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Política | Com a circulação de fake news e algoritmos moldando a experiência de consumo de informações, pesquisadores reforçam a importância do papel das instituições para um processo eleitoral justo
*Foto: Freepik
Nos anos de eleição, o cenário político nos atropela com uma enxurrada de candidatos, debates, propostas e promessas. Com as mídias digitais, esse contexto torna-se ainda mais intenso: o eleitor se vê imerso em um turbilhão de conteúdos que vão de vídeos rápidos e memes a análises profundas. Esse cenário, embora ofereça a oportunidade de conhecer melhor os candidatos, também gera confusão e polarização. Na palma das nossas mãos, a informação e a desinformação passam a coexistir no que se expressa como uma nova realidade política.
O termo “nova” se justifica ao considerarmos a longa história da política eleitoral, mas, como destaca o professor do departamento de Comunicação da UFRGS Sérgio Trein, a entrada da internet nas campanhas começou em 2002. Apesar disso, a grande transformação ocorreu apenas em 2008, com a eleição de Barack Obama, que utilizou plataformas como o Twitter de maneira inovadora para mobilizar voluntários e engajar o eleitorado.
“Naquela época, a campanha era muito mais proativa. O Obama mapeou diferentes públicos e adaptou suas mensagens para eles”, explica Trein, que tem a publicidade eleitoral como um de seus temas de pesquisa. Essa estratégia não apenas democratizou a participação, como também elevou a expectativa sobre como os candidatos devem se comunicar.
No Brasil, momentos significativos, como as manifestações de 2013 e a eleição de 2018, mostraram o poder das redes sociais na mobilização popular. Trein observa que “a virtualidade ganhou uma realidade”, referindo-se ao fato de que as discussões não se limitam apenas ao ambiente online; elas se manifestam em confrontos e interações nas ruas, nas urnas e no cotidiano dos eleitores.
A ascensão da mídia digital, entretanto, também trouxe grandes desafios. Referência no campo da comunicação e política, a professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRGS Maria Helena Weber aponta as transformações – positivas e negativas – que a mídia digital trouxe para o processo eleitoral no Brasil: “a ampliação do espaço de discussão política, a polarização político-ideológica, a relação pessoal que os cidadãos estabelecem com os políticos e a desqualificação de política e políticos submetidos a dúvidas, mentiras, fake news e bricolagens”.
A referida “bricolagem” é uma ferramenta de manipulação de imagens, textos e/ou informações que distorce a realidade, muitas vezes utilizada em campanhas para desqualificar adversários ou promover ideias de forma enganosa. Conforme a pesquisadora, essas imagens manipuladas e outras ferramentas para propagação de fake news “ocorrem especialmente nas redes privadas, como o WhatsApp. O objetivo é o desmonte de candidaturas adversárias por meio da circulação de autopromoção (muitas vezes mentirosa), dúvidas sobre as promessas do adversário, desqualificação de candidatura e partidos, ataques moralistas e tudo o mais que a criatividade perversa permitir”.
Nesse aspecto, Trein comenta que, na mídia digital, “as mensagens entram de forma muito rápida, especialmente no contexto político, onde a necessidade de entendimento se choca com a pressa das informações”. O professor dá ênfase à “psicologia das massas”, que investiga como o comportamento e as emoções dos indivíduos são influenciados quando estão em grandes grupos. No contexto em questão, “a falta de conhecimento individual pode levar a um comportamento de rebanho, em que as pessoas aceitam informações sem questionar sua veracidade”, sinaliza.
Nessa lógica de rebanho, um dos aspectos mais preocupantes abordados pelo professor é como a polarização, que indica a divisão da população em grupos opostos com base em opiniões e posições políticas, sempre esteve presente no Brasil, mas foi amplificada pela internet. “A polarização não é recente, mas a internet potencializou isso através de algoritmos”, afirma.
Segundo Trein, os algoritmos das redes sociais moldam nossa experiência digital, entregando conteúdos que se alinham a nossos interesses e a nossas crenças. Dessa forma, o algoritmo exibe ao usuário, com base em seus aparentes interesses, uma seleção daquilo que lhe é sugerido.
