as alegações de que baixos níveis de testosterona, estradiol e progesterona seriam causa do câncer de mama. “Na realidade, seria o contrário. Elevados níveis de hormônio podem aumentar o risco de câncer de mama”, afirmou.
Em resposta à postagem de Almeida, o Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa) publicou nota em que “reafirma que o câncer de mama é uma condição de saúde séria e amplamente reconhecida, responsável por um número significativo de mortes entre mulheres”. A nota também diz que “a prevenção e o diagnóstico precoce, especialmente através da mamografia, são estratégias fundamentais e baseadas em evidências para a redução da mortalidade e tratamento mais eficaz da doença”.
O CRM-PA informou, pelo Instagram, que a postagem de Lara Almeida será apurada.
“Mamografia é um dos grandes causadores de problemas mamários”
– Áudio em publicação nas redes sociais
Falso
Nas redes sociais, um dos argumentos usados na tentativa de descredibilizar o Outubro Rosa sustenta que a mamografia – exame realizado no diagnóstico do câncer de mama – “é um dos grandes causadores dos problemas mamários”. Publicações também afirmam que o câncer de mama é, na verdade, uma inflamação crônica.
Em entrevista à Lupa, a psiquiatra e divulgadora científica Elisa Brietzke, professora titular da faculdade de medicina da Queen’s University, no Canadá, que denunciou a desinformação a respeito do câncer de mama nas redes sociais, disse que a mamografia é um dos exames radiológicos com menores doses de radiação, o que a torna inócua.
“A mamografia não causa câncer, isso é desinformação”, afirmou Brietzke. “Esse grupo de pessoas alega que a inflamação crônica, causada por diferentes fatores, seria a causa de uma infinidade de doenças. O que a gente sabe sobre causas do câncer de mama é que se trata de uma combinação de causas de fatores genéticos e de fatores ambientais, especialmente o consumo de álcool, que é algo pouco falado.”
De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) – que reúne profissionais especializados em doenças mamárias – a mamografia é segura e necessária. O ex-presidente da SBM, Vilmar Marques de Oliveira, afirma que a mamografia é “o único [exame] capaz de identificar com precisão possíveis lesões [nas mamas]”.
Diante da recente onda de desinformação sobre o câncer de mama, a SBM emitiu um comunicado à sociedade, em que alerta para o crescente número de notícias falsas sobre tratamento e prevenção à doença.
“Dentre as maiores nulidades observadas, estão as teorias de que a mamografia causa câncer de mama, que o câncer de mama não existe e que é possível prevenir ou tratar o câncer de mama através do uso de hormônios. Infelizmente, somos obrigados a perder tempo e energia para desmentir tais absurdos”, diz trecho do comunicado.
A entidade ressalta que os avanços no tratamento do câncer de mama levaram a uma taxa de cura de 95% se o diagnóstico for feito na fase inicial da doença. Nesses casos, podem ser realizadas cirurgias que preservam a mama e, às vezes, sem necessidade de quimioterapia.
Campanha contra o Outubro Rosa
Entre aqueles que já repercutiram informações enganosas sobre o câncer de mama está Daniél Rocha, que se intitula “naturopata” e criador da “naturopatia desintoxicante”. Ele mantém perfis nas redes sociais, onde divulga a venda de cursos de “naturopatia”.
Conhecido como “The Alkaline Man”, Rocha também mantém sites onde divulga cursos e instruções de jejum e técnicas para desintoxicação. No site “Escola de Desparasitação”, um módulo de curso custa R$ 197. Produtos relacionados a jejum chegam a custar R$ 12 mil.
Uma publicação com alegações falsas sobre o câncer de mama, na voz de Rocha, diz que “o objetivo final do Outubro Rosa é dar lucro”, que a mamografia é “um dos grandes causadores dos problemas mamários” e que “câncer é um fungo relacionado a parasitas”, o que é falso. Um dos vídeos com essas alegações foi publicado no YouTube em setembro de 2021.
A campanha Outubro Rosa foi lançada no início da década de 1990 pela Fundação Susan G. Komen, em Nova York, nos Estados Unidos, no intuito de ampliar a conscientização sobre o câncer de mama, reduzir o estigma associado à doença, dar suporte às pessoas acometidas pelo câncer de mama e suas famílias e discutir as melhores práticas para a diminuição da incidência da doença.
O Inca afirmou, em nota à Lupa, que o câncer de mama é um dos tipos de câncer mais comuns entre mulheres, no Brasil e no mundo, e que diagnósticos e tratamentos precoces contribuem para reduzir a mortalidade pela doença, “assim como são de suma importância os exames de rastreamento, como a mamografia, e campanhas de conscientização como o Outubro Rosa”.
“A desinformação sobre a inexistência do câncer de mama não tem respaldo científico e prejudica a saúde pública, colocando vidas em risco ao desencorajar exames preventivos e tratamentos essenciais”, diz a nota.
A reportagem entrou em contato com a médica Lana Almeida e com Daniél Rocha, mas não obteve nenhum retorno até a publicação da reportagem.