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Piauí já emitiu licença ambiental para instalação de Hidrogênio Verde. Na foto acima, o governador do Piauí, o secretário de Meio Ambiente e o empresário.
Por Tânia Martins, jornalista ambiental, membra do Ocorre Diário.
De repente o elemento químico hidrogênio, acrescentado da palavra “verde”, passou a fazer parte do vocabulário piauiense e transitou rapidamente como algo que, além de contemporâneo, revolucionário, tem potencial para “salvar” o Planeta do aquecimento global.
Quanto orgulho para o Estado, repercute a mídia na bem-sucedida campanha de marketing que deixou a população familiarizada com as vantagens do hidrogênio verde, como fonte de energia renovável. A promessa é de investimento de 200 bilhões no negócio e a geração de 20 mil empregos, a partir da instalação de uma usina de produção no município de Parnaíba, a 340 km de Teresina.
Mas, foi a fala do diretor executivo da empresa Green Energy Park, Bart Biebuyck, que acendeu o alerta de observadores sociais sobre os reais objetivos da exploração do hidrogênio verde. Em entrevista à emissora local ele disse que, “de todos os lugares da Terra, é no Piauí onde se encontra em maior disponibilidade, ar, sol e água de que precisamos”.
Após a fala, rapidamente representantes de movimentos sociais e sindicais se mobilizaram e criado um Grupo de Trabalho (GT) para, de imediato, contestar a ideia de “apropriação” do ar, do sol e da água como se apresenta o projeto e refutar também a forma como vem acontecendo a transição energética no pequeno litoral piauiense, onde sérias violações aos direitos humanos são visíveis.
O grupo é formado por pesquisadores, sindicalistas, ambientalistas, pescadores e atingidos pelas energias renováveis no litoral.
Embora às pompas e propagandas sobre as vantagens do hidrogênio verde as informações sobre como será explorado ainda são incipientes, ainda que o governo tenha anunciado que será em Parnaíba “a maior usina de hidrogênio verde do mundo”.
“O pouco que soubemos deu para ver que se trata de um projeto colossal”, comentou João Paulo Centelhas, integrante do GT, professor, doutor em Geografia Humana. Ele descobriu que o Estado do Piauí outorgou, junto a ANEEL, a geração de um total de 29 GW de energia. Atualmente o Estado gera apenas 5,5 GW.
“O pouco que soubemos deu para ver que se trata de um projeto colossal”
“O fato revela que está sendo planejado a ampliação dos empreendimentos de energia solar e eólica no Piauí em favor da produção do hidrogênio verde, ampliando os territórios apropriados pelos capitais privados à serviço da exportação de H2V e ampliando a pressão sobre os territórios de comunidades e pequenos agricultores”, analisa João Paulo Centelhas.
A constatação, segundo ele, “é algo brutal” e explica que essa energia será usada para os eletrolise quebrar as moléculas, como também para a produção de amônia e fusão em hidrogênio, formando NH3, que é a forma mais estável para o transporte do hidrogênio para Europa, sobretudo para a Croácia, principal destino pensado pela transação negociada com a empresa Green Energy, que já tem uma usina de transformação da amônia em hidrogênio.
“Mais um gasto de energia será necessário para que o combustível seja disponibilizado aos europeus”, diz e lembra também do sequestro da água, oriunda dos rios, Igaraçu ou Parnaíba, necessária para geração do hidrogênio na Europa.
Uso da água é uma preocupação
O uso da água é uma das maiores preocupações do GT. “Até agora não está claro onde será captada a água necessária para o processo de eletrólise”, disse o também professor Valdinar Bezerra, doutor em solo, estudioso das fontes de energias renováveis e integrante do GT. Ele lembra que, para que a eletrólise seja feita, a água precisa ser limpa e pura e esclarece que seu uso excessivo pode ser crítico para o sucesso da operação.
Ainda de acordo com o professor Valdinar, o que não dá para entender é como, de uma hora para outra, “o município de Parnaíba, que não consegue atender a população local com fornecimento de água regular, vai produzir um combustível com uso exorbitante de água do Rio Igaraçu e Parnaíba para resolver um problema lá na Europa e com sérios riscos de destruir ecossistemas frágeis e a população das comunidades pesqueiras”.
Água “não é problema”
Outra manifestação que chamou atenção do grupo foi à fala do diretor da Usina Eólica Pedra do Sal, Márcio Leal, sobre a água disponível no Piauí. “Estado (Piauí) é detentor do terceiro maior lençol freático do Brasil, são aspectos naturais favoráveis que precisam ser explorados”, disse.
A fala levou o GT requerer a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), baseado na lei de acesso à informação, os estudos que embasaram a emissão de Licencia Prévia (LP) ao Grupo Solatio Energia para produção de hidrogênio verde. O grupo espera a liberação das informações há 20 dias.
A licença vai possibilitar a Solatio erguer uma estrutura que deverá produzir 4.000 mil toneladas de hidrogênio verde ao dia. A licença permite a construção de linha de transmissão e de subestação elevadora. O investimento será de R$ 100 bilhões.
