Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Carolina Paz Comerlatto. Para acessar, clique aqui.
Engenharia Química | Experimentos com vapor de ozônio são uma alternativa para água contaminada com o segundo herbicida mais comercializado no Brasil
*Foto: freepic.diller/Freepik
No Brasil, a Lei Federal 14.785, de dezembro de 2023, define que os agrotóxicos são produtos cuja finalidade seja alterar a composição da flora e da fauna, a fim de preservá-las das ações danosas de seres nocivos. Mais do que preservar, os agrotóxicos são amplamente reconhecidos pelos grandes riscos que apresentam à saúde da população e ao meio ambiente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são registradas 20 mil mortes por ano devido ao consumo desses produtos.
Desde 2008, o Brasil ocupa o topo da lista dos países que mais consomem agrotóxicos no mundo. Para além disso, os contaminantes presentes nesses produtos geralmente não estão incluídos no monitoramento de rotina nas estações de tratamento de água, e também não são degradados a partir dos processos convencionais. Diante dessa problemática, Murilo Vendramin Ruffatto desenvolveu a sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais (PPGE3M) da UFRGS, a fim de buscar novos métodos que tornassem viável a degradação desses compostos.
Orientado por Andréa Bernardes e co-orientado por Salatiel da Silva, Murilo focou a sua pesquisa no ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D), o segundo herbicida mais comercializado no Brasil. Em suas descobertas, o pesquisador concluiu que os processos que combinam ozonização e radiação UV-C, bem como sua adição a catalisadores, podem ser uma alternativa eficiente para a degradação da substância.
Noções básicas
Conforme esclarece a pesquisa, o ozônio tem sido um dos principais objetos de estudo para tratamento de águas e efluentes, devido às suas características oxidantes. Ele pode atuar na degradação de compostos por meio do mecanismo direto e indireto, e possui algumas vantagens, como o bom potencial de redução de carga orgânica, a fácil operação e instalação, e a facilidade de decomposição em oxigênio e água, ou seja, não gera resíduos. Além disso, a radiação UV também é uma tecnologia já consolidada para potencializar o efeito da degradação.
A partir desses conhecimentos prévios, o trabalho investigou a aplicação da ozonização e da fotólise de maneira individual e combinada, na presença ou não de catalisadores produzidos com rejeito de mineração de ferro, a fim de verificar a contribuição de cada processo na oxidação do 2,4-D.
Experimentos e resultados
O método encontrado por Murilo foi criar um sistema experimental que submetia uma solução de 10mg/L do 2,4-D a vapor de ozônio em um reservatório com água. Durante uma hora, eram feitas coletas em diferentes minutos, para verificar a concentração dos compostos. Além da vaporização, também foram testados sistemas que incluíam lâmpadas de radiação UVA e UV-C e PHs diferentes da água. O objetivo era verificar qual combinação levaria a maiores níveis de oxidação e mineralização do ácido. Os processos de ozonização e radiação UV-C, bem como sua combinação com catalisadores, foram os mais eficientes.
Além dos testes, Murilo também realizou cromatografias líquidas das amostras, uma técnica de separação dos componentes que permite identificar a concentração de cada um. A análise de carbono orgânico total demonstrou que a mineralização (a transformação da matéria orgânica em matéria inorgânica) não foi tão efetiva quanto a degradação, o que gera questionamentos sobre quais subprodutos foram gerados a partir do experimento. Segundo o pesquisador, caso a mineralização fosse 100%, se poderia ter certeza de que não há concentração do contaminante inicial e nenhum subproduto que possa ser prejudicial. “[Com a mineralização encontrada] Podemos estar degradando e gerando algo pior do que havia antes”, alerta.
Alternativas viáveis
Para que, na prática, a degradação de agrotóxicos como o 2,4-D seja viável no tratamento de água, há algumas etapas importantes que também precisam ser investigadas. “Deixei [como sugestão] para trabalhos futuros estudar diferentes vazões e concentrações do ozônio”, afirma. Segundo o pesquisador, alguns outros aprofundamentos possíveis são: analisar a capacidade de degradação do método para outros poluentes, avaliar os subprodutos de degradação do 2,4-D via espectrometria de massas e avaliar a toxicidade da água antes e após o tratamento.
A contaminação da água e do solo por agrotóxicos tem efeitos drásticos para a saúde humana e para o ambiente, afetando a biodiversidade, as redes alimentares e os ecossistemas aquáticos e terrestres. Dentre os efeitos nocivos dessas substâncias, os mais conhecidos para o corpo humano são problemas no cérebro, distúrbios hormonais e diferentes tipos de câncer. O estudo de Murilo abre portas para aprofundamentos maiores sobre a degradação desses contaminantes, um projeto importante para que, futuramente, mesmo em um país como o Brasil, que faz uso indiscriminado dessas substâncias, a população e o meio ambiente possam ser menos afetados pelos seus efeitos. “Enquanto a degradação dos agrotóxicos na água não for obrigatória, dificilmente vão se interessar em fazer isso, mas abre espaço [para que o estudo seja aplicado na prática]”, conclui.