Publicado originalmente em Coletivo Intervozes. Para acessar, clique aqui.
O ano começou com a esperança subindo a rampa. A retomada de rumos democráticos incorporada com a derrota de Jair Bolsonaro e a vitória de Lula nas difíceis eleições presidenciais foi um marco. Poucos dias depois, porém, os ataques golpistas de 8 de janeiro pintaram Brasília de cenas de horror, ameaçando os ares de alegria e esperança que se anunciaram. Com o anúncio dos ministérios, veio a indignação com a entrega da pasta de comunicação para um aliado do ex-presidente genocida. Mais uma vez, a comunicação virou moeda de troca, mesmo em uma conjuntura em que as agendas de acesso à internet, proteção de dados pessoais, inteligência artificial e regulação de plataformas estão no topo da pauta.
Brasil afora vimos a profusão de câmeras de reconhecimento facial e outras tecnologias de inteligência artificial como solução “mágica” para a segurança pública. Apesar da mudança no Governo Federal, a violência policial seguiu vitimando jovens negros numa escalada sangrenta, com a Bahia e o Rio de Janeiro ocupando o ranking nacional em letalidade. Enquanto o discurso de ódio, a incitação a crimes e a desinformação faziam novamente o lucro das plataformas atingirem picos e recordes, lutamos por transparência e responsabilidade. Uma batalha de Davi contra Golias.
As plataformas digitais mostraram sua força de lobby junto às instituições e utilizaram suas próprias ferramentas de datificação e curadoria de conteúdos pra contrapor-se e esquivar-se de qualquer regulação. Denunciamos, pressionamos, formulamos, projetamos em prédios e ocupamos o espaço público com mensagens, dialogamos com parlamentares, operadores do Direito, autoridades públicas e com a sociedade em geral de maneira incansável sobre a importância de se colocar limites ao poder ilimitado das big techs.
Em meio a esta conjuntura, afirmamos que é preciso defender a alegria e organizar a raiva. Junto a ativistas, pesquisadores/as, defensores/as de direitos humanos, trabalhadoras rurais, educadores/as, quilombolas, indígenas, ancestrais, fizemos uma ode à alegria de uma caminhada coletiva. Em setembro, celebramos 20 anos no Teatro Oficina, casa-terreiro de Zé Celso Martinez que, pouco tempo antes, fez seu último ato neste plano. O terreiro Uzyna Uzona recebeu Jerá Guarani, Ilú Obá Min e Nêgo Bispo para uma gira de festa e diálogo com amigos e parceiros do Intervozes. Durante a celebração, saudamos a memória de mãe Bernadete, liderança quilombola assassinada pouco tempo antes. Mais uma defensora de direitos humanos e ambientais que tombou no país.
Ainda em setembro, abrimos as portas de nossa sede para um diálogo com Nêgo Bispo que, poucos meses depois, viraria ancestral. E assim foi todo o ano, um movimento pendular entre celebrar e resistir. Entre criar e se resignar. Entre avançar e recolher, como fazem as marés.
E como navegamos em 2023! Foram sete estados do nordeste do Brasil percorridos durante a caravana de direito à comunicação. E mais quatro estados da Amazônia Legal durante a caravana de combate à desinformação ambiental e climática. Botamos o pé na estrada mundo afora também! Estivemos em Cali, San José da Costa Rica, Santiago, Cidade do México, Bogotá, São Francisco, Montevidéu e Paris. Recebemos pessoas de sete países latino-americanos para conversas sobre regulação de plataformas, regulação e combate aos monopólios digitais, autonomia e soberania tecnológicas, educação midiática. Intercambiamos saberes junto a trabalhadoras rurais de Sergipe, quilombolas do Piauí e do Maranhão, a Rede Wayuri, do Amazonas, e o povo Guarani Mbyá, no extremo sul de São Paulo.
Lançamos livros, pesquisas, cartilhas. Produzimos muitos e muitos encontros e pontes entre agendas e pessoas. Atravessamos as ondas de calor e a crise climática atentos aos impactos e denúncias de quem reivindica a vida nos territórios que mais sofrem com estes efeitos: a população negra e indígena. Denunciamos a relação entre o agronegócio e a mídia. Entre as big techs e os políticos que produzem cortina de fumaça e desinformação climática enquanto passam a boiada. Entre a mineração, as políticas de acesso à internet e o investimento nas tecnologias digitais privadas de Elon Musk.
