Site gospel engana sobre ataque a vereador autor de lei que restringe “ensino de gênero”

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Camila Duarte e Leonardo Nogueira. Para acessar, clique aqui.

* Matéria atualizada em 08/05/2024 para ajuste de texto

O portal de notícias Pleno.News publicou, em 29 de abril, matéria apontando que o  vereador Anderson Campos (Republicanos), da cidade de Nilópolis, no Rio de Janeiro, teria sofrido supostos ataques por ter criado uma lei  “que restringe o ensino de assuntos relacionados a gênero em escolas públicas e privadas do município da Baixada Fluminense”.

Ao afirmar que o parlamentar foi alvo de ataques, o texto cita o trecho de uma nota emitida pelo Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe), avaliada como  um ataque à lei e ao vereador. 

Bereia verificou a íntegra da nota citada na matéria do Pleno.News e sua repercussão nas mídias sociais.

Imagem: Reprodução / Pleno News

O que diz a lei que quer restringir “ensino de gênero” nas escolas

Promulgada em 9 de abril de 2024, a Lei Ordinária nº 6.813, de autoria de Campos, tem como objetivo “assegurar a pais e responsáveis o direito de vedarem a participação de seus filhos em atividades pedagógicas no âmbito do município Nilópolis”.

A norma também obriga as instituições de ensino do município a informarem os pais sobre quaisquer “atividades pedagógicas de gênero” que possam ser realizadas no ambiente escolar, e define as práticas como “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual, igualdade de gênero e outros assuntos similares”. 

Dessa forma, a participação dos alunos ficaria condicionada à prévia autorização dos pais, que devem encaminhar à escola um documento assinado que informe se concordam ou não com a atividade promovida. 

A proposta de Campos prevê, ainda, que as instituições de ensino recebam advertência, multa, suspensão de atividade e até mesmo cassação da autorização de funcionamento se houver descumprimento da lei. Em caso de reincidência, escolas podem ter que pagar de R$ 1 mil a R$ 10 mil por aluno que tenha participado de atividades não aprovadas pelo responsável.

Referência da imagem: Reprodução / Boletim Oficial da Câmara Municipal de Nilópolis

Para entender os impactos da lei na rotina do ambiente escolar, datas comemorativas, como o Dia Internacional da Mulher, podem exigir que as instituições de ensino precisem de autorização dos pais para atividades no dia a dia dos alunos. Isso porque o 8 de março, por exemplo, é marcado pela memória das conquistas femininas na história e pela luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que pode ser entendido como a noção de igualdade de gênero, tal como citada na lei.

A norma foi promulgada pelo presidente da Câmara de Nilópolis, vereador Zé Ribeiro (PL), após o prefeito do município, Abraãnzinho, da mesma legenda que o parlamentar, não ter sancionado e nem vetado a proposta em 15 dias – tempo que o chefe do executivo da cidade tem para a decisão, de acordo com a Lei Orgânica do Município, antes de que ela se dê por sancionada automaticamente. 

Quem é o vereador Anderson Campos 

Campos, 26 anos, é vice-presidente da Câmara de Vereadores de Nilópolis e se apresenta como um líder de jovens apaixonados por Jesus. É vinculado à Igreja Assembleia de Deus Wallace Paes Leme, e foi eleito em 2020 com 1.486 votos. Em 2022, o parlamentar foi candidato a deputado estadual no Rio de Janeiro, pelo Republicanos, com um total de 9.249 votos, número que não foi suficiente para ser eleito.

O vereador ganhou as páginas dos jornais ao ser processado pela apresentadora Xuxa Meneghel, em 2021, após se referir a ela como “assediadora de menores”, em postagens no seu perfil do Instagram. Ao perder a ação por calúnia, injúria e difamação, o vereador teve que apagar o conteúdo ofensivo e publicar pedidos de desculpas.

Nota do SEPE e repercussão

nota do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) em Nilópolis, citada na matéria do Pleno News, foi divulgada pela unidade regional do sindicato em Nilópolis (portanto,não é o parecer da direção estadual) e repudiou a aprovação da Lei 6.813 pela Câmara Municipal.

Publicada na página da organização no Facebook, a única menção do texto ao vereador Anderson Campos diz que ele é “conhecido por seu alinhamento com a extrema direita bolsonarista, tenta impor a ideologia do seu campo política através da coação e da ameaça com multa e fechamento de escolas, caso estas se recusem a cumprir uma lei inconstitucional”. 

