A checagem de fatos está evoluindo, não estagnando

Publicado em Agência Lupa. Para acessar, clique aqui.

Este artigo foi publicado originalmente no NiemanLab e republicado numa parceria com o centro de pesquisas da Universidade de Harvard sob a licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives

Peter Cunliffe-Jones e Lucas Graves*

As “fake news” adoram uma crise. Agora está claro que informações falsas desempenharam um papel nos acontecimentos recentes ao redor do mundo, desde eleições polarizadas até a pandemia de Covid-19 e o conflito em Israel e Gaza.

É importante combater alegações e narrativas falsas. E as pesquisas agora mostram uma maior clareza sobre como fazer isso.

Em um artigo um tanto pessimista em setembro de 2023, o New York Times mostrou que “o impulso por trás das organizações que visam combater falsidades online começou a diminuir”. O número de operações de verificação de fatos em todo o mundo “estagnou”, após subir de 11 em 2008 para 424 em 2022 e cair levemente para 417 hoje.

O relatório do Times capturou alguns dos desafios conhecidos que os verificadores de fatos enfrentam. No entanto, ofereceu uma imagem angustiantemente limitada do trabalho que eles fazem diariamente, sobre como evoluiu a abordagem da comunidade de verificação de fatos para combater informações falsas e ainda sobre as diferentes maneiras pelas quais seu trabalho pode fazer a diferença no mundo.

Só olhando para os números, a situação é mais complexa do que foi apresentada. A Africa Check, a primeira organização de verificação de fatos na África, cresceu de uma equipe de duas pessoas em 2012 para uma equipe de 40 com escritórios em quatro países atualmente. O mesmo aconteceu com a Maldita, a primeira agência de verificação de fatos da Espanha, que começou como uma conta no Twitter administrada por dois jornalistas de TV e hoje tem uma equipe com mais de 50 pessoas. Em algumas regiões, o número de operações diminuiu, mas em outras, como África, Oriente Médio e Ásia, ainda está crescendo.

Um segundo desafio é o da escala. Desde que os verificadores de fatos ao redor do mundo começaram a contribuir para um banco de dados de verificações operado pelo Google, conhecido como Claim Review, eles haviam verificado quase 300 mil afirmações verdadeiras e falsas até o final de setembro de 2023. É um número impressionante, mas pequeno em comparação à escala do problema, que pode, certamente, ser agravado pela inteligência artificial. Grupos como a organização beneficente britânica Full Fact estão desenvolvendo IA para ajudar a detectar alegações falsas e ampliar o alcance das verificações de fatos.

A verificação de fatos funciona?

Uma série de estudos publicados nos últimos anos mostrou que, embora as verificações de fatos não alterem a visão de mundo de um indivíduo, elas podem e têm “influência geral significativamente positiva” na compreensão factual do leitor e “reduzem a crença em desinformação, muitas vezes de forma duradoura”. Além disso, dois estudos recentes mostraram que chamados “rótulos de advertência” anexados ao conteúdo online “reduzem efetivamente a crença e a disseminação de desinformação” e o fazem “mesmo para aqueles que mais desconfiam dos verificadores de fatos”. O problema, corretamente identificado pelo Times, é que esse sucesso “é inconsistente e dependente de muitas variáveis”.

Um primeiro desafio é que aqueles que vêem e acreditam em desinformação muitas vezes não são os mesmos que vêem e acreditam nas verificações de fatos subsequentes. As duas audiências frequentemente não se cruzam.

Os verificadores de fatos também compreendem os limites da informação como ferramenta para combater a desinformação. Eles enxergam evidências diárias em e-mails e comentários que, embora alguns apreciem seu trabalho, outros o rejeitam. Assim como inúmeros jornalistas, os verificadores de fatos aceitam que seu trabalho não alcança todos que deveria. A maioria argumenta que, ainda assim, expor falsidades e boatos vale o esforço. 

Corrigindo a informação

Mas informar o público é apenas uma maneira pela qual as organizações de verificação de fatos fazem a diferença. Em primeiro lugar, a pesquisa confirma o que muitos verificadores de fatos observam em primeira mão: saber que alguém está constantemente verificando incentiva os políticos a serem mais cuidadosos com suas alegações.

Pondo de lado as exceções óbvias, muitas figuras públicas irão abandonar silenciosamente uma alegação depois que ela for desmascarada – ou até mesmo fazer mea culpa. Isso aconteceu este ano no Quênia, quando a polícia pediu desculpas “incondicionalmente” depois que verificadores de fatos da agência de notícias AFP os pegaram usando imagens de um protesto para perseguir pessoas envolvidas em outro, sem que os registros tivessem nenhuma relação.

Muitas organizações de checagem adotam uma abordagem direta, entrando em contato com veículos de comunicação ou campanhas políticas para pedir que corrijam a informação. E em muitos países, os verificadores de fatos intervêm em um nível estrutural para promover uma cultura de precisão em instituições-chave. no mês passado, os legisladores britânicos votaram para mudar as regras da Câmara dos Comuns sobre a correção do registro oficial, seguindo uma campanha da organização de verificação de fatos Full Fact.

Em algumas regiões, os verificadores de fatos trabalham com agências estatísticas, defendem o governo aberto, operam amplas coalizões contra a desinformação e conduzem programas de alfabetização midiática. No mundo de língua árabe, a Arab Fact-Checkers Network, sediada na Jordânia, treina a mídia em verificação de fatos interna para reduzir a disseminação de informações falsas antes da publicação. Na Europa, a European Fact-Checking Standards Network possui uma equipe que trabalha em políticas públicas – algo que não é possível em muitos lugares do mundo.

Esta crescente variedade de abordagens reflete como nossa compreensão da desinformação mudou.

Como observouTom Rosenstiel, da Universidade de Maryland, em 2017: “Desinformação não é como encanamento, um problema que você conserta. É uma condição social, como crime, que você deve monitorar constantemente e ajustar.” Também reflete as diferentes culturas organizacionais das iniciativas construídas pelas empresas de mídia, sociedade civil e instituições acadêmicas.  

Em suma, o quadro é mais complexo do que se sugeriu, e na maioria, se não em todas as partes do mundo, mais esperançoso também. 


Peter Cunliffe-Jones é o fundador da Africa Check.

Lucas Graves é professor na Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa, da Universidade de Wisconsin (EUA).

Editado por

Victor Terra

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