Publicado originalmente em Agência Lupa por Maiquel Rosauro. Para acessar, clique aqui.
Ministros do TSE aprovaram 12 novas resoluções para as eleições de 2024 em sessão realizada em 27 de fevereiro. Foto Luiz Roberto/Secom/TSE
Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovaram 12 novas resoluções para as eleições municipais de 2024, com objetivo de orientar partidos, coligações, federações partidárias, candidatos e eleitores sobre os procedimentos previstos na legislação eleitoral. Destaque para a norma que proíbe o uso de deepfake (manipulação de vídeos, áudios ou fotos) com intuito de enganar os eleitores na campanha e para a restrição ao uso de inteligência artificial (IA) nas propagandas, que precisarão de um aviso sobre o uso da tecnologia.
Os magistrados também vedaram os candidatos de divulgar, na propaganda eleitoral, conteúdos notoriamente falsos ou descontextualizados que sejam potencialmente capazes de desequilibrar o pleito ou a integridade da eleição. Quem desobedecer poderá até ser preso por um período de dois meses a um ano.
O novo regramento foi aprovado na sessão do dia 27 de fevereiro. As resoluções foram relatadas pela vice-presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e foram elaboradas a partir das normas-base, publicadas em anos anteriores. O TSE recebeu um total de 945 sugestões para o pleito, que foram debatidas em audiências públicas realizadas no mês de janeiro.
As eleições deste ano irão definir os novos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores dos 5.569 municípios brasileiros. O primeiro turno irá ocorrer em 6 de outubro. Um eventual segundo turno, nas cidades com mais de 200 mil eleitores em que a candidata ou candidato mais votado à Prefeitura não tenha atingido a maioria absoluta (metade dos votos válidos mais um, excluídos brancos e nulos), será realizado em 27 de outubro.
Até a publicação deste Explicador, o TSE ainda não havia publicado a íntegra da minuta das novas resoluções no Diário de Justiça Eletrônico. Conforme a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/2017) esse trabalho precisa ser concluído até o dia 5 de março.
Abaixo, confira as principais dúvidas sobre as novas resoluções para o pleito de 2024 referentes à campanha eleitoral.
O que o TSE definiu sobre uso da inteligência artificial nas eleições de 2024?
O TSE determinou a exigência de rótulos de identificação de conteúdo sintético multimídia. Ou seja, partidos ou candidatos que produzirem material de campanha usando inteligência artificial deverão alertar o eleitor que o conteúdo foi criado a partir de uma ferramenta de IA. Além disso, está restrito o uso de chatbots (robôs) e avatares para intermediar a comunicação da campanha, que não poderá simular uma conversa com o candidato ou qualquer outra pessoa.
O que foi decidido sobre o uso de deepfake na campanha eleitoral?
Está proibido o uso de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia para prejudicar ou favorecer candidaturas.
O que ficou definido sobre o controle da desinformação?
O TSE orienta que juízes eleitorais exerçam o poder de polícia de modo a assegurar a eficácia das decisões de remoção de conteúdos ilícitos que venham a ser reproduzidos na propaganda sob sua jurisdição. Também está prevista a criação de um repositório de decisões do TSE sobre a matéria, disponibilizado para consulta pública.
A resolução ainda determina agilidade no cumprimento das ordens de remoção e de requisições: as plataformas digitais (ambientes virtuais que facilitam interações, transações e compartilhamento de informações entre indivíduos, instituições e empresas, como, por exemplo, as redes sociais e os aplicativos para comunicação instantânea) terão que juntar as mídias e os dados no repositório para comprovar o cumprimento, assegurado o sigilo desse conteúdo.
O que pode acontecer com os candidatos que divulgarem informações notoriamente falsas?
Está vedada a utilização, na propaganda eleitoral, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.
O candidato que descumprir a regra poderá ser enquadrado sob pena de configuração de abuso de utilização dos meios de comunicação, acarretando a cassação do registro ou do mandato, bem como a apuração das responsabilidades nos termos do artigo 323 do Código Eleitoral, que prevê detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
Quais as obrigações das plataformas digitais?
O TSE aprovou obrigações a serem cumpridas pelas big techs, como a adoção e publicização de medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral.
As plataformas deverão garantir a veiculação, por impulsionamento e sem custos, do conteúdo informativo que elucide o fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado.
Além disso, as big techs terão que garantir a manutenção de repositório de anúncios para acompanhamento, em tempo real, do conteúdo, dos valores, dos responsáveis pelo pagamento e das características dos grupos populacionais que compõem a audiência (perfilamento) da publicidade contratada.
E se as plataformas não cumprirem as decisões do TSE?
