Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega e Ana D’ângelo. Para acessar, clique aqui.
A partir desta terça-feira (1º), as bets (empresas de apostas eletrônicas) que não pediram autorização para operar no país terão as atividades suspensas. A suspensão valerá até que a empresa entre com um pedido, e a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda conceda a permissão. A Fazenda divulgou uma lista das empresas que estão aptas a operar.
O cenário dramático do recém divulgado volume financeiro movimentado em apostas eletrônicas no país – R$ 20,8 bilhões mensais – junto do adoecimento mental e endividamento de grande parte da população – estima-se que 1 em cada quatro brasileiros perdeu dinheiro em golpes digitais nos últimos 12 meses – mostrou a urgência de regulação das chamadas bets, mas também da volta da discussão sobre a responsabilização do que circula no ambiente digital. Afinal, qual o papel das plataformas digitais diante dos danos causados pela disseminação das apostas online?
Segundo o professor professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e diretor de Metodologia do Instituto Democracia em Xeque, Marcelo Alves, as empresas têm regras, mas não as cumprem. “Várias das regras de governanças de moderação de conteúdo já impediam esse tipo de anúncio, seja em impulsionamento político ou até mesmo a circulação de conteúdo orgânico de negócios que na prática possam ser considerados ilegais, como é o caso, pelo menos em parte, de cassinos de digital”, pontua o pesquisador.
De fato, a maioria das plataformas digitais traz restrições à divulgação e ao impulsionamento de jogos de azar e casas de apostas, mas a autorregulação não tem se mostrado eficiente. O TikTok, por exemplo, não permite a promoção de jogos de azar, entendidos pela plataforma como “apostar dinheiro (incluindo moedas digitais como bitcoins) ou algo de valor monetário em um evento com resultado incerto para tentar obter um ganho financeiro”.
As plataformas da Meta também possuem restrições para essa promoção, mas apenas em relação à idade, em que jogos de azar, apostas e jogos de cassino têm a visualização restrita para menores de 18 anos, de acordo com as regras da empresa.
O LinkedIn proíbe anúncios de jogos de azar, enquanto o Kwai tem regras que não permitem “baixar, enviar ou transmitir informações confidenciais e informações que violem leis e regulações aplicáveis, incluindo, mas não se limitando a informações que espalhem ou justifiquem jogos de azar”
No entanto, na prática, as regras não são aplicadas, avalia Alves. “Pelos próprios serviços das plataformas já existe hoje um modelo de limitação a esse tipo de anúncio ou de conteúdo orgânico que na prática não é aplicado”, avalia.
Já o YouTube destaca em suas regras que não são permitidos links para sites de jogos de azar on-line ou de apostas esportivas não aprovados.
Na esteira do cerco se fechando para empresas de apostas ilegais, nesta semana, o Google anunciou uma atualização em sua política e, a partir deste mês de outubro, os sites de apostas devem ter registro no Ministério da Fazenda para anunciar em suas plataformas.
“Eu vejo com bons olhos o debate da limitação, da imposição de restrições e no limite e até mesmo a proposta de proibição completa de compras de anúncios, de impulsionamento desse tipo de negócio entendido como problemático e prejudicial para saúde pública”, destaca Alves.
Cerca de 42% dos brasileiros que dizem ter gastado alguma quantia em apostas esportivas ao longo de um mês estavam endividados, apontou pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado divulgada hoje, dia 1 de outubro.
O percentual envolve o número de apostadores com contas atrasadas há mais de três meses. Ao todo, mais de 20 milhões de pessoas com mais de 16 anos admitem ter apostado nas ‘bets’ – o número equivale a 13% da população nesta faixa etária.
