Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Rafaely Camilo e Daniel Reis. Para acessar, clique aqui.
Recente ação do governo brasileiro gerou polêmica nas mídias sociais digitais. O envio de 125 toneladas de leite em pó para Cuba foi amplamente divulgado e criticado em espaços digitais de extrema-direita e compartilhado por perfis de identidade religiosa.
Matéria da Revista Oeste, em canal no Youtube, apresentou críticas ao atual governo brasileiro, pela decisão de enviar leite em pó para Cuba, além de futuros envios de arroz, milho e soja. Também compara esta situação com a dos Estados Unidos, onde argumenta que o dinheiro dos contribuintes é gasto com imigrantes enquanto as comunidades pobres locais são negligenciadas. A crítica se estende à gestão econômica do país, e menciona a suposta dificuldade dos brasileiros com a economia, os preços dos alimentos, e questiona o que o veículo classifica como priorização de assistência internacional em detrimento das necessidades internas do Brasil.
Imagem: reprodução de vídeo da Revista Oeste (YouTube)
A oposição no Congresso Nacional também criticou fortemente a ação, alegando que ela “ignora as necessidades internas do Brasil, onde milhões passam fome e falta infraestrutura básica como água potável e saneamento”.
Imagem: reprodução da Gazeta do Povo
Por que o Brasil está doando alimentos para Cuba?
Durante a Conferência da ONU sobre o Clima – COP28, uma grande reunião sobre o clima realizada em Dubai no final de 2023, três países – os Emirados Árabes Unidos, o Brasil e Cuba – decidiram trabalhar juntos para ajudar uns aos outros na superação de problemas relacionados à alimentação e ao clima.
Os países concordaram em formar uma parceria pela qual o Brasil enviará alimentos no valor de US$50 milhões, sob financiamento total dos Emirados Árabes Unidos.
Esta iniciativa é um desdobramento da Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática”. Assinado por mais de 130 países, na COP 28, o documento destaca uma preocupação global com os impactos das mudanças climáticas na agricultura e na segurança alimentar e reconhece que eventos climáticos extremos estão ameaçando a capacidade de produzir e acessar alimentos, aumentando a fome e a subnutrição.
A declaração aponta para a agricultura e os sistemas alimentares como áreas chave para combater as mudanças climáticas e melhorar a vida das pessoas, especialmente os mais vulneráveis.
Um dos principais objetivos da Declaração é promover a segurança alimentar e nutricional, focando em ajudar os mais vulneráveis através de sistemas de proteção social, programas de alimentação escolar, pesquisa e inovação.
A proposta é fazer com que todos tenham comida suficiente, que seja boa para a saúde e produzida de maneira que não prejudique o planeta. Os Emirados Árabes Unidos estão investindo no projeto para ajudar a tornar a produção e a distribuição de comida mais forte e capaz de lidar com mudanças no clima.
De acordo com Agência Brasileira de Cooperação, “por meio da iniciativa, os Emirados Árabes Unidos fornecerão apoio financeiro para aumentar a resiliência e a adaptabilidade dos sistemas alimentares e aumentarão os investimentos em projetos especializados na produção, distribuição e suporte de sistemas alimentares, que sejam nutritivos, saudáveis e sustentáveis, além de fortalecer a segurança alimentar em colaboração com o Brasil e Cuba”.
De acordo com autoridades dos três países envolvidos, os benefícios desta parceria serão de grande importância. Para o Diretor da Agência Brasileira de Cooperação, Embaixador Ruy Pereira, Cuba, significa receber comida e apoio para melhorar a produção e distribuição de alimentos e garantir que as pessoas tenham o que comer.
Para o Brasil, como anfitrião do G20 em 2024, é uma chance de mostrar liderança e solidariedade internacional, ajudando um país latino-americano, com quem o Brasil tem relações diplomáticas históricas, enquanto também promove práticas de agricultura que respeitam o ambiente.
Para os Emirados Árabes Unidos, representa uma oportunidade de contribuir para a solução de um problema global importante, o da fome e das mudanças climáticas, enquanto demonstram compromisso com a sustentabilidade e a cooperação internacional. A Ministra de Estado dos Emirados Árabes para Cooperação Internacional, Reem Bint Ebrahim Al Hashimy, Ministra de Estado para Cooperação Internacional, disse: “essa iniciativa contribuirá para proteger o meio ambiente e limitar as repercussões da mudança do clima que afetam os produtores de alimentos. Ela também afirma o compromisso mútuo de abordar os desafios globais críticos e apoiar soluções sustentáveis no âmbito da segurança alimentar”.
Mais de 130 países – representando mais de 5,7 mil milhões de pessoas, 70 por cento dos alimentos que consumimos, quase 500 milhões de agricultores e 76 por cento das emissões totais do sistema alimentar global – assinaram a Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 Todos os países envolvidos querem mostrar que estão fazendo sua parte para lidar com questões globais como a mudança do clima e a fome.