O posicionamento da regional do sindicato ainda citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2020, que declarou ser inconstitucional a Lei 1.516/2015, do Município de Novo Gama (GO), que tinha como objetivo proibir a utilização, em escolas públicas municipais, de material didático que contenha o que chama de “ideologia de gênero”. Bereia já produziu matéria sobre este e outros casos.

nota da unidade regional do Sepe faz críticas ao conteúdo da lei e ao vereador, mas elas são restritas ao âmbito de sua atuação política:

“A lei 6.813 de 09 de abril de 2024, é um retrocesso na luta dos direitos civis contra o machismo e a Lgbtfobia (ódio contra lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais). O Brasil, segundo a ONU, é um dos países mais violentos contra mulheres, lésbicas, gays e transexuais, sendo estes as principais vítimas de homicídio, junto com a população negra, no país. Em defesa da constituição e dos direitos de todos a vida, o Sepe – Nilópolis tomará ações contra a lei do machismo e da  Lgbtfobia aprovada pela Câmara Municipal de Nilópolis”, concluiu o sindicato.

Os comentários na postagem do sindicato carregam o mesmo tom de crítica da nota e não citam o vereador, nem manifestam qualquer hostilidade ao autor da lei. Nas publicações de Campos no Instagram, Twitter e Facebook também não se encontram comentários em tom de ataque a ele, e prevalece a participação de seus apoiadores.

Vereador alinhado à extrema-direita 

O alinhamento com pautas defendidas pela extrema direita e a proximidade com os membros da família Bolsonaro são ostentados com orgulho nos perfis de Campos nas mídias sociais, e o mesmo se declara com um “vereador bolsonarista”.

Em fevereiro deste ano, Campos deu a honraria de cidadão honorário de Nilópolis ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O vereador decidiu entregar pessoalmente o título na casa do capitão reformado do Exército.

Imagem: reprodução do Facebook

Imagens: Reprodução / Instagram

Após a publicação do portal Pleno News, perfis no Instagram repercutiram a informação de que o parlamentar estava sendo alvo de ataques pela criação da lei 6.813/2024, sem informar que tipo de ataques.

Imagens: Reprodução / Instagram

Bereia entrou em contato com a assessoria de imprensa do parlamentar, mas até o fechamento deste texto não recebeu resposta. 

***

Bereia classifica como enganosa a notícia publicada pelo site gospel Pleno News, de que o vereador Anderson Campos (Republicanos) tem sido atacado por seu trabalho na Câmara de Nilópolis. A aprovação da lei e a crítica emitida pelo núcleo regional do Sepe são verdadeiras, mas a apresentação dos fatos é feita para confundir e gerar a narrativa de perseguição contra o parlamentar. A matéria do Pleno News, em nenhum trecho, demonstra conteúdo que possa ser classificado como ataque. Apenas cita trechos da nota da unidade municipal do Sepe.

Como Bereia verificou, a nota da unidade municipal do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro, tem teor e argumentos que desaprovam a lei proposta por Anderson Campos, porém não apresenta palavras que possam ser classificadas como violentas ou de “ataque”. Bereia também não identificou textos ou imagens em forma de ataque nas mídias sociais do parlamentar nem nas do Sepe. Figuras públicas, como um vereador, estão sujeitas a manifestações, também públicas, de opiniões críticas à sua atuação. 

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a estratégia de publicação de conteúdo enganoso sobre “ataques”, especialmente em período eleitoral, como forma de campanha baseada no pânico da perseguição religiosa a cristãos, algo inexistente no Brasil, como já verificado em várias matérias. 

Referências da checagem:

Diário Oficial da Câmara Municipal de Nilópolis: https://vozdosmunicipios.com.br/wp-content/atos-oficiais/2024/Abril/26-04-2024/camara3549.pdf Acesso em: 5 mai 2024

Metrópoles: https://www.metropoles.com/brasil/vereador-tera-que-apagar-post-sobre-xuxa-ser-assediadora-de-menores Acesso em 5 mai 2024

Perfil do vereador Anderson Campos: 

https://www.instagram.com/andersoncamposbr/

https://www.instagram.com/p/C6XtKjwrL1j/?igsh=Y3V5c3YxOTFyaDA%3D https://www.instagram.com/p/C6Z3VwQAe08/  Acesso em 5 mai 2024

Núcleo nilopolitano do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe): https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=pfbid07MppVZx5Y4EHAvTmK52WbT3Ad6pkhHXYCtagXJLZtKDU7ZG4StGFnRMFKLEsHrYgl&id=61557291435048 Acesso em 5 mai 2024
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442331&ori=1  Acesso em 5 mai 2024

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Foto de capa: YouTube

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