Como blindar crianças e adolescentes da “epidemia de apostas”?

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

As plataformas de apostas e caça-níqueis virtuais têm dominado o debate público nas últimas semanas e uma das facetas mais preocupantes desse problema complexo é a vulnerabilidade de crianças e jovens a esse universo de risco e vício. Ainda que sejam proibidas para menores de idade, isso não tem impedido que muitos deles percam dinheiro nelas, muitas vezes sem o conhecimento e o consentimento dos seus responsáveis.

Seja em casa ou na escola, o cenário é bastante preocupante, e não apenas no Brasil. Estudos internacionais de diversas áreas vêm apontando, na última década, os riscos que as apostas trazem para os jovens. Publicado em 2021 e realizado com apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) da Geórgia, um estudo com mil adolescentes entre 14 e 17 anos mostrou a alta exposição deles a esses sites e aplicativos.

Segundo os dados, 78% dos jovens começaram a jogar a partir dos 12 anos, sendo que 22% adentrou o mundo das apostas antes disso, com 11 anos ou menos. A influência de amigos, conhecidos e familiares nesse processo também aparece na pesquisa: metade dos adolescentes entrevistados jogou pela primeira vez com colegas (51%), enquanto um terço deles teve a companhia de algum parente (32%). Ou seja, o ímpeto para jogar não foi só a possibilidade de ganhar dinheiro, mas de se sentir pertencente a um grupo.

Disponíveis a poucos cliques e a qualquer horário do dia, sem controle rígido de idade ou de identificação, os caça-níqueis e as apostas esportivas estão por toda a parte no universo adolescente: em camisas dos campeonatos de futebol, nas postagens de influenciadores digitais e em anúncios nas mídias sociais. Os elementos atrativos para esse público, que está em pleno desenvolvimento físico e emocional, são muitos, especialmente em ambientes altamente gamificados. Mas as consequências negativas também são inúmeras.

Segundo o You Decide, projeto do governo de Nova York (EUA) destinado a lidar com vícios no estado norte-americano, adolescentes que apostam estão mais propensos a desenvolverem problemas de saúde mental como depressão e ansiedade. Também estão mais vulneráveis ao uso indevido de substâncias ilegais e inapropriadas.

A organização lista uma série de sinais de alerta que as famílias devem observar, tais quais: queda repentina no desempenho escolar; mudanças de comportamento (como vangloriar-se de usar jogos de azar); interesse incomum em resultados esportivos; pedir dinheiro emprestado ou até roubar, entre outros.

Já o Departamento de Saúde Pública do Estado de Massachusetts, também nos EUA, orienta as famílias a estabelecerem regras claras sobre o tempo de tela e o uso de dispositivos eletrônicos, além de considerarem o seu próprio uso de plataformas de apostas e jogos de azar como exemplo. Ademais, os responsáveis também devem observar como os filhos gastam o dinheiro que lhes é dado.

Mesmo sendo considerada por governos e especialistas como uma questão de saúde pública, ainda há pouca informação sobre o impacto da “epidemia de apostas”. Socialmente, ainda não se reconhece o potencial destrutivo do vício de jogos em comparação a outros comportamentos de risco, especialmente entre crianças e jovens.

O esforço conjunto para conter, mesmo que minimamente, essa avalanche que já inunda lares brasileiros com dívidas e sérios efeitos na saúde mental das famílias, precisa ser coletivo. Segundo o relatório do Unicef, “o mais importante é a prevenção primária, ou seja, criar uma situação em que o adolescente não queira se envolver com jogos de azar”. O texto reforça que esse público não tem a dimensão dos riscos associados a apostas e à ludomania e, portanto, criar um ambiente seguro e informativo para eles, familiares e professores é um passo muito importante.

O documento também sugere melhorias nas legislações e fiscalizações referentes a jogos de apostas, com o objetivo de serem mais eficientes no veto a crianças e adolescentes; mais investimento em pesquisas para detectar as consequências desse fenômeno na população infantojuvenil e o reconhecimento social de que o vício em jogos eletrônicos é um transtorno de saúde mental — e deve, portanto, ser tratado como tal.

O desafio é urgente e exige o envolvimento de toda a sociedade, especialmente no que tange à conscientização e à disseminação de informações que previnam e alertem adultos, para que estes orientem e acolham os adolescentes pelos quais são responsáveis.

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