Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Viviane Castanheira e Suianne Souza. Para acessar, clique aqui.
A notícia de que o Brasil havia avançado na imunização infantil e deixado a lista dos 20 piores países neste quesito movimentou as redes digitais do governo, órgãos oficiais e sites de esquerda, nos últimos dias. Além de exaltar o feito, dados divulgados por esses canais dão conta de que essa retomada só começou em 2023, no início do governo Lula. Bereia checou as informações divulgadas nesses veículos.
Imagem: Site Agência Brasil
A Revista Fórum foi um destes veículos. Em 15 de julho, a publicação divulgou em seu site matéria com o título “Efeito Lula: Brasil deixa a lista de países com piores índices de vacinação infantil do mundo”. Ao longo do texto, são apresentados dados sobre o aumento da vacinação infantil no país desde 2023, e atribui o sucesso ao governo do atual presidente Lula. o texto aponta ainda que o país está na contramão da tendência mundial de queda no número de crianças vacinadas.
Imagem: Reprodução do site da Revista Fórum
Avanço real na imunização
A matéria da Fórum cita o documento publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), agência das Nações Unidas responsável por fornecer recursos humanitários e de desenvolvimento a crianças em todo o mundo. O documento comprova a veracidade dos dados divulgados pela revista progressista. Além disso, o site da agência da ONU no Brasil também noticiou o feito brasileiro.
Imagem: Site da Unicef no Brasil
Outros veículos de comunicação também deram destaque ao avanço brasileiro na imunização infantil.
Imagem: Site R7
Imagem: Reprodução do site do Canal Saúde da Fiocruz
Imagem: Reprodução do site da Folha de S. Paulo
Imagem: Reprodução do vídeo do Jornal Hoje/Rede Globo
O relatório, publicado pela WHO/UNICEF Estimates of National Immunization Coverage (WUENIC), aponta que, em 2021, o Brasil ocupava o sétimo lugar na lista dos países com mais crianças não imunizadas no mundo. Enquanto em 2023, o país havia abandonado a lista com avanços em 14 dos 16 imunizantes considerados para o relatório.
“Após anos de queda nas coberturas vacinais infantis, a retomada da imunização no Brasil merece ser comemorada”, ressalta a Chefe de Saúde da Unicef no Brasil Luciana Phebo. Para ela, é fundamental continuar avançando, ainda mais rápido, para encontrar e imunizar as crianças que ainda não receberam as vacinas do PNI. “Esses esforços devem ultrapassar os muros das unidades básicas de saúde e alcançar outros espaços em que crianças e famílias, muitas em situação de vulnerabilidade, estão – incluindo escolas, CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e outros espaços e equipamentos públicos”.
Relação com o governo Lula
O relatório da WUENIC e a publicação nas páginas da Unicef não relacionam a melhora na vacinação diretamente ao governo Lula, como é feito no site Fórum. Contudo, eles destacam que o Brasil surpreendeu ao subir seus números de vacinação após anos em que apresentou alguns dos piores resultados no mundo.
Na plataforma da WUENIC é possível acessar os gráficos sobre vacinação de acordo com o imunizante e o país pesquisado. Em análise sobre o imunizante DTP3, que previne contra a difteria, o tétano e a coqueluche, por exemplo, é possível observar que, entre 2016 e 2022, o Brasil teve os piores indicadores de cobertura vacinal desde os anos 2000. Já em 2023 os números ficam próximos dos níveis de cobertura pré-pandemia.
Imagem: Site da WUENIC
Apesar dos índices de vacinação terem atingido números preocupantes em 2021, o Brasil apresenta queda na cobertura vacinal desde 2016, período de mudança política no País, com o impeachment de Dilma Roussef e a posse do vice, Michel Temer. Matéria publicada no portal da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2022, destaca que a baixa na vacinação infantil fez com que doenças antes erradicadas voltassem para lista de doenças do país em 2018, como o sarampo.
Além disso, o texto publicado pela Fiocruz enfatiza o papel da pandemia de covid-19 na baixa das coberturas vacinais.Segundo a Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, “as recomendações das autoridades sanitárias de distanciamento social e outras medidas não farmacológicas afastaram a população das unidades de saúde para se vacinarem”. Bereia também publicou checagens a este respeito, e demonstrou a ampla propagação de campanhas de desinformação, com mentiras e enganos sobre vacinas, em especial contra a covid-19.
A Unicef também já havia alertado para a queda da cobertura vacinal no País, desde 2015. Segundo dados da Busca Ativa Vacinal (BAV), uma iniciativa da Unicef Brasil para apoiar os municípios na imunização infantil, a cobertura da vacinação contra a poliomielite caiu de 98,3% em 2015 para 76,7% em 2022.