Neste contexto, a regulação das plataformas digitais é um caminho importante, argumenta o pesquisador Marcelo Alves. “Essa regulação precisa vir acompanhada de mecanismos de monitoramento, de sanção, de aplicação de multas, porque existem várias formas de construção de impulsionamentos, de mecanismos, de estratégias de impulsionamento e de veiculação de propaganda em favor desses casos de apostas”, destaca Alves pontuando também o papel central de influenciadores na divulgação tanto de casas de apostas como jogos de azar.
Regulação de influenciadores também é necessária
Essa relação tênue entre influenciadores e produtos limítrofes já foi regulada pela França. Em junho de 2023, o país aprovou uma legislação que determina que promoções de jogos de azar só podem ser realizadas em plataformas que limitam o acesso a menores de 18 anos e devem indicar que tais atividades são proibidas para menores de idade.
No Brasil, no começo de agosto, o governo restringiu anúncios com influenciadores promovendo apostas no Brasil, mas as medidas só terão início efetivamente em 2025. Enquanto isso, o cenário de perfis prometendo ganhos fáceis e riqueza através das plataformas é intenso nas redes sociais, com muitos artistas, jogadores de futebol e famosos fazendo anúncios das casas de apostas.
Para a pesquisadora e professora Issaaf Karhawi, a publicidade feita por influenciadores digitais traz um caráter de proximidade com os seguidores, em que a prática das apostas é vendida como algo presente no dia a dia desses influenciadores, o que valida essa atividade. “A gente também não pode perder de vista os casos em que a gente tem publicidade enganosa relacionada aos portais de aposta. Alguns sites mapearam, por exemplo, influenciadores fazendo vídeos de sites de apostas utilizando prints falsos do dinheiro que ganharam e usando às vezes até vídeos falsos mostrando que eles estão ali apostando”, comenta Karhawi.
A pesquisadora, que também é autora do livro “De blogueira a influenciadora”, pontua que, antes de se pensar em uma regulação específica para os influenciadores, é necessário resolver a questão confusa em relação ao que é permitido ou não no país, o que as casas de aposta significam e suas diferenças em relação aos jogos de azar – prática efetivamente proibida no país. Karhawi também destaca que o fenômeno vai muito além dos influenciadores, lembrando que as famosas bets também estão patrocinando times de futebol, a transmissão das Olimpíadas e até comprando nomes de estádios pelo país.
“Eu acho que seria imprescindível pensar a forma de regular a publicidade feita por influenciadores sim, mas acho que antes a gente precisa dar um passo de forma coletiva, como sociedade. É muito triste olhar para os dados mostrando o agravante das apostas no Brasil, mostrando como jovens têm se endividado cada vez mais cedo, têm usado um investimento financeiro que iria para universidade, para aposta. Então acho que isso é muito triste, mas eu acho que é um um esforço conjunto com influenciadores implicados também”, analisa a acadêmica.
Regulação das bets demorou
Desde 2018, as apostas de quota fixa de eventos esportivos são legalizadas por meio da Lei 13.756/2018. Esta legislação determinou a necessidade de regulamentação da atividade num prazo de dois anos prorrogáveis por igual período. Mas esta previsão não foi cumprida no governo de Bolsonaro e somente na atual administração começou o trabalho de regulamentar as apostas do país. A jornalista Flávia Oliveira disse, no podcast Angu de Grilo, que o atraso na regulamentação tornou o fenômeno difícil de ser controlado, bem como seus efeitos na saúde pública.
Em 2023, a Presidência da República enviou uma Medida Provisória ao Congresso Nacional para aprimorar a Lei de 2018. Juntamente com outro projeto de lei que já estava em tramitação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal incluíram entre as apostas de quota fixa legalizadas no Brasil, os chamados jogos on-line. Foi sancionada então a Lei 14.790/2023.
A partir da lei de 2023, o Ministério da Fazenda recebeu a competência de regular o setor de apostas de quota fixa e criou, em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF). Sua prioridade é fazer o setor atuar de forma regulada e controlada. Neste mesmo ano, foram publicadas mais de dez portarias com todas as regras relacionadas às apostas de quota fixa.