Publicado originalmente em Agência Lupa por Evelyn Fagundes. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes um vídeo em que Mariana Maffeis, filha da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga, alega que a proteína Spike contida em vacinas contra a Covid-19 ficaria alojada no coração, o que provocaria problemas cardíacos. Ela também diz que a doença não apresenta riscos para bebês e crianças e que os imunizantes com RNA mensageiro funcionam como terapia genética. As afirmações são falsas.
Por WhatsApp, leitores sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa?:
[Bebê e criança] estão fora de risco [com a Covid-19]
– Transcrição de trecho do vídeo que circula nas redes sociais
Falso
Bebês e crianças não estão livres de desenvolver as formas graves da Covid-19, o que é observado nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). Segundo dados do Ministério da Saúde, foram registradas 3.441 ocorrências e 84 mortes de SRAG por Covid-19 somente na população com menos de 1 ano de idade entre janeiro e agosto de 2023.
Embora as crianças se infectem com menor frequência que adultos, dados do Ministério da Saúde divulgados em janeiro de 2022 pelo Instituto Butantan mostram que, naquele período, a Covid-19 correspondia à segunda maior causa de morte em crianças de 5 a 11 anos de idade, precedida apenas dos acidentes de trânsito.
O Ministério da Saúde afirma que a desinformação enfraqueceu a cobertura vacinal das crianças. Entretanto, os imunizantes utilizados no país são eficazes, seguros e foram aprovados pelas principais agências reguladoras do mundo.
[As vacinas são] (…) uma coisa que já comprovadamente apresenta riscos, no caso, especificamente da terapia genética por RNA mensageiro
– Transcrição de trecho do vídeo que circula nas redes sociais
Falso
De acordo com o Ministério da Saúde, que monitora constantemente Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (Esavi), o benefício das vacinas contra a Covid-19 supera o risco da não vacinação. Além disso, ao contrário do que afirma Marina Maffeis, os imunizantes contra a doença não são uma “terapia genética”.
Em entrevista à Lupa, o infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, negou que as vacinas sejam produtos de terapia genética ou terapia gênica. Segundo ele, os imunizantes não são produtos terapêuticos, isto é, não são utilizados de forma constante como uma terapia, mas são usados para que o organismo responda, a partir da aplicação, produzindo anticorpos.
“Eu vejo que o conceito está equivocado. A definição de vacina é: qualquer produto biológico que é capaz de despertar uma resposta imunológica protetiva. Então, todas as vacinas Covid, seja de parte do vírus, de vetor viral ou de RNA mensageiro, cumprem a mesma definição: são produtos biológicos que ao serem administrados induzem a uma resposta imune, ou seja, à produção de anticorpos que são protetores contra a doença. Isso é o conceito de vacina”, explicou. “Terapia significa tratamento. A vacina não tem efeito terapêutico, portanto, não é uma terapia. A vacina é um é um instrumento de indução de resposta imune que não faz nenhum tratamento, não se trata de uma terapia.”
A associação entre imunizantes e terapia genética ou terapia gênica é um assunto que já foi desmentido pela Lupa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou, em nota publicada em janeiro de 2022, que as vacinas com código genético do novo coronavírus não funcionam como uma terapia genética porque não usam cópias de genes humanos para tratamento de doenças. “Os requisitos regulatórios definidos pela agência são diferentes para vacinas e para os produtos de terapia gênica”, informou o órgão.
Já tem muitos estudos sobre a proteína Spike, que é uma proteína que fica alojada no coração, principalmente, por isso que a gente tem assistido casos mundiais de problemas nesse sentido, cardíacos, trombóticos também
– Transcrição de trecho do vídeo que circula nas redes sociais
Falso
A proteína Spike contida em algumas das vacinas contra a Covid-19 não fica “alojada no coração”. Além disso, não existem evidências de que essa substância esteja relacionada a problemas cardíacos.
Os vírus possuem proteínas em sua estrutura e isso permite que o sistema imunológico os identifiquem. Segundo Renato Kfouri, da SBIm, algumas vacinas são elaboradas com um pequeno trecho dessas substâncias para simular uma infecção natural. Há imunizantes contra a Covid-19 que usam na sua composição uma parte da proteína Spike, presente na parte externa do novo coronavírus. Assim, o organismo reage quando recebe o composto, produzindo anticorpos contra aquele agente.
