A encruzilhada eleitoral venezuelana

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | Miguel Sosa, doutorando em Ciência Política, analisa diferentes cenários para a resolução da nova crise política enfrentada pelo país latino-americano

*Por: Miguel Sosa
*Ilustração: Lilian Maus/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

O conflito político que vem se arrastando na Venezuela nos últimos anos tem novamente um incremento em seus níveis de tensão, diferenciando-se dos cenários no passado recente. Por um lado, o mal-estar acumulado da população após 11 anos de crise econômica, as perdas nos salários, o aumento da pobreza, a deterioração dos serviços públicos, a massificação da migração e o impacto das sanções políticas e econômicas contra o país fazem com que, ante um aprofundamento desses elementos, a instabilidade possa ser catastrófica tanto para a Venezuela como para a região. E, por outro, o governo também neste tempo foi aumentando suas capacidades de controle das instituições e do aparato repressivo do Estado.

Os resultados das eleições presidenciais do 28 de julho, publicados pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral) com 97% dos registros eleitorais apurados, dão a vitória a Nicolás Maduro com 51,95% dos votos (6.408.844 votantes), seguido por Edmundo González com 43,13% (5.326.104 votantes). Essa convocatória contava com 21.321.805 cidadãos aptos a votar, dos quais participaram 12.335.884; ou seja, 59,97% do total.

Se contrastarmos esse dado com a eleição presidencial de 2018, quando a oposição decidiu não participar, a abstenção naquela oportunidade foi de 54%, obtendo Maduro a vitória com 67,8% dos votos, o equivalente a 6,2 milhões de eleitores, representando duzentos mil votos a menos do que atualmente. Vale lembrar que, após essa eleição, ocorreu em 2019 a autoproclamação de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, sem maior transcendência.

Os resultados publicados pelo CNE não têm o reconhecimento da oposição, que, com base em seus registros das mesas eleitorais, atribui a vitória a Edmundo com 67% dos votos, enquanto Maduro teria apenas 37% do total. É importante esclarecer que na Venezuela o voto é eletrônico, sendo gerado um comprovante físico que depois é depositado em uma urna. No final da eleição, essa máquina imprime um registro que é verificado pelos fiscais dos partidos de cada sala eleitoral. Esse registro é corroborado com o número de votos impressos e o correspondente para cada candidato; uma vez que toda a informação é verificada, esta é assinada pelos representantes dos partidos, e cada um fica com uma cópia.

Baseada nesses dados (inclusive com as cópias de seus registros publicadas na internet), a oposição argumenta que suas atas não têm relação com a informação indicada pelo CNE. Por sua vez, o CNE, fora do habitual, tem apresentado demora na divulgação da informação detalhada dos resultados, devido a um suposto hackeamento de seu sistema, sem manifestar ainda se vai publicar os registros para serem verificados e contrastados com a informação da oposição.

Um aspecto não menos importante é que, do número de cidadãos habilitados a votar e que não puderam fazê-lo, a maioria está no exterior (5,5 milhões de pessoas), ficando sem a possibilidade de mudar seu centro de votação no sistema para o país de residência atual devido aos prazos e requisitos impostos pelo CNE.

Desse total, apenas 1,25% pôde exercer seu direito ao voto. Igualmente, caso o resultado oficial possa ser auditado e confirmado, a diferença de votos que dão vantagem ao governo representa só a quarta parte dos cidadãos impossibilitados de votar no exterior e que efetivamente não apoiariam Maduro. A vitória oficialista, portanto, não representa a maioria dos venezuelanos e ainda não goza de legitimidade.

Esse cenário desencadeou uma nova onda de manifestações nas principais cidades do país contra o que consideram ser uma fraude eleitoral. Em resposta, o governo adotou medidas de repressão cada vez mais severas. As forças de segurança, incluindo os grupos parapoliciais conhecidos como colectivos, são mobilizados para dispersar os manifestantes. Organizações de direitos humanos denunciam detenções arbitrárias, invasões domiciliares sem mandado judicial e o sequestro de opositores.

A postura dos países em relação à situação na Venezuela revela um cenário geopolítico complexo. Na região, podemos identificar três blocos distintos: os que apoiam e reconhecem Maduro (Cuba, Nicarágua, Honduras e Bolívia); os que defendem as alegações de fraude (Argentina, Costa Rica, Panamá, Peru, Equador e Uruguai); e os que estão procurando vias de negociação e de esclarecimentos dos resultados (Brasil, Colômbia e México). Exceção para o Chile, que além de ser considerado de esquerda, ocupa uma posição intermédia entre o bloco de países contrários e os negociadores, com maior inclinação pelos primeiros (possivelmente pela pressão interna devido aos mais de meio milhão de migrantes venezuelanos nesse país).

No âmbito global, Rússia, China e Irã formam parte dos países que apoiam Maduro e que têm interesses estratégicos com a Venezuela, em contraposição aos Estados Unidos. Nesse contexto, os BRICS desempenham um papel crucial, oferecendo à Venezuela um salva-vidas contra as sanções comerciais impostas.

Essa diversidade de variáveis e posturas reflete a profundidade da situação na Venezuela e os desafios enfrentados no cenário internacional. A migração em massa de venezuelanos para países vizinhos tem sido um fator adicional de pressão, influenciando significativamente as políticas externas dos países da região.

Os próximos cenários apontam para uma continuidade do governo no poder enquanto se mantiver a coesão dos militares junto aos apoiadores do oficialismo, no que eles chamam de união cívico-militar. A negociação que o bloco de países de esquerda está desenvolvendo é a chance mais visível para garantir a transparência dos resultados, retomar o diálogo e possibilitar uma transição futura do governo. Por outro lado, as táticas da oposição de proclamar outro ganhador sem passar pelas instituições nacionais constituem-se uma opção que não deu frutos no passado; assim como a tentativa de pressionar a saída do governo por meio dos protestos sociais indefinidos, tal como demonstram as guarimbas de 2014 e 2017.

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