“Jogo do tigrinho” e a irresponsabilidade dos influenciadores digitais

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

Mesmo quem nunca ouviu falar do “jogo do tigrinho”, apelido abrasileirado do Fortune Tiger, provavelmente recebeu uma notificação estranha no Instagram nas últimas semanas. Uma infinidade de bots e perfis falsos divulgando o jogo invadiu as redes sociais de muita gente com promessas de dinheiro fácil. Mas, além dos robôs, influenciadores também vêm promovendo o game, que se parece com um caça-níquel virtual, em vídeos que mostram a multiplicação de ganhos de milhares de reais em segundos. A versão utilizada nessas postagens, porém, não era de uma partida real do jogo, mas sim uma demonstração simulada.

Uma operação da Polícia Civil de Alagoas prendeu nesta semana um casal de influenciadores suspeitos de utilizar esses links demonstrativos, em que os valores obtidos eram irreais, para iludir e estimular seguidores a apostarem no “jogo do tigrinho”. Ambos viviam uma vida extremamente luxuosa, com carros e joias que eram ostentados cotidianamente em seus perfis como conquistas das apostas bem-sucedidas.

Apesar de ser o mais recente, esse não é o único caso do tipo: há investigações contra influenciadores digitais no Estado de São Paulo e, no ano passado, três homens foram presos na região de Curitiba (PR) por suspeita de fraudes relacionadas ao Fortune Tiger.

Entre os argumentos da defesa dos divulgadores do jogo está a afirmação de que eles não podem ser penalizados pelos atos (e consequentes prejuízos) de quem os acompanha. Afinal, nenhum deles obrigou ninguém a apostar na plataforma e a perder centenas de milhares de reais, arruinando suas vidas financeiras e contraindo dívidas, como uma das pessoas entrevistadas pelo Fantástico no último domingo, 23 de junho.

Mas, além de poderem responder judicialmente por propaganda enganosa, crime contra as relações de consumo e estelionato, entre outras condutas, é importante destacar a ideia de que somos, sim, responsáveis por aquilo que falamos e publicamos nas mídias sociais, sejam produtos, serviços ou ideias. E especialmente se somos seguidos por milhares ou milhões de pessoas.

A instantaneidade que permeia as redes sociais muitas vezes não nos permite a mínima reflexão ao decidirmos acompanhar alguém que não seja um familiar, um amigo ou colega. Mas a complexificação dos tipos de desinformação e dos potenciais golpes financeiros dos quais podemos ser vítimas exige que sejamos mais críticos e conscientes antes de apertarmos o botão “seguir” no Instagram, no X ou em qualquer plataforma.

Em tempos de inteligência artificial, em que a sofisticação dos conteúdos fraudulentos altera a nossa percepção da realidade, é necessário desenvolver um ceticismo perene em relação a quem nos apresenta soluções fáceis para problemas complexos, a quem vive de exibir sua vida e seus bens materiais nas redes e a quem promete mundos e fundos em vídeos de um minuto. Afinal, nós não conhecemos essas pessoas.

Não é porque elas aparentemente exibem sua intimidade, sua casa e suas compras que podemos considerá-las confiáveis. É preciso questionar: esse influenciador que eu acompanho tem alguma formação para dar essas dicas financeiras ou estéticas, por exemplo? Se sim, qual? Se for alguém da área de saúde, eu consigo encontrar o registro profissional? Ele vende algum produto ou serviço? A empresa tem CNPJ? Pesquisei em outros sites para saber se há reclamações ou denúncias sobre ela?

No fundo, não sabemos quase nada sobre essas personalidades cujos conteúdos são sua própria vida. Não se trata de forma alguma de culpabilizar as vítimas de golpes como os do “jogo do tigrinho”, mas de criarmos senso crítico para nos protegermos de quem usurpa a confiança alheia — mesmo porque casos como esse não foram os primeiros, e certamente não serão os últimos, em que vemos comportamentos levianos e oportunistas de quem conquistou fama na internet.

Também não se trata de demonizar todas as pessoas que produzem e compartilham informações nas redes — há diversos influenciadores e criadores de conteúdo com quem é possível aprender ou entreter-se de maneira saudável. Trata-se, enfim, de tentar tirar o melhor desse contexto de hiperinformação em que vivemos, filtrando o que vale a pena e eliminando riscos e perdas. 

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