Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Thaila Vitória e Pedro Vasconcellos. Para acessar, clique aqui.
Viralizou, nos últimos dias de abril, a notícia de que a cantora e pastora da Igreja Batista da Lagoinha Ana Paula Valadão, 47 anos, foi condenada a pagar multa de R$ 25 mil por danos morais coletivos, por ter proferido um discurso de caráter homofóbico e contra pessoas que convivem com o vírus HIV, durante o Congresso Diante do Trono, promovido pela Igreja Batista da Lagoinha, em 2016. A transmissão do vídeo, pela internet e pelo canal de TV da Igreja, Rede Super, repercutiu e gerou revolta na comunidade LGBTQIA+, após declarações da pastora que associava a aids, doença infectocontagiosa, decorrente do vírus do HIV, aos casais gays, à suposta anormalidade das relações homoafetivas e que a única forma de sexo seguro é aquele entre heterossexuais e casados.
Imagem: reprodução dos sites da Folha de S. Paulo e do Metrópoles
Imagem: reprodução dos sites Guiame e Gospel Prime
O processo
Desde 2020, os pronunciamentos da pastora Ana Paula Valadão no Congresso Diante do Trono são levados aos órgãos judiciais do país. O então deputado federal David Miranda (PSOL-RJ, falecido em 2023), representou, naquele ano, noo Ministério Público Federal, uma notícia crime por suposta prática de crime de homofobia, contra a pastora, que foi conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. A representação resultou em uma ação civil pública apresentada pelo procurador Helder Magno da Silva, que a condenou por caso de conduta discriminatória com base em discurso de ódio sexual e contra pessoas que convivem com o HIV.
Em 2021, outra ação civil pública, de autoria da Aliança Nacional LGBTI, organização da sociedade civil em prol da defesa e promoção dos direitos da comunidade LGBTQIA+, foi encaminhada ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O juiz da 21ª Vara Cível Hilmar Castelo Branco Raposo Filho julgou o caso e, em 24 de abril de 2024, proferiu a sentença condenatória à pastora ao pagamento do valor de 25 mil reais. O valor deverá ser encaminhado para a atividades de defesa dos direitos LGBTQIA+. Foi também determinada a proibição da divulgação e da reprodução da fala lesiva.
De acordo com a sentença judicial, a fala de Ana Paula Valadão extrapola os limites da liberdade de expressão e de religião (argumento alegado pela defesa), pois estas necessitam da harmonização com a Constituição Federal, que afere “a dignidade da pessoa humana e a vedação à conduta discriminatória”. Para o juiz, as afirmações da pastora configuram-se como lesivas, já que a “ilação não encontra respaldo em texto bíblico ou na ciência. É uma conclusão errada que apenas repete a ultrapassada impressão popular da década de 80, época da descoberta da doença”, relata o juiz.
Relembre as falas de Ana Paula Valadão durante o vídeo
Em 2016, foi realizada mais uma edição do Congresso Diante do Trono, evento organizado pelo Ministério de Louvor Diante do Trono, da Igreja Batista da Lagoinha, liderado por Ana Paula Valadão, que oferece pregações, apresentação de canções e workshops. Em conversa com o cantor gospel Asaph Borba, no palco da Igreja da Lagoinha, Belo Horizonte (MG), com gravação em vídeo, divulgada pelo canal de TV da igreja, a Rede Super, a pastora e cantora afirmou:
“Muita gente acha que isso é normal. Isso não é normal. Deus criou o homem e a mulher e é assim que nós cremos. Qualquer outra opção sexual é uma escolha do livre arbítrio do ser humano. E qualquer escolha leva a consequências. A Bíblia chama de qualquer escolha contrária ao que Deus determinou como ideal, como ele nos criou para ser, chama de pecado. E o pecado tem uma consequência que é a morte. Inclusive, tudo que é distorcido traz consequência naturalmente; nem é Deus trazendo uma praga ou um Juízo, não. Taí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus.”
