Joias do Futuro: crianças da Nova Holanda praticam circo em projeto social

Publicado originalmente em Jornal O Cidadão do Bairro Maré. Para acessar, clique aqui.

Por Carolina Vaz

Foto de capa: Raysa Castro

Na foto de capa, instrutores da esquerda para a direita: Alex Schittine, Elon Souza e Débora Joia.

Muita gente não sabe que a medalhista olímpica da Ginástica Artística Lorrane dos Santos é do estado do Rio, e mais ainda: começou com a prática de circo no projeto Se Essa Rua Fosse Minha, por volta dos 8 anos de idade. Além da Lorrane, o legado do projeto é de vários outros artistas e professores ao redor do mundo, e agora pode se estender à Maré. Dois professores do projeto de origem da Lorrane são hoje instrutores no Instituto de Arte Joias do Futuro, um projeto de Circo realizado na Nova Holanda e idealizado por Elon Souza e Débora Joia.

É na praça da rua Sargento Silva Nunes, no meio da pista de skate, que cerca de 30 crianças e adolescentes entre 7 e 16 anos de idade vêm aprendendo a prática de circo. Lá, eles executam desde os movimentos mais básicos como a “estrelinha” até a pirâmide humana, com pelo menos 3 crianças sustentando umas às outras.

Se tiver medo, vai com medo mesmo, como conta Bárbara de Freitas, de 12 anos: “Difícil pra mim é perna de pau, você tem que tentar se equilibrar que se não você cai. Mas quando você aprende a pegar o costume você consegue andar mais. No começo, quando eu fazia solo, eu não sabia jogar a perna direito, e nem fazer estrelinha, agora eu já sei”. Ela se interessou pelo “Joias” quando ficava só do lado, na pista de skate, vendo as amigas fazerem as atividades, e assim que teve vaga ela chamou a vó para ir fazer a matrícula. Agora, faz cerca de 3 meses que pratica, e ela gosta de ir às três aulas da semana, sem faltar.

Bárbara Freitas, de 12 anos, contou tudo que vem aprendendo com o circo. Foto: Raysa Castro.

“Pra mim o circo é muito bom, que faz você distrair a mente, você consegue aprender mais coisa, ser um artista (…) a gente lancha no final, vai pra passeio, a gente faz um monte de coisa aqui”. – Bárbara Freitas, aluna do projeto
O picadeiro é a praça

Hoje, tendo à disposição alguns tatames, colchonetes e pernas de pau, o Instituto só consegue fazer as aulas na pista de skate da praça, o que expõe as crianças tanto a chuva quanto a intenso calor, entre outros riscos da rua como as operações policiais. Mas não ter, literalmente, um teto, também inviabiliza outras práticas do circo como a lira (um “bambolê” que fica pendurado), o tecido e outras acrobacias do mundo do circo. A turma, até agora de cerca de 30 alunas e alunos, limita-se às práticas de solo, como alongamentos, ponte, pirâmide humana, malabares, monociclo e perna de pau. Mas, segundo o presidente Elon Souza, só faltam os recursos para se conseguir um espaço mais seguro: numa construção perto da praça vão instalar a sede, com um escritório e a estrutura para os exercícios de “aéreo”, contando com, até agora, poucos apoios como a Associação de Moradores da Nova Holanda.

Mesmo assim, com pouca estrutura, o projeto já funciona há um ano: as aulas tiveram início em agosto de 2023, movidas pelo sonho de Elon Souza e Débora Joia de executar um projeto desse na favela de origem do Elon, também artista circense. Eles já haviam fundado outro projeto, o Joias do Amanhã, em Ramos, e este despertou o desejo de levar a mesma oportunidade para as crianças da Maré. “A gente teve a ideia… por que não dentro da comunidade, por que não dentro das nossas raízes?”, ele conta.

A pista de skate, temporariamente, torna-se o picadeiro no Joias do Futuro. Foto: Raysa Castro.