A Declaração sobre Agricultura Sustentável da COP28 destaca a intenção de trabalhar de forma colaborativa para “intensificar as atividades e respostas de adaptação e resiliência, a fim de reduzir a vulnerabilidade dos todos os agricultores, pescadores e outros produtores de alimentos aos impactos das alterações climáticas, nomeadamente através de apoio financeiro e técnico para soluções, capacitação, infraestrutura e inovações, incluindo sistemas de alerta precoce, que promovam a segurança alimentar, a produção e a nutrição sustentáveis,ao mesmo tempo que conserva, protege e restaura a natureza”.
Desta maneira, a iniciativa entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba se alinha aos objetivos traçados na COP28 ao criar uma cooperação que visa desenvolver sistemas alimentares resilientes e sustentáveis, adaptados às mudanças climáticas.
Por que Cuba precisa receber alimentos?
Cuba enfrenta um dos maiores desafios de sua história recente no que tange à segurança alimentar, uma situação agravada pelo prolongado embargo econômico imposto pela comunidade internacional, liderado pelos Estados Unidos. Este embargo, iniciado em 1962, restringe severamente o acesso da ilha a bens essenciais, incluindo alimentos e produtos agrícolas, impactando diretamente a vida diária dos cubanos.
O embargo econômico não apenas limita as importações de produtos alimentares mas também afeta a aquisição de tecnologias e insumos agrícolas necessários para aumentar a produção local. Sem acesso a mercados diversificados e a tecnologias avançadas, o governo cubano precisa atuar para atender as necessidades alimentares de sua população. Neste ponto, os problemas estão na escassez periódica de alimentos básicos e no aumento dos preços, tornando a alimentação diária um desafio para muitas famílias cubanas.
A dependência de importações para garantir a segurança alimentar torna Cuba particularmente vulnerável a flutuações no mercado global e a políticas externas. O leite, por exemplo, é mais um produto dentro da grande escassez de alimentos, em meio ao embargo dos Estados Unidos, que já dura 60 anos e é um dos mais longos impostos a uma nação.
O embargo também impacta o setor agrícola cubano, essencial para a autossuficiência alimentar do país. A dificuldade em obter peças de reposição para maquinário, fertilizantes, e outros insumos essenciais atrasa o progresso em direção a uma agricultura mais produtiva e sustentável, perpetuando um ciclo de insegurança alimentar.
Para superar estas questões, o governo de Cuba tem buscado fortalecer laços com parceiros internacionais dispostos a cooperar apesar do embargo. A iniciativa de cooperação com os Emirados Árabes Unidos e o Brasil é um exemplo.
No fim do ano de 2023, por uma ampla maioria de 187 votos a favor, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução pelo fim do embargo econômico norte-americano sobre Cuba. Os dois votos contrários foram dos Estados Unidos e de Israel, e a única abstenção, da Ucrânia. Todos os anos, desde 1992, é aprovada uma resolução contra a imposição americana.
O ministro das relações exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, ressaltou que “Cuba está impedida de comprar de empresas norte-americanas e suas subsidiárias em outros países, equipamentos, tecnologias, dispositivos médicos e produtos farmacêuticos de uso final e, portanto, é forçada a adquiri-los a preços exorbitantes por meio de intermediários ou a substituí-los”. a solução definitiva para a crise alimentar em Cuba passa necessariamente pela revisão das políticas de embargo.
O Impacto do Acordo Tripartite no Agronegócio Brasileiro
Ainda em 2023, antes da COP 28, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, já destacava a importância das relações comerciais com os Emirados Árabes. Na ocasião o ministro afirmou: afirmou: “a parceria com os Emirados Árabes será oportunidade de ampliarmos as exportações para o país que se tornou um hub (ponto) de distribuição de produtos brasileiros para todo o Oriente Médio e Ásia”,
Como 13º maior comprador de produtos do agronegócio brasileiro, os Emirados Árabes são um parceiro estratégico importante. Desta maneira, a recente iniciativa de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba representa mais um passo na relação comercial entre os países e possivelmente deve ter repercussões diretas para o setor agrícola nacional.
Possíveis oportunidades para o agronegócio brasileiro
A cooperação abre portas para o agronegócio brasileiro em novos mercados. Cuba, com o apoio dos Emirados Árabes Unidos, pode se tornar um destino importante para as exportações agrícolas brasileiras, diversificando os mercados e reduzindo a dependência do Brasil em relação a seus tradicionais parceiros comerciais.
O apoio financeiro dos Emirados Árabes Unidos também pode fomentar investimentos em tecnologia e inovação no setor agrícola brasileiro. Isso inclui o desenvolvimento de práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas, beneficiando não apenas a produção destinada à exportação, mas também fortalecendo a agricultura nacional.