O pesquisador ressalta que esses algoritmos segmentam usuários com perfis semelhantes, resultando em bolhas de informação que reiteram visões políticas e sociais (como os grupos de WhatsApp mencionados por Weber). Essas bolhas de informação tornam mais difícil o contato com opiniões divergentes: as pessoas se cercam de opiniões que confirmam suas crenças e se afastam de outras perspectivas.
Aliadas aos algoritmos estão as técnicas de persuasão usadas pelos políticos e seus afiliados, algumas destas também já citadas por Weber (a autopromoção, as promessas, as desqualificações dos oponentes, as fake news). Trein explica que “as técnicas de persuasão não são novas; elas foram amplamente utilizadas em eventos históricos significativos, como a Revolução Russa e a propaganda nazista”. Compreender essa abordagem, segundo ele, é essencial para entender como se estabelece a relação entre políticos e sociedade: “a única forma de falar com as massas é através dessas técnicas de persuasão”.
O pesquisador menciona que a simplificação de mensagens, muitas vezes polarizadoras, é uma tática comum. “O nosso lado é sempre bom, o deles é sempre ruim, criando um ambiente no qual a adesão se torna quase uma questão de identidade”, destaca.
“Sem que haja o contraditório, as pessoas que se informam apenas por redes, provavelmente, perderão a capacidade de questionar, tornando-se cada vez mais dependentes da informação dos grupos aos quais se sentem pertencer e, portanto, vulneráveis”
Maria Helena Weber
Atentos a esses danos, tanto Trein quanto Weber enfatizam a urgência de um controle mais rigoroso por parte da justiça eleitoral. “Não se trata de censura, mas de estabelecer limites. É vital garantir que a campanha digital permaneça como um espaço para o diálogo, e não como um campo de batalha”, diz Trein. Já Weber afirma que “a regulamentação das plataformas é absolutamente necessária, pois elas precisam ser tratadas como empresas e responder à responsabilidade legal sobre a informação disseminada,” considerando que “a informação é um produto civilizatório”.
Campanha eleitoral digital: o que é permitido em 2024?
A legislação eleitoral, a cada ano, traz novidades e regras específicas para o uso da internet para a propaganda eleitoral ou partidária. Nas eleições deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) implementou uma nova resolução, divulgada em março, com a intenção, segundo o órgão, de tornar as “regras mais claras”. As mudanças incluem vedações específicas tanto para provedores de conteúdo quanto para candidatos, com foco especial na prevenção da disseminação de desinformação.
A Resolução de n.º 23.732/2024 do TSE autorizou a veiculação da propaganda eleitoral na internet a partir de 16 de agosto deste ano, mas com restrições para proteger a honra e a imagem de candidatos/as e partidos. Na norma consta que provedores de internet devem manter um repositório de anúncios impulsionados, com informações claras sobre conteúdo, valores e públicos-alvo. A propaganda paga foi limitada ao impulsionamento de conteúdos por candidaturas e partidos, vedando a prática de disparos em massa e a veiculação de propaganda negativa, especialmente durante as 48 horas antes e 24 horas após as eleições.
Além disso, a resolução impôs diretrizes rigorosas para o tratamento de dados pessoais sensíveis, requerendo consentimento explícito para a sua utilização em campanhas. Mensagens eletrônicas e instantâneas devem incluir identificação do remetente e permitir que o destinatário opte por não as receber. A norma também determina que a Justiça Eleitoral poderá ordenar a remoção de conteúdos que violem as regras eleitorais, sempre com a menor interferência possível no debate democrático, mantendo a liberdade de expressão como prioridade.
A nova era das campanhas eleitorais
Apesar da digitalização das campanhas, a presença física dos candidatos continua sendo fundamental. “Não existe campanha eleitoral fora da rua. A rua legitima a presença digital. Se um candidato não é visto no espaço público, isso pode gerar desconfiança entre os eleitores”, afirma Sérgio Trein.
Maria Helena Weber também menciona a necessidade de estar nas ruas, ressaltando em complemento a importância da televisão e do rádio, que ela afirma serem indispensáveis. “A imagem, o som e a estética publicitária ainda estabelecem a difusão e o registro público da campanha. Nessas redes, também a mentira e as agressões entre candidatos podem ser controladas.” Ela não deixa de mencionar a atividade do jornalismo voltada às eleições, que se mantém, mesmo adaptada às plataformas.
