Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
* Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta
O fim de 2023 foi tumultuado para vários influenciadores digitais. A italiana Chiara Ferragni, que tem quase 30 milhões de seguidores somente no Instagram e, até então, era uma das figuras mais reconhecidas do mercado de influência internacional, foi multada em mais de 1 milhão de euros (cerca de R$ 5,5 milhões). O motivo: má conduta comercial em uma campanha de venda de pandoro, espécie de panetone sem frutas comum na Itália, cuja renda seria destinada a um hospital infantil.
No entanto, foi revelado que a fabricante do doce já havia feito uma doação de 50 mil euros para a instituição antes mesmo do produto começar a ser vendido. Com a ação, Ferragni ganhou a mesma quantia que as autoridades agora pedem que ela pague. O caso foi apelidado “pandoro gate”, chegou a ser comentado pela primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e culminou na aprovação de regras para o mercado de influência, criadas pela Autoridade Italiana de Concorrência e Garantia de Mercado (Agcom).
Já por aqui, influenciadores e influenciadoras se envolveram num escândalo por divulgarem a Blaze, uma plataforma digital de jogos de aposta, denunciada por promover serviços considerados ilegais no Brasil. Além disso, a empresa está sendo investigada por não pagar os usuários quando estes ganham altas quantias no aplicativo. A reportagem do Fantástico que evidenciou o caso forçou os influencers a se pronunciarem e a romperem contratos. Um deles chegou a afirmar que nunca usou a plataforma e questionou seus seguidores: “Se eu disser ‘pule do penhasco’, você vai pular?”.
Tal pergunta pode parecer absurda, mas serve para pensarmos sobre até onde vai a responsabilidade de criadores de conteúdo num mundo digitalizado, em que eles se tornaram referência de informação, costumes, valores e estilo de vida para milhões de crianças, adolescentes e adultos.
A chamada “creator economy” é um negócio que gera muito, mas muito dinheiro. Dados da plataforma Influencity revelaram que, somente na América Latina, a publicidade digital cresceu de US$ 7,92 bilhões para US$ 34,7 bilhões entre 2020 e 2022. Ainda segundo a empresa, o Brasil sozinho é responsável por 34% desse investimento.
Por um lado, escolher atrelar uma marca a um criador de conteúdo pode parecer um caminho certeiro para alavancar as vendas de um produto, já que os potenciais consumidores estão segmentados entre a audiência do influenciador digital. Ou seja, é uma decisão estratégica e muito menos dispendiosa do que anunciar em veículos tradicionais de imprensa. Porém, caso o escolhido acabe se envolvendo em alguma polêmica, o estrago pode ser grande, arranhando também a reputação da companhia.
Mas essa equação tem outro elemento além de criadores de conteúdo e empresas — o público. Seguidores cujas curtidas, comentários e compartilhamentos são “vendidos” por esses influencers na hora de conseguir um bom contrato, mostrando que o engajamento de sua comunidade de fãs é alto e, portanto, rentável. Seguidores que acompanham a vida dessas figuras em tempo real e que confiam em tudo aquilo que lhes é dito e mostrado. E é justamente nessa falsa relação de confiança que moram os riscos.
No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) criou em 2020 o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, uma espécie de código de ética publicitária para orientar o trabalho online dessas celebridades virtuais. Mesmo assim, é preciso que a audiência tenha atenção, pois nem toda publicidade indevida ou até mesmo golpes são fáceis de serem percebidos. Até uma denúncia ser levada às autoridades responsáveis e o caso ganhe proporção, muita gente pode ser enganada.
É preciso desconfiar de produtos mirabolantes, curas milagrosas para doenças e formas rápidas de enriquecer: pesquise, busque mais informações sobre as mercadorias e sobre quem está por trás delas, mesmo que quem as esteja anunciando sejam personalidades que você julga conhecer bem.
Ademais, vale lembrar que influenciadores também podem “vender” ideias boas e ruins. E, por ruins, entende-se desinformação, teorias conspiratórias, negacionismo e até discursos de ódio disfarçados de liberdade de expressão.
É claro que existem influenciadores digitais responsáveis e extremamente éticos produzindo conteúdo de alta qualidade. Mas não é porque você aparentemente segue todos os passos de uma pessoa online que você a conhece de verdade. Se até nossos parentes mais amados nos enviam “fake news” e correntes duvidosas pelo WhatsApp, muitas vezes sem checar, por que isso não aconteceria, intencionalmente ou não, com quem ganha dinheiro com isso?