A (ir)responsabilidade dos influenciadores na “pandemia” de apostas

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

prisão da influenciadora digital Deolane Bezerra no início do mês fez com que o tema da relação entre essas personalidades das mídias sociais e o mundo das apostas online ganhasse ainda mais projeção no debate público. Com quase 22 milhões de seguidores somente no Instagram, onde mostra uma rotina luxuosa, Deolane é uma das pessoas investigadas na Operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, contra jogos ilegais e lavagem de dinheiro. Ela afirma ser inocente.

O Brasil vive um boom bastante preocupante de plataformas de apostas esportivas e de cassinos online, como o chamado Jogo do Tigrinho, promovidas diariamente em vídeos e fotos de influencers. Relatos de endividamentos expressivos, deterioração da saúde mental, envolvimento de menores de idade e até suicídios de usuários têm sido mais comuns nas redes sociais e em reportagens que se debruçam sobre o problema, que já é classificado pelo governo federal como uma “pandemia”.

Nessa semana, tardiamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a regulamentação do setor “tem a ver com a pandemia que está instalada no País e que nós temos que começar a enfrentar”, referindo-se à dependência psicológica provocada por esses jogos e afirmando que as empresas que não têm autorização para funcionar estarão suspensas a partir do dia 1 de outubro.

Um dos grandes atrativos das plataformas esportivas e dos cassinos online é estar ao alcance de qualquer pessoa: bastam poucos cliques. Não é necessário ir a lugar algum para apostar (e consequentemente perder dinheiro): basta desbloquear seu celular e navegar pelos aplicativos, a qualquer hora do dia.

A isso, somam-se as falsas ideias de que esses jogos seriam apenas entretenimento e de que poderiam funcionar como investimento ou uma fácil (e rápida) maneira de obter dinheiro — combinação extremamente perigosa em um país profundamente desigual como o Brasil.

Tudo isso é mostrado por influenciadores que gravam a si mesmos jogando e apostando e, depois de revelarem seus lucros, ostentam uma vida caríssima, cheia de itens de grifes internacionais, vendendo um cenário que seduz cada vez mais gente. E, claro, escondendo muitas vezes que usam, nesses anúncios, versões dos jogos programadas para mostrar ganhos, o que descumpre as regras para publicidade de bets estabelecidas pelo CONAR (Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária) e em vigor desde janeiro. Entre as principais recomendações do documento, estão a necessidade de identificação clara da natureza publicitária do conteúdo, a apresentação verdadeira do mesmo e a restrição do direcionamento para menores de idade.

Mesmo o tema não sendo novo, afinal apostas esportivas e caça-níqueis não surgiram com a internet, é urgente que sejam criados projetos e campanhas de conscientização sobre os riscos que esse fenômeno traz, especialmente para os mais jovens. O Datafolha mostrou em janeiro que 15% da população afirma apostar ou já ter apostado — entre os que têm entre 16 e 24 anos esse índice sobe para 30%.

Falta-nos justamente a consciência real do impacto que as apostas trazem para a saúde mental e a vida financeira de quem joga. Diferentemente de outros vícios, como o álcool, o jogo não é socialmente visto como algo com um potencial destrutivo e que pode provocar compulsão.

Portanto, em consonância com medidas regulatórias, é necessário mostrar como essas plataformas fazem uso de mecanismos psicológicos para incentivar o uso abusivo. Da mesma forma, influenciadores digitais precisam ser responsabilizados pelo que promovem, uma vez que são peça-chave na viralização da “pandemia” de apostas eletrônicas. Essas figuras têm um grande poder de persuasão e precisam responder pelo que falam e mostram nas redes sociais.

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