Dessa forma, a combinação de estratégias digitais com o engajamento físico e televisionado torna-se uma abordagem poderosa para as campanhas eleitorais. A diferença é que nas redes sociais a comunicação política precisa ser rápida e impactante, refletindo a natureza efêmera das interações.
“Hoje, a linguagem da internet exige mensagens curtas e diretas. Isso pode levar à perda de conteúdo e da profundidade nas propostas políticas”
Sergio Trein
O papel dos influenciadores [agora digitais] também se mantém nas campanhas contemporâneas. Segundo Weber, “as campanhas eleitorais sempre contaram com os testemunhais de celebridades e figuras públicas”. A diferença, pontua ela, é que, com as mídias digitais, esses novos influenciadores também se promovem ao assumirem candidatos ou ideias a partir de seus conteúdos.
Nesse sentido, Trein aponta que esses indivíduos podem transferir seu carisma para os candidatos, criando um “contágio psíquico”. “Se você admira uma personalidade, e ela apoia um candidato, é provável que você também se sinta inclinado a apoiá-lo.” Outro aspecto destacado por Weber é que “pela primeira vez na história das democracias, eleitores podem se sentir empoderados, fazendo sua própria campanha em suas redes” – tornando-se, nesse processo, também influenciadores.
Outra diferença das abordagens de publicidade eleitoral em relação a outros espaços é que no virtual a capacidade de monitoramento da reação do público ocorre em tempo real, oferecendo uma vantagem sem precedentes, segundo Trein. “Isso permite correções de rumo nas campanhas”, explica o professor, ressaltando a importância de saber quando e como postar conteúdo. “As métricas ajudam a entender o melhor horário e a frequência para postagens, algo que é impossível no marketing tradicional.” Dentro das tendências emergentes na comunicação política digital, Trein destaca as campanhas patrocinadas, que, com a ajuda dos algoritmos, conseguem alcançar um maior engajamento, atingindo as bolhas eleitorais de interesse.
Outro ponto central das eleições deste ano foi a forma como a política moderna se tornou um espetáculo ainda maior do que antes, em que a performance frequentemente ofusca as propostas concretas. “Hoje a comunicação política e o marketing eleitoral são mais aplicados do que nunca, com candidatos usando a publicidade tradicional para criar uma imagem idealizada de si próprios”, observa ele. Nos debates eleitorais, a forma de se expressar é muitas vezes mais valorizada do que o conteúdo.
Parte dessa responsabilidade foi atribuída por Trein aos partidos políticos na escolha de seus candidatos. O professor questiona a legitimidade de candidatos que, muitas vezes, carecem de experiência política real.
Outro aspecto destacado é a importância de um engajamento político consciente e informado. “A política não deve ser algo chato ou distante; ela impacta nossas vidas diariamente”, afirma. Assim, a mudança começa com a disposição de cada cidadão de se educar e exigir responsabilidade de seus representantes, para que a política seja uma ferramenta de transformação social e não apenas um palco para espetáculos.
No entanto, a responsabilidade não é só individual: esse processo pode ser facilitado por meio de investimentos das instituições públicas em comunicação, a partir de “publicidade e eventos que promovam o debate sobre política e democracia”, conforme menciona Weber. A professora também pontua que as instituições educacionais devem assumir protagonismo, citando como exemplos projetos de extensão desenvolvidos pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação que vão nesse sentido.
Como muitas das necessidades sociais, é urgente um esforço conjunto tanto das instituições como dos eleitores/cidadãos. Embora esse cenário seja complexo e não possa ser modificado do dia para a noite, a compreensão do problema já nos direciona à tomada de decisões mais conscientes; é o primeiro passo rumo à participação ativa do processo democrático e pré-requisito quando se deseja uma sociedade mais justa e equitativa para todos.
Eleições em Porto Alegre: monitoramento eleitoral no TikTok
Nas eleições municipais deste ano, um projeto do Núcleo de Pesquisa sobre América Latina (Nupesal) da UFRGS tem monitorado as dinâmicas de campanhas eleitorais na plataforma TikTok. A iniciativa, promovida em parceria com o Instituto Democracia em Xeque e apoiada pela Fundação Henrich Boll, reúne pesquisadores de diversas regiões do Brasil para analisar a construção de narrativas e o engajamento nas redes sociais durante as eleições.