Mesmo porque também na história do Elon foram importantes os projetos sociais. Na juventude, ele praticava capoeira e, com seu professor, começou a treinar acrobacias de solo. Foi assim que recebeu a oportunidade de começar no circo. Há cerca de 40 anos, Elon fez parte de uma das primeiras turmas da Escola Nacional de Circo, escola de referência localizada na Praça da Bandeira. A partir dessa formação, ele viajou o mundo, trabalhou em vários circos na Europa e voltou. Hoje, além do Joias, é professor no Se Essa Rua Fosse Minha.

Um dos alunos do Elon, há 20 anos, foi o Alex Schittine, que começou a prática de circo em Queimados, no mesmo projeto. Hoje, aos 35, ele é um dos 4 instrutores do Instituto Joias do Futuro, onde começou há cerca de 9 meses. Para além dos exercícios de solo já esperados – perna de pau, malabares, pirâmide humana – ele conta que faz questão de começar a aula com uma “dinâmica”, que coloca as alunas e alunos em interação, em aproximação, para formar o grupo da aula. Depois fazem o aquecimento e o alongamento, preparando o corpo para as atividades. Ele reconhece a importância do desenvolvimento na arte circense, superando obstáculos e evoluindo, mas destaca que o Circo Social vai muito além da técnica.

Após a dinâmica para aproximar o grupo, Alex Schittine começa a prática das acrobacias. Foto: Raysa Castro.

“O Circo Social traz essa metodologia que é aproximar as crianças. A gente não está só ‘formando um artista’, a gente trata com eles a educação, o trabalho em dupla, em equipe, o respeito com colega, não é só chegar aqui e fazer uma acrobacia e vai embora”. – Alex Schittine, instrutor do projeto

Quem também reforça esse aspecto é o Elon: “Eles aprendem aqui companheirismo, coletividade. A gente aqui dá muito valor ao coletivo, a um ajudar o outro, e um ajudando o outro a gente consegue alcançar o objetivo maior. (…) A gente quer ensinar a eles também as garantias de direito deles, porque muitas crianças dessas não sabem as garantias de direito, inclusive dentro do âmbito familiar, então eles estão aprendendo isso”. Não é possível fazer uma pirâmide humana com uma pessoa só, e essa consciência de empatia e interdependência entre as pessoas – para um objetivo maior – tem chegado até as casas dessas crianças.

Passeios e outras atividades

A Bárbara nunca entrou num circo. Praticando circo há três meses, ela nunca pisou num circo “de verdade”, e como ela acha que é? “Acho que tem muitos palhaços, acho que é enorme (…) ver o pessoal que sabe fazer mais que a gente”. É para isso também, para conhecer o mundo fora da Maré, que o Joias do Futuro trabalha. A Bárbara ainda não estava, mas eles já foram ao circo do Marcos Frota, sempre tentam ingressos para o Cirque du Soleil, e já fizeram outros passeios como o Show do Topetão, que é um palhaço também, a Quinta da Boa Vista, colônia de férias, teatro e Vila Olímpica. Alguns desses foram “só” para brincar, se divertir, sem ligação com a formação de artista, devido à importância que os idealizadores dão a este acesso.

O espetáculo “Circo do Topetão” é um dos passeios que as crianças já fizeram. Foto: Raysa Castro.
Arrecadação

Na data desta entrevista, as crianças faziam a segunda aula consecutiva após duas semanas de paralisação em virtude das operações policiais. Além do risco de se circular na favela com operação em curso, há sempre a possibilidade de um repentino conflito, o que fragiliza a situação do espaço aberto. Por isso, uma das prioridades do projeto agora é arrecadar recursos para poder se estruturar e se manter num espaço fechado, alugado, além de poder arcar com o uniforme e alimentação das crianças, e a compra de mais equipamentos. O PIX de arrecadação do Joias do Futuro é 50.182.615/0001-54 e mais do projeto pode ser conhecido pelo Instagram.

Apresentações também estão na agenda do grupo. Foto: Raysa Castro.
Serviço

Para uma criança participar, gratuitamente, das aulas de circo, basta comparecer ao local com seu responsável, levando documentos como RG, CPF, comprovante de residência e declaração escolar, pois apenas crianças matriculadas nas escolas podem participar. O projeto acontece às segundas, quartas e sextas das 15h às 17h.

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