O caso Braskem: a importância do jornalismo denunciar as grandes empresas

Publicado originalmente em Brasil de Fato por Sílvia Meirelles Leite. Para acessar, clique aqui.

A hesitação do jornalismo em falar sobre o crime da Braskem sucumbiu ao visível e crescente afundamento do solo

A primeira vez que eu soube que bairros de Maceió estavam afundando foi em 2020. Na época, li uma reportagem de Marina Rossi no El País Brasil , publicada em janeiro de 2020, que denunciava: os efeitos da exploração de sal-gema pela Braskem, o acordo bilionário de indenização sem a devida responsabilização e como isso estava afetando a vida dos moradores dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Nesse mesmo ano, fomos inundados por notícias sobre a pandemia de covid-19 e a história do impacto da mineração da Braskem em Maceió foi esquecida.

A Braskem, que no período da Operação Lava Jato ficou conhecida na imprensa como o braço petroquímico da construtora Odebrecht e por ter a Petrobras como acionista, foi identificada pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) como responsável por tremores ocorridos em Maceió em março de 2018. O documento do CPRM, que responsabiliza a exploração de sal-gema da Braskem por rachaduras nos imóveis e por risco de desabamento, só veio a público em 2019, quando a extração no local já estava suspensa. Com essa informação, podemos vislumbrar o impacto dos processos e indenizações no orçamento da empresa. Assim, os bairros afundando em Maceió, que deveriam ser noticiados pelo jornalismo brasileiro, foram ofuscados por outras notícias sobre a petroquímica. 

No final de 2019, o ex-presidente da Braskem foi preso no Estados Unidos (EUA) por suspeita de corrupção. Nesse cenário, a imagem da empresa precisava ser resgatada, e as ações valorizadas no mercado financeiro, o que seria feito antes da ampla divulgação do afundamento de Maceió.

A partir de 2020, no lugar do crime socioambiental, foram recorrentes as notícias sobre a saúde financeira da empresa e as possíveis ofertas de compra. Em julho de 2020, o Valor Econômico publicou que a empresa tinha provisão para cobrir as despesas com, segundo as palavras do jornal, “o problema em Maceió”.

Em outubro de 2022, o Estadão destacou a alta das ações com base na informação de que a gestora Apollo teria feito uma proposta para comprar 100% da Braskem. Em julho de 2023, ainda é possível encontrar notícias que destacam o aspecto econômico da Braskem, como a informação divulgada pela Reuters e publicada pelo UOL de que a J&F teria oferecido 10 bilhões de reais à Novonor (nome atual da  Odebrecht) para ter participação na petroquímica. A notícia também destaca que as ações da Braskem subiram após a divulgação dessa informação e a Ibovespa fechou com variação positiva. O jornalismo econômico, que deveria informar sobre o desgaste e as possíveis dívidas da petroquímica, trabalhou para a empresa. 

Com algumas exceções, como a reportagem da Agência Pública, veiculada em dezembro de 2022, e a notícia do G1, publicada em setembro de 2021, o afundamento de bairros de Maceió só ganhou destaque na imprensa nacional no final de 2023. Enquanto eram noticiados os supostos compradores da Braskem, aumentava o número de bairros afundando. Se, em 2020, o El País Brasil informava três bairros, em 2022 a Agência Pública já falava em cinco bairros afetados.

No ano de 2022, enquanto a Pública abordava o impacto desse crime socioambiental na educação, a Reuters, que é uma agência de notícias internacional referência para o jornalismo mundial, publicou dezessete notícias em inglês sobre a vida financeira e administrativa da Braskem. Dessas dezessete, apenas uma fala sobre as rachaduras nos imóveis em Maceió  e sobre um processo dos moradores contra a empresa no tribunal holandês. Algumas notícias sobre o financeiro da empresa foram republicadas por jornais brasileiros em português, o que não aconteceu com o texto sobre as rachaduras. 

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A hesitação do jornalismo em falar sobre o crime da Braskem em Maceió sucumbiu ao visível e crescente afundamento do solo. Atualmente, junto com notícias sobre o monitoramento de novos tremores e o ritmo desse afundamento, podem ser observadas análises de jornalistas refletindo acerca da demora para fazer uma verdadeira cobertura sobre o crime socioambiental. Enquanto o Canal Meio destacou que a imprensa precisa ir além dessa cobertura Rio/São Paulo/Brasília e olhar para outras localidades brasileiras, a Agência Pública destacou que o caso Braskem escancara o lobby das grandes empresas no jornalismo. Vale destacar que a Agência Pública, que já trabalhou na denúncia de outras grandes corporações, mantém uma editoria intitulada Empresas com essa enfoque.

Sem tirar o mérito da crítica de que o jornalismo olha com mais atenção para os grandes centros econômicos, o que é verdade, salvo no caso de grandes tragédias, também precisamos repensar a cobertura jornalística das grandes empresas. Cobertura que, geralmente, é orientada por materiais produzidos pela assessoria de imprensa e divulgados em recepções bem planejadas. Empresas que, geralmente, financiam a produção jornalística com publicidade e matérias pagas.

O jornalismo, que é ávido em fiscalizar e denunciar o poder público, peca no trabalho de fiscalizar e denunciar as grandes corporações, mesmo quando é nítida a relação da corrupção dessas empresas com o poder público, como aconteceu no caso Braskem. O impacto das ações de grandes corporações na vida das pessoas é de interesse público, interfere em direitos da população como moradia, saúde, segurança e educação. Assim, ao repensar a cobertura de grandes empresas, poderemos ressignificar a importância dessas pautas para a credibilidade do jornalismo e para o fortalecimento da democracia.

* Sílvia Meirelles Leite é professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pesquisadora do objETHOS

** O Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) é um projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Departamento de Jornalismo e ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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