“Movimento Nacional pela Vacinação”
Em nenhuma das plataformas oficiais são encontradas afirmações de que a melhora da cobertura vacinal deve ser atribuída ao governo Lula. Entretanto, ao se analisar os dados disponíveis, fica evidente a relação do atual governo com o sucesso do Plano Nacional de Imunização.
O Ministério da Saúde lançou, em fevereiro de 2023, logo no início do atual governo, o Movimento Nacional pela Vacinação, o projeto tinha como objetivo a retomada das altas coberturas vacinais no país. O programa inclui vacinação contra a covid-19 e outros imunizantes do Calendário Nacional de Vacinação. O governo credita os números positivos a esse programa idealizado pelo Ministério da Saúde.
Imagem: Reprodução do site do Ministério da Saúde
A volta do Zé Gotinha
Símbolo da vacinação no Brasil, o personagem Zé Gotinha surgiu pela primeira vez no fim da década de 80, encabeçando a luta pela erradicação da poliomielite nas Américas. Na época, a doença, provocada pelo poliovírus selvagem, só podia ser prevenida por meio de duas gotinhas aplicadas na boca das crianças. O esquema de vacinação atual, entretanto, vai além da vacina oral e utiliza ainda doses injetáveis para combater a chamada paralisia infantil.
O personagem desapareceu da cena pública, a partir de 2019, por conta do negacionismo e da aversão a vacinas durante o governo passado, mas teve a importância retomada a partir do lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação.
Desde sua criação, Zé Gotinha tem cumprido o papel de tornar a aplicação das vacinas, temidas por muitas crianças, algo lúdico e palatável para este público.
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Bereia classifica a matéria publicada pela Revista Fórum como verdadeira. De acordo com a abordagem do veículo progressista e de outras grandes fontes da imprensa, os dados apresentados pelo relatório da WUENIC identificam a melhora na cobertura vacinal no Brasil, em especial no ano de 2023. O avanço é atribuído ao lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação, programa que marca um novo momento das campanhas pela vacinação infantil, incentivada pelo atual governo.
Contudo, é importante destacar que os relatórios oficiais da UNICEF e do próprio governo federal não atribuem o mérito a esta gestão e resgistram que as taxas de vacinação apresentavam queda significativa desde 2016, início do governo Temer.
Bereia já havia identificado as causas para essa queda na cobertura vacinal em matéria anterior. Um dos problemas é o negacionismo, a descredibilização da eficácia dos imunizantes e a demonização de seus efeitos colaterais, com uso de publicações desinformativas, um fenômeno mundial que também aflige o Brasil e se tornou um desafio para autoridades e pesquisadores das áreas de saúde e comunicação.
Além do trabalho realizado pelo Bereia e outros projetos que integram a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), o próprio Ministério da Saúde realiza um trabalho de combate a descredibilização da eficácia dos imunizantes e de outras informações falsas que circulam nas mídias sociais. O projeto Saúde com Ciência, realizado pelo órgão público, aceita denúncias e realiza um trabalho extensivo de combate a desinformação.
Referências
Unicef. https://www.unicef.org/press-releases/global-childhood-immunization-levels-stalled-2023-leaving-many-without-life-saving. 16 de julho de 2024.
https://www.unicef.org/brazil/busca-ativa-vacinal-bav. 19 de julho de 2024
WUENIC Trends. https://worldhealthorg.shinyapps.io/wuenic-trends/. 16 de julho de 2024
Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2024-07/brasil-deixa-lista-dos-20-paises-com-mais-criancas-nao-vacinadas. 16 de julho de 2024
Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/vacinacao. 16 de julho de 2024.
Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2023/11/03/brasil-tenta-recuperar-cobertura-vacinal-toda-populacao-pode-atualizar-imunizacoes. 16 de julho de 2024.
R7.
https://noticias.r7.com/saude/brasil-deixa-lista-dos-20-paises-com-os-menores-indices-de-vacinacao-infantil-diz-unicef-15072024/. 18 de julho de 2024
Abril. https://saude.abril.com.br/medicina/mais-de-400-mil-criancas-brasileiras-nao-tomaram-vacinas-basicas-em-2022. 18 de julho de 2024
G1. https://g1.globo.com/saude/noticia/2022/07/24/brasil-nao-atinge-metas-da-vacinacao-infantil-e-tem-taxas-abaixo-da-media-mundial-entenda-em-6-graficos.ghtml. 18 de julho de 2024
Uol. https://drauziovarella.uol.com.br/pediatria/brasil-ocupa-segunda-posicao-entre-paises-com-a-pior-taxa-de-vacinacao-em-bebes-da-america-latina/. 18 de julho de 2024
Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/noticia/vacinacao-infantil-sofre-queda-brusca-no-brasil. 18 de julho de 2024
Foto de Capa: José Cruz/Agência Brasil