Publicado originalmente em *Desinformante por Matheus Soares. Para acessar, clique aqui.
“Muitas vezes, [a desinformação de gênero] parece ser um fenômeno local, mas é uma tendência que se repete a nível global e regional”, afirmou Olivia Sohr, diretora de impacto e novas iniciativas da agência de checagem argentina Chequeado, na abertura do seminário “Desinformação de gênero nas eleições latinoamericanas”, realizado na tarde desta quinta-feira (22).
O evento, promovido pelo Chequeado em parceria com a Equipe Latinoamericana de Justiça e Gênero (ELA), reuniu pesquisadoras, jornalistas e representantes da sociedade civil do Paraguai, México, Guatemala e Argentina para destrinchar as principais estratégias de desinformação e discurso de ódio com foco em gênero no continente latinoamericano.
No Paraguai, que realizou as eleições presidenciais em abril de 2023, 51,3% dos discursos de ódio que circularam durante a corrida eleitoral também tiveram desinformação de gênero, apontou Juliana Quintana, jornalista do portal Surtidor. Além disso, 34,% dos discursos de ódio e desinformação de gênero tiveram como alvo candidatas, tendo os militantes contrários ao aborto como os principais agressores. Mulheres com posições favoráveis aos direitos LGBTQIAP+ também foram alvos frequentes de ataques.
“A desinformação de gênero e o discurso de ódio não só reforçam os estereótipos, mas limitam a liberdade de expressão e tensionam outros direitos, como a participação política das mulheres”, afirmou Juliana.
Mais acima do mapa, o México realizou suas eleições presidenciais, no início de junho, com o diferencial de ter duas mulheres – Xóchitl Gálvez e Claudia Sheinbaum – encabeçando as preferências de votos desde o início da corrida eleitoral. Com destaque no pleito, ambas políticas também receberam grande fluxo de desinformação de gênero.
“As candidatas Claudia Sheinbaum e a Xóchitl Gálvez foram especialmente atacadas com desinformação sobre cuidados com os filhos ou o que eles faziam”, disse Daniela Mendonza, diretora da organização Verificado. “Também [foi tema] a identidade de gênero. Se falou em muitas ocasiões que a candidata Claudia era uma mulher lésbica, o que era desinformação.”
Além do protagonismo feminino, o pleito mexicano também contou com forte participação de candidatos e candidatas indígenas, LGBTQIAP+, migrantes e representantes de outros grupos historicamente marginalizados. “Encontramos uma grande quantidade de conteúdos xenófobos em nosso país com foco em pessoas migrantes que estão em trânsito ou de maneira temporária”, acrescentou Daniela.
Na Argentina, desinformação teve foco nas políticas de gênero
Na ocasião, a integrante do Chequeado, Letícia Smal, compartilhou os resultados de um mapeamento de desinformação de gênero e discurso de ódio que ocorreram durante as eleições argentinas no final do ano passado. De acordo com Smal, os ataques se centraram particularmente para deslegitimar políticas relacionadas com a agenda de gênero.
As campanhas desinformativas no país tiveram como principal foco o Ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade, que tinha como uma das principais frentes de ação a proteção contra violência de gênero. O ministério foi dissolvido pelo governo do ultraliberal Javier Milei.
Questionamentos sobre iniciativas, fundos e financiamentos de programas encabeçados pelo ministério foram levantados nas redes, como falsas narrativas de distribuição de vibradores para a população e de gastos em hormônios para a comunidade transsexual. Informações falsas sobre o programa Educação Sexual Integral (ESI) argentino também surgiram no período eleitoral.
Candidatos e candidatas que apoiaram pautas de gênero também sofreram ataques. “Qualquer candidato ou candidata que se colocava a favor da pauta de gênero, era alvo de desinformação”.
Em relação a ataques a figuras políticas femininas, as principais narrativas buscavam questionar a qualificação e as condições mentais das candidatas, muitas vezes retratando-as como pessoas más. Adjetivos degradantes e termos pejorativos, como “la abortera” (a abortista, em português) foram frequentemente utilizados.
Violência política de gênero já acontece nas eleições brasileiras
No Brasil, que ainda nem completou a primeira semana de campanhas oficiais para as eleições de outubro, o problema da violência de gênero já se faz presente. As deputadas Tábata Amaral (PSB-SP) e Taliria Perone (PSOL-RJ) foram alvos de ataques nos últimos meses. Tábata, que concorre à prefeitura de São Paulo, por exemplo, foi chamada de “adolescente” e “jornalistazinha” pelo também candidato Pablo Marçal no primeiro debate na capital paulista, realizado no último dia 8.
Nesta semana, Vanessa Lopes (União-RN), candidata a prefeita de Assu, município do interior do Rio Grande do Norte, também expôs áudios com mensagens capacitistas – Vanessa é deficiente visual – que circularam em aplicativos de mensagem e que questionavam a sua capacidade profissional.
Instagram ignora denúncia de discurso de ódio contra mulheres
Comentários racistas, com termos sexuais degradantes e ameaças à integridade física de políticas nos Estados Unidos foram alguns dos conteúdos identificados pelo Centro de Combate ao Ódio Digital (CCDH, na sigla em inglês) e que o Instagram deixou circulando livremente, mesmo depois da organização reportá-los para a plataforma.
De acordo com o novo relatório do CCDH, a organização reportou à rede social, ao todo, mil comentários considerados nocivos em dez contas de políticas dos Estados Unidos, incluindo a candidata à presidência Kamala Harris – que já sofre com ondas de desinformação desde que Joe Biden anunciou a desistência da corrida eleitoral. Apesar disso, 93% dos comentários reportados continuaram no ar.
“A falha do Instagram em manter e aplicar suas diretrizes da comunidade significa que a plataforma está falhando com as mulheres e, por extensão, com o desejo da nossa sociedade por igualdade de oportunidades e tratamento para as mulheres”, afirmou Imran Ahmed, diretor-executivo da organização.