Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.
Por André Furtado|Foto: Alexandre de Moraes
Produto milenar, consumido em inúmeros países e utilizado em diversas comemorações, o vinho é uma das bebidas alcoólicas mais famosas do mundo. De acordo com dados da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), o brasileiro consome, em média, cerca de dois litros da bebida por ano, número que tende a crescer, principalmente pela popularização e barateamento da bebida.
Quando caem os preços, um alerta vem à tona: a fraude em produtos alimentícios. Um levantamento feito em 2023 pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) apontou que o vinho está entre os cinco produtos mais fraudados do país, o que representa riscos à saúde, pois os componentes adicionados, muitas vezes, são imperceptíveis. Dessa maneira, buscando garantir a segurança de consumidores, a professora Luiza de Marilac Pantoja Ferreira desenvolveu um sensor nanoestruturado, com base em buckypaper, capaz de identificar alterações em bebidas etílicas.
O buckypaper é um material fino e flexível, semelhante a uma folha de papel, composto de emaranhados nanotubos de carbono que lhe garante uma alta resistência, superior à do aço. “A versatilidade dos filmes buckypapers reside na facilidade de sua preparação e manuseio. Em geral, eles são produzidos por meio de filtração a vácuo de uma solução de nanotubos de carbono, método que permite o controle de diversos parâmetros durante o processamento, originando filmes com espessura e formatos distintos”, explica a professora.
A pesquisa intitulada Desenvolvimento de “Língua Eletrônica” nanoestruturada baseada em buckypaper e seu uso para autenticação de bebidas etílicas teve como objetivo principal produzir, testar e observar se um elemento sensor era capaz de emitir um sinal resposta ao ser exposto a um estímulo químico, que, nesse caso, seria a amostra de vinho. “A ideia da pesquisa surgiu durante o pós-doutorado de um dos meus orientadores, o professor Marcos Reis, na Universidade do Porto, em Portugal. Como o grupo de pesquisa do qual participo já vinha trabalhando com filmes buckypapers, surgiu, então, a ideia de testá-los na análise de soluções líquidas, nesse caso, bebidas etílicas como o vinho”, detalha a pesquisadora.
Vinho de açaí deu toque regional ao experimento
E quando se fala em vinho, a região do Vale do Douro, em Portugal, é uma das mais lembradas. Com paisagem reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, a região é um bom exemplo de equilíbrio entre economia e meio ambiente, além de produzir uma das bebidas mais cobiçadas pelas adegas: o vinho do Porto.
Devido à popularidade relacionada à prevenção de doenças, sobretudo as cardiovasculares, o vinho do Porto foi escolhido para análise na dissertação. Contudo, Luiza Ferreira queria que sua pesquisa abrangesse a região amazônica, sendo assim, ela acrescentou ao estudo uma bebida feita à base de açaí. “A ideia de testar o ‘vinho de açaí’ veio da necessidade de adequação do projeto de pesquisa ao nosso mercado. O ‘vinho de açaí’ é uma bebida de fabricação artesanal que contém 12% de teor alcoólico. Ela é produzida com a fermentação da polpa do açaí, em um processo de vinificação semelhante ao das uvas, porém, usando etapas químico-laboratoriais. O resultado é uma solução com coloração e sabor adocicado, semelhante ao vinho tinto, por isso recebe a denominação de ‘vinho’ pelos fabricantes”, explica Luiza Ferreira.
A metodologia da pesquisa envolveu análises durante a produção, os testes de utilidade e a eficácia do sensor. “Preparamos dois filmes buckypapers utilizando nanomateriais, em seguida executamos a montagem de amostras com o elemento sensor. Essas amostras foram expostas às bebidas (não adulteradas e adulteradas intencionalmente com água destilada e álcool etílico) e os testes realizados em temperatura ambiente. Os resultados (resposta, tempos de resposta e recuperação) obtidos foram tratados pela técnica de Análise de Componentes Principais (PCA), no intuito de verificar os padrões de similaridades e diferenças nos dados”, conta a pesquisadora.
Resultados satisfatórios geram pedido de patente
Os resultados do trabalho foram satisfatórios e o sensor preparado com buckypaper foi capaz de fazer a distinção entre as bebidas com e sem adulteração. Com base nisso, Luiza Ferreira e os seus orientadores, os professores Newton Martins Barbosa Neto e Marcos Allan Leite dos Reis, entraram com um pedido de patente e já fazem planos para o futuro: querem utilizar o produto fruto da dissertação para desenvolver um protótipo de “língua eletrônica”, um sensor químico para análise de soluções líquidas.
“A ideia final é que a ‘língua eletrônica’ emita o resultado de uma análise em tempo real por meio de um aplicativo de celular e seja utilizada por qualquer pessoa: um consumidor que necessita testar a autenticidade das informações contidas em um rótulo de vinho; um funcionário de uma indústria testando a produção da bebida durante todas as etapas até o engarrafamento; um técnico especialista em fraudes, o qual poderá executar as análises in situ, sem necessitar coletar amostras para análise em laboratório”, finaliza Luiza Ferreira.
Sobre a pesquisa: A dissertação Desenvolvimento de “Língua Eletrônica” nanoestruturada baseada em buckypaper e seu uso para autenticação de bebidas etílicas foi defendida por Luiza de Marilac Pantoja Ferreira em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais (PPGCEM), da UFPA, Campus Ananindeua. CVLattes http://lattes.cnpq.br/5824903231790993 Orientação: professores Newton Martins Barbosa Neto e Marcos Allan Leite dos Reis.
Beira do Rio edição 170