Além disso, a participação em iniciativas de cooperação internacional, especialmente aquelas que visam combater a insegurança alimentar e promover a sustentabilidade, reforça a imagem do Brasil como um líder responsável e solidário no agronegócio global.
Desta maneira, o acordo de cooperação entre Brasil, Emirados Árabes Unidos e Cuba é um passo promissor para o agronegócio brasileiro, oferecendo novas oportunidades de mercado e incentivando a adoção de práticas agrícolas sustentáveis.
Canais desinformam e escondem significado do acordo
Bereia classifica as informações da Revista Oeste como enganosas. Como a pesquisa para esta matéria demonstra, o envio de alimentos para Cuba é parte de uma parceria que envolve também os Emirados Árabes, país responsável pelos custos da operação. A iniciativa é, ainda, resultado da participação do Brasil na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente – COP 28. Este tipo de atividade faz parte do protocolo de relações internacionais de qualquer país.
O veículo de mídia que alimenta a extrema-direita com desinformação, a Revista Oeste, joga com o imaginário conservador em relação a Cuba, como um país perigoso, comunista, para acusar o governo do Brasil de se alinhar com aquele país em detrimento das necessidades nacionais por meio de conteúdo enganoso. A Revista Oeste, e quem compartilha o conteúdo que ela veiculam, desta forma, distorcem o fato de o envio de alimentos ocorrer para negar ao público informações sobre as razões pelas quais o Brasil está enviando alimentos a Cuba, sobre a parceria resultante da COP 28, que envolve os Emirados Árabes e a responsabilidade pelos custos que este país assumiu. Silenciam ainda sobre os benefícios que a parceria oferece para o agronegócio brasileiro.
Sobre as acusações falsas e enganosas que a matéria faz sobre a situação econômica do Brasil, Bereia já desenvolveu checagens.
Referências de checagem:
Governo Federal.
https://www.gov.br/abc/pt-br/assuntos/noticias/foi-anunciada-uma-iniciativa-conjunta-entre-emirados-arabes-unidos-brasil-e-cuba-para-melhorar-a-seguranca-alimentar Acesso em 19 FEV 2024
https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/iniciativa-tripartite-de-cooperacao-entre-brasil-emirados-arabes-unidos-e-cuba Acesso em 19 FEV 2024
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/brasil-comandara-o-g20-com-o-compromisso-de-construir-um-mundo-justo-e-um-planeta-sustentavel-diz-ministro-da-fazenda Acesso em 19 FEV 2024
https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202402/mapa-marca-presenca-na-gulfood-em-dubai-e-reforca-papel-do-brasil-em-exportacoes-do-agro Acesso em 19 FEV 2024
Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-02/brasil-envia-125-toneladas-de-alimentos-para-cuba Acesso em 19 FEV 2024
Nações Unidas.
https://brasil.un.org/pt-br/255990-quais-foram-os-resultados-da-cop28%E2%9D%93 Acesso Acesso em 19 FEV 2024
https://www.cop28.com/en/news/2023/12/COP28-UAE-Presidency-puts-food-systems-transformation 19 FEV 2024
https://news.un.org/pt/story/2023/11/1822847 19 FEV 2024
BBC. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474 Acesso em 19 FEV 2024
Fiesp. https://www.fiesp.com.br/mobile/noticias/?id=293710#:~:text=Entre%20os%20principais%20t%C3%B3picos%20que,Agroneg%C3%B3cio%20(Cosag)%20da%20Fiesp. Acesso em 19 FEV 2024
Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/balanco-janeiro-2024-politicos-religiosos-desinformam-sobre-situacao-economica-do-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). https://cnabrasil.org.br/noticias/cna-debate-sustentabilidade-e-cop28-em-evento-da-cni Acesso em 19 FEV 2024
Dissertação Maria Antônia Oliveira Duran Marins http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/47623 Acesso em 19 FEV 2024
AGROECOLOGIA E DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO EM CUBA. Anne Geraldi Pimentel e Beatriz Díaz. https://direitosocioambiental.org/wp-content/uploads/2024/01/Agroecologia-sociobiodiversidade-e-soberania-alimentar.pdf#page=24 Acesso em 19 FEV 2024
Jornal O Estado de Minas https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/02/04/interna_internacional,1342552/a-intrincada-viagem-do-leite-por-cuba-sob-o-embargo-dos-eua.shtml Acesso em 19 FEV 2024
Diplomacia Business. https://www.diplomaciabusiness.com/favaro-recebe-ministro-de-comercio-exterior-dos-emirados-arabes-para-tratar-de-novas-parcerias-com-o-brasil/ Acesso em 19 FEV 2024
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Foto de capa: YouTube Revista Oeste