Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
*Crédito da foto: Alice Vergueiro
O jornalismo ainda está distante da educação midiática e deveria contribuir mais. A afirmação é da presidente do Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), a jornalista Renata Cafardo. “Eu sempre digo que a educação mediática vai salvar o jornalismo, ou pode salvar o jornalismo, por meio dessa compreensão da importância, da relevância, da forma de se fazer jornalismo, do que é jornalismo e da diferença do jornalismo com relação a informações que chegam via WhatsApp”, diz ela em entrevista exclusiva ao Instituto Palavra Aberta. Renata também fala um pouco sobre os planos da nova direção da Jeduca, para o biênio 2024-2026. Formação de profissionais, liberdade de imprensa, educação midiática e inteligência artificial são prioridades. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Instituto Palavra Aberta – O que é o jornalismo de educação e como está estabelecido no país?
Renata Cafardo – O Jornalismo de Educação, como ele está estabelecido, é um jornalismo focado na educação. Cresceu muito nos últimos 20 anos no país, e eu acompanhei isso – estou há 24 anos no Jornalismo de Educação. Mais no fim dos anos 90 e nos anos 2000 ele era muito mais focado em, por exemplo, matérias sobre aumento de mensalidade escolar ou greve de professores. Pouco se discutia a política pública educacional no país. Com o advento das avaliações que começaram a surgir e, também, das pesquisas e estudos que mostraram evidências com relação às políticas de educação educacionais – que funciona, o que, de verdade, traz um ganho de aprendizagem para os alunos –, tanto lá fora quanto no Brasil, as matérias de educação começaram a ser mais fáceis de serem compreendidas pelo público e também mais interessantes do ponto de vista jornalístico. A educação começou a chegar às manchetes, nos jornais, com esses índices como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mostram a avaliação do ensino. Por mais questionamentos que se tem de uma educação voltada para essas avaliações, elas trouxeram um olhar diferente do jornalismo para a educação que não existia até então, e isso só foi crescendo no Brasil e no mundo. Hoje continuamos a não ter muitos especialistas só em educação no país, mas muita gente que faz educação ocasionalmente e uma área de mais interesse no jornalismo do que era há 20 anos. Percebemos isso na Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), muitos estudantes que fazem suas monografias de fim de curso sobre educação, que já estão na faculdade pensando em ser jornalista de educação, o que era impensável em alguns anos, quando só se falava em economia, política, cultura e esporte como áreas de interesse. Mas mesmo assim ainda não temos disciplina de jornalismo de educação nas faculdades e, por isso, fazemos muita formação pela Jeduca.
Instituto Palavra Aberta – O jornalismo ainda não está muito distante da educação midiática? Como aproximar mais essas atividades?
Renata Cafardo – Eu acho que o jornalismo ainda está distante da educação midiática. Deveria contribuir mais. Eu sempre digo que a educação mediática vai salvar o jornalismo, ou pode salvar o jornalismo, por meio dessa compreensão da importância, da relevância, da forma de se fazer jornalismo, do que é jornalismo e da diferença do jornalismo com relação a informações que chegam via WhatsApp, que vêm por pessoas que não são profissionais da comunicação e da informação, e qual é a diferença do trabalho jornalístico em relação a essas informações. Isso é crucial para que haja uma valorização do jornalismo no Brasil e no mundo, e para que ele continue existindo. Só quando essas pessoas entenderem a diferença entre a ética, as regras que estão ali impostas ao profissional do jornalismo, que é diferente de pessoas que estão passando informações sem nenhum rigor, elas podem voltar a valorizar a informação jornalística. Então, eu acho que os profissionais do jornalismo tinham que ajudar nessa educação das pessoas, de maneira geral, para o que é o jornalismo seja parte importante da educação midiática que pode ser feita tanto com crianças e jovens, como muitas vezes também com as pessoas mais idosas, que às vezes acabam consumindo essas informações sem nenhuma checagem, sem fontes confiáveis, porque não entendem a diferença com relação ao jornalismo. Eu acho que os veículos podiam se engajar mais, os jornalistas como profissionais, para explicar para a população como o jornalismo é feito, como ele é financiado, quais são as suas regras. Por que as assinaturas, por exemplo, são necessárias para manter o veículo. Educar mesmo a população midiaticamente para que haja essa valorização do jornalismo.
