Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Serviço público | Estudo do PPG Política Social e Serviço Social alerta sobre os impactos do teletrabalho em funcionários do INSS
* Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 2018, o Instituto Nacional do Seguro Social lançou o “Meu INSS”, uma plataforma online desenvolvida para facilitar a navegação e a realização de processos da Previdência Social. Para acompanhar esse serviço, o órgão passou a permitir que os seus servidores trabalhassem de forma remota, decisão que resultou em muitos impactos na vida dos trabalhadores.
Foi diante dessa realidade que Maria Dulcinéia Batista desenvolveu a sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Política Social e Serviço Social da UFRGS. Sob orientação de Dolores Wunsch, a pesquisadora buscou analisar as repercussões do teletrabalho na vida e na saúde dos trabalhadores públicos federais do INSS. Conforme destacado por ela, estresse, cansaço extremo e isolamento do coletivo foram temáticas recorrentes nos relatos dos funcionários entrevistados.
A partir de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório e descritivo, Dulcinéia esmiuçou as diversas implicações que as reformas administrativas e o gerencialismo exercem no serviço público. Segundo ela, a corrosão dos processos de trabalho, consequente desse tipo de gestão, impacta drasticamente a essência da política pública e reflete em toda população que busca os serviços dessa ordem. “Quando te falta clareza do que é o teu trabalho, isso é um fator de risco, de adoecimento mental”, inicia.
A pesquisa
Foram realizadas entrevistas com uma amostra de nove trabalhadores, que correspondia a oito das nove gerências executivas do INSS presentes no Rio Grande do Sul. Embora representassem localidades diferentes, as narrativas eram muito semelhantes: metas inatingíveis, sistemas desatualizados e condições de trabalho precárias. Ainda que a implementação do trabalho remoto não tenha sido dialogada com os servidores, adotar a nova modalidade era uma forma de tornar viável a execução do próprio ofício, que era dificultado pela estrutura do presencial.
Segundo a autora, o novo regime, propagandeado como uma proposta de liberdade, não atendeu a promessa. Em contrapartida, as consequências negativas foram inúmeras. Para compensar as falhas do próprio sistema necessário para execução do trabalho, os funcionários extrapolavam a carga horária estipulada para conseguir cumprir as metas estabelecidas, que eram aumentadas em 30% a partir da escolha da modalidade remota. Além disso, não recebiam nenhum tipo de auxílio para arcar com ergonomia, consumo de energia, acesso à internet e equipamentos que respondessem às necessidades que a função exige.
Outro aspecto importante é que, no teletrabalho, as vidas profissional e familiar passam a ser interseccionadas. Conforme aponta a autora, “há uma invasão da instituição na esfera particular”, condição ainda mais sensível para as mulheres, que são socialmente mais exigidas pelo trabalho doméstico. “Não somos contra a tecnologia, mas à forma como ela é implementada, sem diálogo e negociação”, afirma.
A construção de uma nova realidade
Para Dulcinéia, há perfis de trabalhadores que se adaptam ao que a modalidade impõe. Há, contudo, os que não conseguem se adequar, desorganizam a rotina, a vida pessoal e familiar e, com isso, acabam adoecendo. Essa realidade não é exclusiva do INSS, objeto de estudo da pesquisadora, mas de diversas instituições públicas e privadas que aderem ao trabalho remoto sem a devida atenção aos direitos dos colaboradores. “O trabalho nos transforma e nos dá identidade, mas chega um momento que pode nos adoecer”, alerta.
Nesse sentido, a autora salienta os desafios para os sindicatos e a importância da construção de estratégias que resultem em acordos e normativas que permitam proteção e condições de trabalho adequadas. Segundo ela, essas medidas podem contribuir para o não adoecimento dos trabalhadores, principalmente daqueles que optam por essa modalidade de trabalho. Dessa maneira, a medicalização não permanecerá como instrumento de trabalho, o que é comum no órgão pesquisado. “Antigamente a gente considerava doença só o físico, mas houve uma transformação nesse processo social, econômico e político, e o trabalho passou a adoecer de outra forma, mentalmente.”
A autora conclui que o teletrabalho se constitui de elementos diversos e contraditórios e destaca a importância de avançar no caminho de legislações que tratem dessa temática no país, buscando proteger os direitos dos trabalhadores, seja na esfera pública, seja na esfera privada. É necessário, segundo ela, resistir, reconhecer e difundir a compreensão de que adoecer no trabalho não pode e não deve ser naturalizado. O trabalho completo estará disponível, em breve, no Lume – Repositório Digital da UFRGS.
Próximos projetos
Para novos projetos, Dulcinéia planeja seguir estudando a área do trabalho, assunto que a encanta. Assistente social do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do Rio Grande do Sul (Sindisprev), a autora afirma buscar estudos que possam acrescentar à sua atuação profissional na entidade. Diante disso, pretende se candidatar a um doutorado na mesma temática, aprofundando-se e contribuindo para tornar os trabalhadores agentes políticos, capazes de se enxergarem como transformadores dessa realidade.