O professor Josenildo de Souza e Silva, da Universidade Federal do Delta do Parnaíba-UFDPar, integrante de um Núcleo de Estudos de Energias Renováveis, formado por pesquisadores de instituições de ensino do Estado, defende o projeto, considera que o Piauí está na vanguarda e que pode contribuir, se destacar geopoliticamente, se conseguir exportar amônia o suficiente para equilibrar o preço e não deixar faltar fertilizantes na Europa, como vem acontecendo devido à guerra entre Ucrânia e Rússia. Ele acredita que a causa maior da guerra é por fertilizantes. Josenildo, que é Doutor em Agroecologia é favor de produção de hidrogênio verde fazendo o reuso da água, promovendo a filtração para gerar biomassa.
Josenildo argumenta : “Defendo o H2V enquanto contribuição ao processo de descarbonizacão, mitigação das mudanças climáticas, substituição dos combustíveis fósseis e contribuição com aporte de fertilizantes sem agrotóxicos para a produção de alimentos saudáveis para a humanidade. Também o reuso de água e outra rota tecnológica com cultivo de produção primária de biomassa, com foco para uso na agricultura familiar”.
Guardiões do território sofrem com impactos
Para as comunidades impactadas pelas energias Eólicas e Solares naquele território, a chegada do hidrogênio verde ecoa como algo que vai além do entendimento cultural dos moradores, distante de sua realidade de vida pacata no interior, onde vivem preservando suas ancestralidades.
A representante das pescadoras e pescadores no GT de Energias Renováveis, Raquel Silva, falou que as torres e as placas solares tiraram o direito de ir e vir das pessoas que moram no entorno do empreendimento. Segundo ela, os nativos perderam o acesso para coleta de frutas e também o de usufruir das lagoas e outros lugares que antes eram públicos. “Esses espaços sempre foram usados, principalmente por mulheres das comunidades, coletado rãs de frutas e sementes e guardiãs da biodiversidade local”.
Raquel externou preocupação também com expectativa de instalação de torres de eólicas no mar, as chamadas Off Shore, prevista para acontecer tão logo saia à autorização definitiva do Ministério do Meio Ambiente. Caso aconteça, o local onde os aerogeradores serão instalados é área de trabalho dos pescadores que ficarão impedidos de se aproximarem. Preocupam-se também com as aves que transitam no espaço.
Em busca de ajuda, os profissionais da pesca se somaram aos demais no Nordeste que passam pelos mesmos problemas. Para isso, criaram o Tribunal Popular do Mar. De acordo com Raquel, as demandas do Piauí estão incluídas e todas as violações aos direitos humanos serão julgadas pelo Tribunal e denunciadas internacionalmente.
Carolina Ribeiro é Doutora em Economia e professora da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). Ela, que também faz parte do GT, estuda a relação das empresas que exploram as energias renováveis com as comunidades e assegura que não são justas.
“A geração de eólicas provoca impactos socioambientais e econômicos desde a implantação até a operação”, assegura e exemplifica os ruídos, desmatamentos, alteração no modo de vida da população local, como exemplos de impactos, escondidos por trás do discurso de transição energética limpa.
Conflitos entre camponeses vizinhos foi outra situação estabelecida pelas eólicas. Segundo a professora, é comum acontecer do proprietário da terra não aceitar arrendar seu chão para fincar torres; já outros, acreditando que vão sair da condições de pobreza, assinam o contrato com valores bem menores do que deveriam receber e muitos, apesar do empreendimento ser implantado na comunidade, nada recebem.
“Impactos socioambientais e econômicos desde a implantação até a operação”
Carolina comenta que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), não estabelece regra acerca da remuneração dos contratos de arrendamento, ficando a cargo de cada empresa negociar os valores que jamais foram justos.
Já o coordenador do GT, que representa a Articulação em Rede de Agroecologia no Piauí (ArRepia), Adalberto Pereira, está articulando a participação do grupo no coletivo Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (MAR), para, juntos com outros movimentos, agregar resistências para defender as comunidades impactadas pelas energias eólicas e solares no Nordeste.
“Vamos exigir que a “transição seja justa, popular e participativa”, disse, informando ainda que outro Grupo de Trabalho (GT) foi criado em Parnaíba com o encaminhamento de realizar um Seminário para discutir o assunto em Teresina e em Parnaíba. Anunciou ainda que o GT vai percorrer o estado reunindo a população para esclarecer sobre os impactos causados na transição energética.
Combustíveis Fósseis e o xisto na Bacia do Parnaíba
Apesar do discurso do Governo em enaltecer o protagonismo do Piauí na contribuição para transição de energia limpa e, consequentemente, no combate ao aquecimento global, na realidade, é visível que os lucros são o que interessam. Foi o que constatou Juliano Bueno, Coordenador do Instituto Arayara, entidade focada no combate aos combustíveis fósseis, principalmente no gás produzido a partir do fraturamento hidráulico, conhecido por Fracking, altamente perigoso e contaminante de água, seja ela superficial ou lenções freáticos.
Segundo o ambientalista, que é engenheiro e doutor em Emergência Ambiental, está previsto para o mês de abril próximo um leilão na Agência Nacional de Petróleo (ANP), onde Blocos de Xisto da Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba serão disponibilizados para exploração do gás metano. “Caso seja permitido à abertura de poços de gás de xisto no Piauí, em oito anos acaba o gás e também o Piauí, pois 100% da terra ficam imprestáveis”, garante.