Os hubs regionais, que formam uma rede de pesquisa, são dedicados a monitorar campanhas de desinformação e de construção de narrativas nocivas sobre eleições e questões climáticas nas plataformas digitais. Nessa primeira edição, o objetivo é identificar a prevalência e a circulação de conteúdos prejudiciais à integridade eleitoral no TikTok, além de observar como as candidaturas utilizam essa plataforma de vídeos curtos. A proposta visa ampliar a capacidade de análise dos fluxos de informação, de forma descentralizada e em sintonia com as realidades tecnológicas e políticas de cada região.
As eleições de 2024 em Porto Alegre ocorrem em um contexto marcado pela polarização política que vem desde 1985, quando a disputa entre forças progressistas e conservadoras se intensificou. Com cinco partidos dominando o cenário – PT, PMDB, PDT, PPS e PSDB –, o Partido dos Trabalhadores governou a cidade de 1989 a 2004, mas desde então nenhum candidato progressista conseguiu êxito eleitoral. Nas eleições de 2016, a disputa no segundo turno ficou entre dois candidatos conservadores, Sebastião Melo e Nelson Marchezan Jr., o que reforçou o domínio da direita na capital, incluindo nas regiões periféricas mais populosas.
Adicionalmente, as eleições deste ano se desenrolam após graves enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul, impactando fortemente a capital. As enchentes atingiram 12% da população, danificaram 46 bairros, 22 unidades de saúde, dois hospitais e 160 escolas, inundando mais de 1.000 quilômetros de vias públicas. Esse cenário tem sido explorado nas campanhas, com narrativas relacionadas à atuação do Governo Federal, Estadual e às responsabilidades da Prefeitura na manutenção do sistema de proteção contra enchentes.
É nesse contexto da capital gaúcha que a equipe do Nupesal da UFRGS tem atuado, sob coordenação da professora do departamento de Ciência Política da Universidade Jennifer Morais e do pesquisador Alexsander Chiodi. Entre 12 de agosto e 25 de setembro, as graduandas em Ciências Sociais Alícia Luiza dos Santos, Graziela Albuquerque, Isabella Zanin e Nanda Carolina da Silveira monitoraram o engajamento de 95 contas relativas a candidatos à prefeitura e à câmara de vereadores no TikTok, além de influencers, mídia e TRE-RS.
Os resultados preliminares relativos ao primeiro turno revelaram um limitado aproveitamento do TikTok por parte dos candidatos à prefeitura, que frequentemente reproduzem conteúdos adaptados de outras mídias. Conforme explica Jennifer Morais, “como os candidatos à prefeitura têm outros espaços de divulgação, como a mídia tradicional, as redes sociais acabam não impactando tanto na decisão do eleitorado, como para candidatos à câmara, que as redes acabam sendo o seu espaço de divulgação”. Em contraste, alguns candidatos a vereador demonstram uma maior habilidade em criar conteúdos originais, explorando as características únicas da plataforma.
Ainda dentro dos resultados dos relatórios de pesquisa, que podem ser consultados no site do Instituto Democracia em Xeque, a campanha eleitoral para prefeito, no geral, não foi “quente”. Ou seja, não houve “um embate mais acalorado de ambos os lados; isto deixou de forma geral o eleitorado desinteressado”, explica a coordenadora do projeto.
“Na Ciência Política, os estudos sobre comportamento eleitoral apontam [esse embate intenso] como uma variável do engajamento eleitoral e do comprometimento dos cidadãos. Com isso, se temos uma eleição sem grandes embates políticos ou sem uma temática muito forte, o eleitorado não se envolve, permanece apático”
Jennifer Morais
A pesquisadora pontua que, embora as enchentes sejam “uma temática muito forte”, esse acontecimento foi explorado com pouca profundidade pelos candidatos, e a apatia do eleitorado por ser percebida com “a ‘vitória’ da abstenção [no primeiro turno], que foi maior que o voto no primeiro colocado”.
Com a conclusão do primeiro turno em Porto Alegre, a equipe do Nupesal dará continuidade ao monitoramento no segundo turno, com foco nos candidatos à prefeitura Sebastião Melo (MDB) e Maria do Rosário (PT). A iniciativa, ao avaliar esse momento decisivo para a política local, oferece, além de insights sobre a evolução das estratégias políticas, um destaque para o papel das novas mídias no processo eleitoral.