Instituto Palavra Aberta – Temos eleições neste ano e há risco de contaminação por desinformação. Como o jornalismo de educação pode contribuir no combate às fake news?
Renata Cafardo – No combate ao fake news nas eleições, especificamente com relação ao Jornalismo de Educação, os jornalistas têm de buscar informações confiáveis da área de educação, das prefeituras, dos municípios, trazerem matérias claras e objetivas com relação ao que tem acontecido na área de educação dos municípios, com dados, com informações bem checadas. A educação em geral entra nessa eleição mais especificamente com relação às creches e à educação infantil de maneira geral. São matérias dessas áreas que acabam aparecendo e contribuindo para as informações nas eleições, então é possível o jornalismo contribuir com matérias dessas áreas para que depois, nas eleições, não venha aquelas informações de fila da creche, por exemplo, que aparece muito em eleição, sem que tenha como checar essas informações. Se matérias forem feitas a respeito desses temas, que são temas que aparecem, às vezes fortes nas eleições, facilita para que o cidadão consiga, de fato, achar uma fonte confiável e entender se aquela informação que está aparecendo ali é verdadeira ou não com relação à creche, pré-escola, vaga na creche etc.
Instituto Palavra Aberta – Quais são os objetivos da nova diretoria da Jeduca para o biênio 2024-2026?
Renata Cafardo – A educação midiática com certeza é um dos temas. No nosso novo biênio, que começou agora, queremos fortalecer parcerias e fortalecer projetos nesse sentido. A liberdade da imprensa também está entre os nossos focos, que já veio da outra da gestão anterior, mas é algo que a temos fortalecido. Estamos também em grupos de defesa da liberdade da imprensa. E a formação dos jornalistas de educação, que eu acho que é o nosso principal foco. Teremos nosso congresso agora em setembro, em que vamos falar muito sobre os impactos na educação da crise climática, com foco no que aconteceu no Rio Grande do Sul e outros eventos mundiais. Também vamos falar bastante de inteligência artificial. Vamos ter ainda uma mesa de educação midiática, até relacionando com a crise climática, que é um dos focos de desinformação. Então, nosso objetivo é sempre continuar formando mais e melhor os jornalistas que cobrem educação todo dia ou eventualmente para que as matérias tenham mais qualidade e isso ajude a contribuir também para melhorar a qualidade da educação no país. Quanto mais discutirmos educação com qualidade na imprensa, mais o cidadão consegue cobrar os governantes, as autoridades, por uma educação de qualidade.
Instituto Palavra Aberta – Como você vê o atual estágio da educação midiática no Brasil?
Renata Cafardo – Acho que vocês aí do Palavra Aberta sabem melhor do que eu. Mas acho que ainda é muito incipiente realmente, temos muito a percorrer. É um caminho que está começando nas escolas, e deveria estar avançado realmente porque é urgente. Neste atual cenário que estamos, de proliferação das informações pelas redes sociais e pelas várias formas de divulgação, essa educação midiática é urgente para todas as idades. Mas acho que ainda é muito incipiente no Brasil e que precisa aparecer mais forte nas escolas. Já está na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), mas ela precisa estar mais forte nos currículos das escolas, estar presente em todas as disciplinas de alguma forma. Ou entrar fortemente, às vezes, com uma disciplina a mais. Não pode ser um projeto que aparece de vez em quando numa série. Eu acho que tem que estar em todas as séries, tem que ser algo constante. Haja vista esse envolvimento que os jovens e as crianças, especialmente, têm com celulares, com todas as mídias, a educação midiática tem que acompanhar esse crescimento das crianças que está próxima das tecnologias. E também chegar aos adultos, às pessoas que já foram formadas em outras épocas. Eu não sei se definir em que estágio está exatamente, mas eu diria que ainda é muito incipiente perto do precisamos.