Investigamos as vozes silenciadas nos discursos midiáticos sobre as cotas raciais nas universidades, sobre o movimento dos trabalhadores rurais sem terra e sobre a transição energética. Perguntamos: as energias solares e eólicas são limpas pra quem? Amplificamos os anúncios de pescadoras, marisqueiras, trabalhadoras rurais, quilombolas, indígenas, jornalistas e comunicadores populares. Recebemos moção de reconhecimento na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por nosso trabalho na defesa do aborto legal e seguro. Conhecemos o Zé Gotinha durante atividade de combate à desinformação no âmbito da saúde. Experimentamos gambiarras, arranjos, resistências à plataformização da vida. Lançamos, pela primeira vez, um livro em formato de audiobook, acessível a pessoas cegas e com baixa visão.
Em 2023, abrimos as portas da nossa casa-sede que foi lavada com ervas trazidas da Bahia, ensinamento ancestral. Amarramos os desejos e intenções para novo ciclo em fitinhas do Senhor do Bonfim logo na entrada da sede. Lá, já aprendemos alguns passos do boi garantido e a dançar como quem faz farinhada com mulheres do semiárido nordestino. Nos inspiramos com a ousadia incansável de quem ocupa os ares em ondas sonoras ingovernáveis e que, ousa dizer, quem manda na internet e nas tecnologias somos nós e não o contrário.
É com esta energia que celebramos o ano que finda e saudamos o que está por vir. Seguiremos nessa dança de lutar-celebrar-resistir. Como ensinou Nêgo Bispo: confluímos num tempo dentro do outro. Começo, meio, começo.
Que venha 2024!
Linha do tempo
JANEIRO
Intervozes promove atividades sobre direito à comunicação no Fórum Social Mundial 2023
Análise | Mídia sobe o tom contra atos golpistas, após anos de tolerância
FEVEREIRO
Intervozes participa do Internet for Trust, evento global da Unesco sobre regulação de plataformas
MARÇO
Intervozes lança o livro “Quem controla a mídia?”, em São Paulo
Intervozes é eleito para nova coordenação do FNDC no biênio 2023/2025
Análise | Por que somos a favor da constitucionalidade do artigo 19?
Análise | Por outro Ministério (e ministro) das Comunicações
ABRIL
Especial “Comunicação pós-Bolsonaro”, em parceria com Le Monde Diplomatique Brasil
Intervozes promove caravana do direito à comunicação em cinco estados do Nordeste
MAIO
Intervozes lança nova edição da série Vozes Silenciadas sobre direitos sexuais e reprodutivos
Intervozes participa da CryptoRave 2023, em São Paulo
Intervozes é uma das entidades organizados da Conferência Nacional Livre de Saúde Digital
Instituto Vero e Intervozes realizam o seminário “Mentira que Desmata”, em Brasília
JUNHO
Intervozes participa de encontro Imaginando infraestruturas de cuidados e para o meio ambiente, organizado pela APC e Sulá Batsú, na Costa Rica
Intervozes participa de Encontro Nacional das Mulheres Quilombolas, promovido pela CONAQ
Série “Vozes Silenciadas: quem quer calar a luta dos sem-terra?”
Iara Moura, do Intervozes, assume relatoria da Plataforma Dhesca Brasil
JULHO
Intervozes participa de lançamento da Frente Parlamentar das Rádios Comunitárias
Intervozes realiza sua 21ª Assembleia Geral ordinária e inaugura sede em São Paulo
AGOSTO
Observatório dos Futebóis | Ineditismos marcaram a Copa do Mundo Feminina dentro e fora do campo
SETEMBRO
Intervozes celebra 20 anos de história com festa, curso e giras de diálogo
Análise | Maior ação política de mulheres da América Latina foi ignorada pela mídia tradicional
OUTUBRO
Intervozes participa do II ComPública e discute perspectivas para a comunicação pública no Brasil
NOVEMBRO
Participamos da inauguração da Escola Nacional de Comunicação Popular do MST
Análise | Por que dados desagregados sobre desigualdades são importantes
Em parceria com a UFRN, Intervozes promove II Seminário de Comunicação e Direitos Humanos
DEZEMBRO
Em seminário internacional, entidades e movimentos sociais apresentam caminhos para lidar com os desafios digitais
CDR, Intervozes, Creative Commons e Lavits lançam o laboratório Bifurcar: tecnologias de retomada
Análise | Artigo “Tecnologias a partir do chão que pisamos: fuxicos entre os feminismos digitais e os feminismos populares latino-americanos”, no especial GenderIT (no prelo)
Intervozes é parceiro na construção da Assembleia do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Sergipe