Foto: Reprodução Youtube
Ana Paula Valadão contestou, em sua defesa, que o processo não tem utilidade prática para ela (falta de utilidade processual), que o tempo para iniciar a ação judicial já passou (prescrição), que o tribunal designado não é o correto para julgar o caso (incompetência do Juízo) e que já existe outra ação judicial com o mesmo assunto em tramitação (litispendência). Já no mérito dos termos, argumentou que apenas exerceu o direito “legítimo da liberdade de expressão e religiosa, bem assim não ocorre discurso de ódio ou atitude discriminatória”. O magistrado Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, considerou que a fala direcionada à comunidade LGBTIQIA+, que a coloca no “lugar de culpada pela existência da AIDS é situação que reduz sensivelmente todas as conquistas desta coletividade”, o que evidencia a violação do direito à dignidade, assegurada pela Constituição Federal.
Na decisão , o juiz também afirmou que “a manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTQIA+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual, justamente o que caracteriza a lesão apontada pela autora”.
Para complementar, a sentença finaliza que “há muito já se conhece a constatação científica amplamente divulgada de que a contaminação pela AIDS se dá, dentre outras, pela prática de sexo sem segurança, não, pela orientação de cada pessoa afetada. As estatísticas, ao inverso do que pode parecer, confirmam este fato quando apontam maiores índices de doentes entre populações vulneráveis sob o aspecto social.”, afirma o juiz.
À época dos primeiros processos contra a fala de Ana Paula Valadão, o então ministro da Advocacia Geral da União do governo Jair Bolsonaro, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, pastor presbiteriano, André Mendonça se manifestou em apoio à pastora:
Bereia conclui que as matérias publicadas sobre a condenação de Ana Paula Valadão por fala pública de caráter homofóbico e contra pessoas que convivem com vírus HIV são verdadeiras. A pastora foi processada e condenada por danos morais por utilizar falas preconceituosas contra pessoas LBTQIA+ e atribuir a elas a propagação do vírus HIV.
Com base na decisão do juiz do TJ-DF Raposo Filho e as declarações por parte da reclamante, a Aliança LGBTI, as publicações deixam claro os fatos discorridos, que as falas da pastora tratam-se de desinformação e com potencial para atingir a dignidade da comunidade LGBTQIA+, atribuindo uma responsabilidade inexistente, além de propagar discurso de ódio que incentiva o preconceito e rejeição de uma parcela da população historicamente marginalizada.
Referências de checagem:
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais. Inquérito Civil n.º 1.22.000.002594/2020-22. https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/2021/pr-mg-manifestacao-12129-2021_homofobia.pdf/at_download/file Acesso em: 29 de abril de 2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 21ª Vara Cível de Brasília. Processo nº 0709624-28.2021.8.07.0001. Ação Civil Pública Cível (65). Autor: Aliança Nacional LGBTI. Réus: ANA PAULA MACHADO VALADAO BESSA, CANAL 23 LTDA. Disponível em: https://pje.tjdft.jus.br/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=24042417382135900000177820579 Acesso em: 30 de abril de 2024.
COLETIVO BEREIA. Site Gospel desinforma sobre inquérito do Ministério Público contra cantora gospel Ana Paula Valadão. 2020. Disponível em:https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-inquerito-do-ministerio-publico-contra-cantora-gospel-ana-paula-valadao/. Acesso em: 29 de abril de 2024.
BERGAMO, Mônica. Ana Paula Valadão é condenada a pagar R$ 25 mil por associar Aids a homossexualidade. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 de abril de 2024. Coluna. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2024/04/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-r-25-mil-por-associar-aids-a-homossexualidade.shtml. Acesso em: 29 de abril de 2024.
JOVEM PAN. https://jovempan.com.br/noticias/brasil/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-multa-por-associar-hiv-com-comunidade-lgbtqia.html. Acesso em 29 de abril de 2024.
Métropoles. https://www.metropoles.com/celebridades/ana-paula-valadao-e-condenada-a-pagar-r-25-mil-por-ligar-aids-a-lgbts. Acesso em 03 de maio de 2024.Youtube https://youtu.be/Hkk9kUtMGCM?si=je-yaxc4ORcIgUOf&t=31. Acesso em 29 de abril de 2024.
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Foto de capa: reprodução do Instagram