Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
Após os ataques ao Capitólio nos Estados Unidos em janeiro de 2021, Donald Trump foi banido do Instagram e do Facebook por tempo indeterminado. Ainda na noite do fatídico 6 de janeiro, o político que acabava de deixar o posto de presidente dos Estados Unidos teve a conta suspensa de forma temporária, evoluindo para o banimento indeterminado no dia seguinte porque, de acordo com a empresa, os riscos de permitir que ele usasse a rede eram “simplesmente grandes demais”. Agora, mais de três anos após a suspensão, Donald Trump foi liberado para usar as suas contas sem nenhuma restrição, o que reacende o debate sobre moderação de conteúdo e interesse público nas redes.
Ainda em janeiro do ano passado, a Meta já havia restabelecido as contas do político, mas com restrições. “Trump está sujeito aos nossos Padrões da Comunidade. À luz de suas violações, ele agora também enfrenta penalidades aumentadas por reincidências — penalidades que se aplicarão a outras figuras públicas cujas contas sejam reinstaladas após suspensões relacionadas à agitação civil sob nosso protocolo atualizado. No caso de Trump publicar conteúdo violador adicional, o conteúdo será removido e ele será suspenso por um período entre um mês e dois anos, dependendo da gravidade da violação”, explicou a empresa na ocasião.
Já no início deste mês, marcado também pela convenção que sagrou Donald Trump como candidato oficial do partido republicano nas eleições de novembro, a Meta anunciou que o político não está mais sujeito às penalidades de suspensão aumentadas, que, de acordo com a empresa, foram “uma resposta a circunstâncias extremas e extraordinárias “. Em um movimento similar, a plataforma de transmissão online Twitch – que pertence ao grupo Amazon – anunciou na semana passada que restabeleceu o canal de Trump, de onde também havia sido banido como consequência da sua participação como incentivador dos ataques de 6 de janeiro.
Ação similar foi realizada por outras plataformas. Em março de 2023, o YouTube restaurou a conta do ex-presidente. Já o Twitter – agora X – realizou esse movimento em novembro de 2022, logo após Elon Musk assumir a plataforma e fazer uma enquete para saber se o político deveria ou não voltar à plataforma.
Como justificativa, a maioria das plataformas argumenta o interesse público e a importância de que os cidadãos se informem sobre o que os candidatos têm a dizer. “Ao avaliar nossa responsabilidade de permitir a expressão política, acreditamos que o povo americano deve poder ouvir os indicados à presidência em igualdade de condições”, disse a Meta no comunicado. A Twitch pontuou que “há valor em ouvir diretamente os indicados presidenciais, quando possível”.
Maria Helena Weber, professora no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRGS e pesquisadora do campo da comunicação pública, comenta sobre o papel central das redes sociais em processos eleitorais e avalia que Trump será beneficiado com essas medidas e tem a controvérsia a seu favor nesse contexto.
“A cada nova eleição, o impacto das plataformas de mídia social vai sendo ampliado, na medida em que as mídias sociais já comprovaram sua eficácia na disseminação de estratégias de polarização, através de algoritmos capazes de empoderar usuários, produzir informação falaciosa e mentir sobre os candidatos. Sofisticados dispositivos estéticos (facilitados pela IA) serão utilizados cada vez mais, devidamente assegurados por vultuosos investimentos profissionais e financeiros”, desenvolve a docente.
Moderação de conteúdo de autoridades
Para Iná Jost, coordenadora de pesquisa do InternetLab, a decisão de restabelecer a conta é considerada “saudável”. A pesquisadora reforça a diferença das restrições ao conteúdo e à conta em si. “Uma coisa é remover conteúdo que desafia as regras da plataforma, as regras da democracia, outra coisa é remover um perfil e manter essa remoção por um longo período porque é um forte cerceamento do discurso”, destaca.
Camila Mont’Alverne, professora e pesquisadora na Universidade de Strathclyde, avalia essas movimentações em um contexto mais amplo em que as plataformas estão tentando se afastar de questões controversas e que tenham a ver com política. “Na interpretação deles, política e notícias são uma parte muito pequena do que as pessoas consomem nessas plataformas, mas, ao meu ver, geram muita visibilidade negativa para as empresas. Então, elas parecem estar caminhando para um modelo de diminuir o alcance deste tipo de conteúdo enquanto procuram evitar ser vistas como alinhadas a certos grupos políticos (o X é uma exceção nisso)”, opina.
A moderação do conteúdo nas plataformas envolve a criação e aplicação das políticas de cada uma delas. Iná Jost considera que as autoridades públicas devem gozar de regras diferentes dentro desses espaços para que as pessoas tenham acesso ao conteúdo produzido por políticos, por exemplo, que é diferenciado. “O pronunciamento de um candidato à presidência não tem o mesmo valor democrático que o de um usuário comum”, exemplifica.
Além disso, Jost acrescenta que, para ela, não há problema em ter regras diferentes que protejam esse tipo de discurso, “o problema é quando essas regras de proteção de discurso desequilibram a disputa eleitoral para favorecer um candidato ou outro”. Mont’Alverne também elenca, analisando a situação, que é problemático que a decisão sobre o que é ou não aceitável fique nas mãos das plataformas, “mas esse é o cenário que temos atualmente”, sinaliza.
“Por outro lado, as plataformas sabem que estão sob escrutínio público, o que dificulta serem lenientes com ataques ao sistema eleitoral, por exemplo. A minha aposta é que elas agirão caso a caso e, caso Trump constantemente force os limites previamente estabelecidos, seja suspenso novamente”, adiciona a professora na Universidade de Strathclyde.
A mesma reflexão sobre o poder das plataformas é feita pela professora Maria Helena Weber, que aponta para a discricionariedade das empresas e pela possibilidade de que elas manipulem os conceitos de liberdade de expressão para justificar a banição ou restauração de contas e atores da política.
“A força econômica das plataformas e suas táticas de disputa por autonomia legal são uma afronta às democracias da maioria dos países, e o Brasil é um exemplo deste confronto. Enquanto não houver algum tipo de regulação, qualquer decisão responderá aos interesses das plataformas e não ao interesse público. Nessa direção, essas organizações poderão banir e restaurar quaisquer tipos de contatos e discursos já que seus algoritmos não parecem se mover em torno (repito) do interesse público”, comenta Weber.
Em contextos eleitorais, analisa Camila Mont’Alverne, as intervenções devem ser cuidadosas e mínimas para evitar impactos significativos e até decisivos para as campanhas. “A ideia de permitir a publicação do conteúdo e depois moderá-lo, em vez de suspender as contas de antemão, parece-me razoável. Ao mesmo tempo, é necessário um protocolo de ações para definir o quanto atores mal intencionados podem usar a cautela em agir em favor deles”, coloca.
O equilíbrio é delicado, pontua a especialista, e não existe um caminho que se aplique para todos os casos. “É importante que haja procedimentos gerais que possam ser seguidos e aplicados de forma justa, mas a ação em si inevitavelmente irá depender de diversos fatores específicos de cada caso”, complementa.