A nova resolução prevê a responsabilização solidária das plataformas digitais, civil e criminalmente, quando não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio (contra uma pessoa ou grupo mediante preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação), antidemocráticos, racistas, homofóbicos, de ideologia nazista e fascista.
As normas do TSE valem como lei?
Não. As resoluções não são leis e não têm a finalidade de inovar a ordem jurídica. Trata-se de um documento em que são assinaladas as decisões do TSE de caráter administrativo, contencioso-administrativo ou normativo, que é o caso dos textos aprovados em 27 de fevereiro. Elas são válidas para o pleito deste ano.
O objetivo é orientar partidos, coligações, federações partidárias, candidatos e eleitores sobre os procedimentos previstos na legislação eleitoral. Ou seja, organizar melhor o serviço interno da Justiça Eleitoral, os trabalhos de preparação e a realização de todas as etapas das eleições. As resoluções também têm a função de garantir uniformidade na aplicação das leis eleitorais.
Quais as outras novidades trazidas pelo TSE para o período de campanha?
O texto aprovado possibilita a divulgação de posição política por artistas e influenciadores em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas na internet, desde que as manifestações sejam voluntárias e gratuitas.
Também ficou definido que a live eleitoral constitui ato de campanha eleitoral, sendo vedada a transmissão ou a retransmissão por canais de empresas na internet ou por emissoras de rádio e TV, sob pena de configurar tratamento privilegiado durante a programação normal. Além disso, as lives não poderão ser realizadas em prédios públicos, como é o caso das residências oficiais.
O que dizem especialistas sobre a norma?
Para o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Dejalma Cremonese, as novas resoluções do TSE são úteis e necessárias, porque podem resultar na cassação de quem utilizar desinformação na campanha eleitoral. Contudo, ele ressalta que o debate ainda não foi concluído.
“Estamos em um ano de eleições municipais e os riscos são potencializados com o uso indiscriminado das tecnologias para disseminação de informações falsas e discurso de ódio. É um debate que ainda está aberto e precisa ser aprimorado para que possamos ter uma campanha eleitoral justa e igualitária. O que não podemos é permitir que alguns tirem proveito usando a tecnologia. Rede social não é terra de ninguém, precisa ser regulamentada”, explica Cremonese, que é doutor em Ciência Política.
A professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e Integrante da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD/CNPq), Luciana Carvalho, pondera que as normas apresentadas pelo TSE são um marco para a Justiça Eleitoral porque será a primeira eleição municipal em que as pessoas terão que lidar, nas suas cidades, com questões envolvendo IA e deepfake.
“A iniciativa do TSE era urgente, mas é cedo para dizer se irá funcionar ou não. A tendência é de que as medidas não sejam totalmente efetivas, ainda que sejam importantes. Não está tão claro, no que já foi apresentado, se a proibição é apenas para o candidato e para a campanha. Os eleitores podem ser usados ou tomar iniciativas de fazer deepfakes por conta própria e fazer isso circular de forma anônima. Como controlar isso?”, questiona Carvalho, que é doutora em Comunicação.
Além disso, a professora tem dúvidas sobre se o TSE terá capacidade para lidar com todas as denúncias que possivelmente serão apresentadas durante a campanha.
“As normas me parecem limitadas aos candidatos e às plataformas digitais. De outro lado, temos a liberdade do eleitor. Vai ser possível, no online, fiscalizar o que todo mundo faz durante uma campanha eleitoral? Eu acho muito difícil”, analisa Carvalho.
O que pensam as plataformas?
A Lupa entrou em contato com Meta (proprietária de Facebook, Instagram e WhatsApp), X (antigo Twitter), TikTok, YouTube e Telegram para comentarem sobre as novas resoluções aprovadas pelo TSE para o pleito deste ano.
A Meta informou, em nota, que aguarda a íntegra das resoluções do TSE para poder comentar o assunto.
O YouTube afirmou, em nota enviada no dia 5 de março, está fazendo atualizações para informar os usuários quando o conteúdo for artificial e que “os criadores precisarão declarar quando subirem na plataforma conteúdo manipulado ou artificial que parece realista, inclusive usando ferramentas de IA” — quem não fizer estará sujeito a penalidades, como remoção do conteúdo e suspensão do Programa de Parcerias.
A empresa ainda declarou que um rótulo será adicionado ao painel da descrição indicando que parte do conteúdo foi alterada ou gerada digitalmente. “Em relação a determinados tipos de conteúdo sobre temas delicados vamos exibir um painel de informação abaixo do vídeo”, ressaltou.
As demais plataformas ainda não responderam ao contato. O texto será atualizado caso alguma se manifeste.