“Não há nenhuma demonstração de que a proteína Spike da vacina seja mais agressiva do que a proteína do próprio vírus natural. Pelo contrário. No imunizante, você não está dando o vírus inteiro. Está ofertando apenas uma partezinha que vai fazer com que a resposta imune aconteça”, afirmou o médico infectologista. “Nem a proteína Spike da infecção natural, nem a da vacina se alojam [no coração]. As proteínas não ficam no nosso corpo.”
O vice-presidente da SBIm reforçou que a quantidade de proteínas que compõem os imunizantes é infinitamente inferior se comparada à do vírus natural. “A Spike do vírus original apresenta uma frequência muito maior de replicação. [Na vacina], a gente tenta numa intensidade muito menor imitar o que o vírus naturalmente faz. Então, é de se esperar que tenha proteína Spike na vacina, porque senão não estimula a resposta imune”, explicou.
Segundo ele, as manifestações clínicas da Covid-19, como miocardite e trombose, não estão relacionadas à proteína Spike, mas são eventos raros e adversos da vacina ou efeitos da infecção natural. “A Covid longa, por exemplo, dá muita arritmia, dá muita trombose, dá muita alteração de diabetes”, disse. Isso, contudo, não está relacionado a uma suposta persistência da proteína Spike. “A proteína Spike não fica no corpo de ninguém por muito tempo, seja na infecção natural ou muito menos na vacinação”, disse o infectologista.
Kfouri afirmou ainda que não só as vacinas contra a Covid-19 são produzidas de modo a utilizar pequenos fragmentos do vírus natural. Outros imunizantes – como os compostos contra a hepatite B e a gripe – também são fabricados dessa forma. “Quando a gente coloca a vacina de hepatite B, a gente coloca ali um pedaço da superfície do vírus da hepatite B. Na vacina para o vírus da gripe, existe a proteína chamada hemaglutinina neuraminidase. Então, os anticorpos [produzidos pelo organismo] são para essas proteínas”, disse.
OUTRO LADO
A Lupa contatou Mariana Maffeis para que ela se posicionasse sobre o resultado da verificação das falas ditas por ela no vídeo. Por mensagens enviadas pelo Instagram, ela disse que não deposita confiança nos órgãos governamentais reguladores brasileiros, mas que pode ter se enganado ao afirmar que não há risco do desenvolvimento da Covid-19 em bebês.
“Assumo que me equivoquei em afirmar que todas as inoculações trabalham por terapia genética. São apenas duas das quatro disponíveis no Brasil. Mas mesmo assim acredito que o tempo de produção desses inoculantes foi muito menor do que devia, então seus riscos maiores do que o dito ‘normal’. Quanto aos efeitos colaterais, já foram assumidos pelos mesmos fabricantes dos inoculantes, portanto não há discussão sobre isso. Miocardite e outros males como trombose estão na bula do medicamento por RNA mensageiro da Pfizer como possíveis reações”, escreveu. “Sigo acreditando que os riscos da inoculação para a faixa etária em questão superam os benefícios, como afirmado por inúmeros médicos aqui no país e mais ainda fora dele”.
Conforme já foi abordado nesta verificação, as vacinas contra a Covid-19 não são terapia genética. Além disso, Viviane Maimoni Gonçalves, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, explica que o desenvolvimento dos imunizantes contra o novo coronavírus faz parte de um trabalho que começou há pelo menos 20 anos. Quando o SARS-CoV-2 surgiu, a tecnologia para enfrentar a família de coronavírus já existia. O que os cientistas precisaram fazer foi adaptar a vacina para o novo vírus.
Mesmo com os efeitos adversos leves comuns e graves, que são raros, o Ministério da Saúde afirma que o benefício das vacinas contra a Covid-19 supera o risco da não vacinação. No caso da miocardite, por exemplo, segundo a Anvisa, a taxa de miocardite associada à própria doença da Covid-19 é de 30 casos por milhão para a população em geral.
Nota: Este conteúdo foi produzido pela Lupa com apoio do Instituto Todos pela Saúde (ITpS)