Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
Segundo Estela Aranha e João Brant, regulação precisa avançar na avaliação de riscos das plataformas e no dever de cuidado
Os acontecimentos trágicos da última semana de 2023 fizeram reacender o debate sobre a regulação de plataformas digitais no Brasil. Para a secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Estela Aranha, a proposta de regulação pode ter menos resistência das empresas em comparação ao ano passado, principalmente pelo intenso diálogo que vem sendo feito na tríade governo, Congresso e plataformas.
“Claro que não é uniforme, mas de modo geral todas [as plataformas] sinalizam de que não vai acontecer o que aconteceu no outro processo”, revela Aranha, relembrando a campanha massiva realizada pelas big techs contra a aprovação do PL 2630. A secretária aponta que existem duas grandes discordâncias na proposta, justamente as que mais dialogam com pautas econômicas, que é a questão dos direitos autorais e aquela da remuneração do conteúdo jornalístico – ambas agora contidas no para o PL 2370.
Para Estela Aranha, mesmo que não haja um consenso em todos os pontos do texto, é preciso aprovar um texto que avance em questões de responsabilidade, de avaliação de riscos sistêmicos, de dever de cuidado. “A regulação não é uma panaceia, é um mecanismo importante que traz parâmetros únicos e objetivos, traz transparência”, pontua, relembrando os recentes casos de bullying, violência e discursos de ódio online, principalmente envolvendo jovens. A secretária ainda acrescenta que a necessidade de outras legislações, da participação da sociedade e das empresas para criar mecanismos substanciais contra o cenário atual.
Perspectiva similar é compartilhada pelo secretário de Políticas Digitais da SECOM, João Brant, que ressalta que a regulação não consegue dar conta de todos os ‘antídotos’ necessários para o modelo de negócios das plataformas, mas acredita que ela ajuda significativamente na criação de um ambiente menos tóxico. “Acho que uma parte disso são questões para as quais o mundo ainda não tem respostas. Tem um nível de compromisso, de fazer com que as plataformas não coloquem o lucro acima do bem-estar das pessoas, da própria democracia, que só vai ser conquistado com um diálogo internacional mais consistente”, coloca Brant.
“A regulação pode ajudar primeiro se ela tiver capacidade de enfrentar os riscos sistêmicos de como o modelo de negócios e a prática de moderação de conteúdo das plataformas afetam os direitos fundamentais. Segundo ela pode fazer com que as plataformas se comprometam com o dever de cuidado em relação a conteúdos que já são considerados ilegais. Essas duas dimensões são fundamentais, mas além disso esses antídotos precisam incluir outras medidas como educação mediática, como fortalecimento do jornalismo e sustentabilidade do jornalismo digital”, acrescenta o secretário.
Jornalismo e publicidade
Além da regulação das próprias plataformas digitais, o caso de suicídio da jovem Jéssica Canedo, alvo de uma fake news que se disseminou online, suscitou um intenso debate sobre informações falsas, responsabilidade de perfis de entretenimento que se misturam com notícias e as fontes de informação do usuário. O papel do mercado de publicidade, que também inclui perfis responsáveis pela disseminação de conteúdo falso, esteve em pauta, inclusive com apurações sobre eventual uso de dinheiro público para financiar esses perfis.
No ano passado, o governo federal realizou uma consulta sobre a publicidade online do poder público que culminou em uma instrução normativa que será publicada em breve, de acordo com João Brant. O secretário explica que a norma busca justamente indicar que o governo não deve anunciar em sites que promovam desinformação e conteúdos ilegais, usando inclusive mecanismos administrativos para avaliação de sites e publishers.
O secretário reforça, dentro desse cenário, que é também fundamental avançar na questão da sustentabilidade do jornalismo, o que envolve analisar os recursos das big techs para esse subsídio. Brant adianta que o governo está discutindo soluções para que o que consta sobre remuneração do jornalismo nos PLs 2630 e 2370 também possa fomentar pequenas e médias empresas de comunicação.