“Tiktokização” das profissões afeta cada vez mais as gerações atuais, mas fenômeno ainda carece de estudos que abordem seus impactos

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Carolina Paz Comerlatto. Para acessar, clique aqui.

Redes sociais | Dissertação do PPG Comunicação analisa a influência da autopromoção digital na visão de carreira dos millennials e da geração Z

*Foto: Pch.vector/Freepik

Em 2020, o aplicativo mais baixado do mundo foi o TikTok, uma rede social destinada ao compartilhamento de vídeos de curta duração. Com formato de rolagem infinita e consumo personalizado focado em algoritmos, a plataforma possibilita ao usuário uma imersão sem pausas, além de estimular a criação facilitada de conteúdo.

Com a popularização do TikTok, não só os padrões de entretenimento online passaram por diversas transformações como também outras plataformas já consolidadas, como o Instagram, sofreram mudanças para se adaptar a esse novo cenário. E, apesar de estarem classificadas como entretenimento, as mídias sociais têm cada vez mais se tornado ambientes de trabalho. Mesmo que atuem em áreas não relacionadas ao mundo digital, profissionais de diferentes campos utilizam as redes para divulgar seus serviços. A partir disso, a inserção das gerações atuais no mercado passou a ser acompanhada de uma pressão para estarem, também, inseridas em um contexto de trabalho digital.

É nesse cenário que Rafaela Moraes Cardoso desenvolveu sua dissertação de mestrado em Comunicação na UFRGS. Sob orientação de Alessandra Primo, Rafaela avaliou como a “tiktokização” – como o fenômeno vem sendo chamado – impacta as gerações millennial (nascidos entre 1980 e 1995) e Z (nascidos entre 1995 e 2010). A pesquisadora constatou que as pessoas se sentem majoritariamente frustradas com essa nova realidade e que a pressão por produzir conteúdo para redes sociais pode se sobrepor ao desenvolvimento de outras habilidades necessárias à profissão escolhida.

Uma nova dinâmica

Como o objeto de pesquisa de Rafaela tratava de uma temática recente, os materiais para pesquisa bibliográfica eram escassos. Diante disso, a solução encontrada pela pesquisadora para tornar o trabalho viável metodologicamente foi a análise de conteúdo. Foram selecionadas duas publicações no Instagram que incitavam a reflexões sobre a problemática e pediam aos leitores que contribuíssem com as suas opiniões. Foi a partir desses comentários que a pesquisadora elencou as formas com que o público enxergava esse fenômeno. O termo “tiktokização” surgiu, inclusive, de uma dessas postagens. Para além da prática de vídeos curtos, a expressão foi adotada para descrever a exposição nas mídias como forma de promoção profissional no mercado de trabalho.

Os 1.578 comentários que somavam as duas publicações foram inseridos em um software, que os transformou de forma automática em planilhas de Excel. Com base nisso, pôde-se partir para uma categorização dos padrões encontrados nas opiniões do público. As divisões, que foram surgindo a partir da leitura crítica dos resultados, foram elencadas em quatro núcleos: (I) pessoas que se sentem frustradas e desmotivadas em relação ao fenômeno; (II) pessoas que enxergam o fenômeno com uma perspectiva negativa; (III) pessoas que acreditam que a tiktokização das profissões é um fenômeno natural da sociedade; e (IV) pessoas que acreditam que se deveria reclamar menos sobre a tiktokização das profissões.

Segundo a autora, a maior parte do público analisado enxerga essa realidade a partir de uma perspectiva negativa: “Mesmo que o ambiente digital esteja em constante evolução, nem todos têm familiaridade ou experiência prévia com as diferentes plataformas e estratégias de promoção profissional na internet”. Conforme a pesquisa, o entrelaçamento entre a tiktokização das profissões, os millennials e a geração Z se dá justamente por serem gerações que, independentemente de desejarem ou não utilizar as redes sociais para autopromoção profissional, estão inseridas em um cenário em que essas redes ganham cada vez mais relevância no mercado e se não já as afetam, afetarão.

Outro aspecto sensível apontado na dissertação são os limites da ética profissional na produção de conteúdo. O caráter de entretenimento dos vídeos curtos é um aspecto que esbarra na seriedade exigida por certos assuntos. Na área da saúde, por exemplo, a utilização de algumas estratégias recorrentes, como as ciberdanças e o humor, pode ser delicada. Conforme explicita Rafaela, essas práticas podem acabar contribuindo para a construção de uma visão rasa e distorcida sobre determinados temas. Até o momento, a maior parte das entidades de classe não possuem diretrizes específicas sobre o comportamento dos profissionais nas redes sociais.

A influência desse fenômeno teve crescimento exponencial na pandemia, quando a necessidade de distanciamento social demandou de profissionais de diferentes as áreas a capacidade de adequação a um novo contexto. A utilização das redes sociais por profissionais cuja atividade não depende, por princípio, da internet é uma realidade que veio para ficar. “Todas as gerações são afetadas pela tecnologia, mas principalmente as atuais experienciam muito a vida através das telas”, aponta a autora. O perigo desse fenômeno, entretanto, é a falta de senso crítico popular para questionar e lidar com as informações postas na internet. Nesse contexto, ainda é pouco tangível para os millennials e a geração Z, que vivem mais profundamente essas transformações, uma capacidade de adaptarem-se às novas dinâmicas de trabalho que estão surgindo.

Novos estudos à vista

Para projetos futuros, Rafaela almeja seguir pesquisando os impactos das mídias digitais nos contextos geracionais. Em um possível doutorado, a pesquisadora planeja focar na geração Alpha (nascidos a partir de 2010) e nos métodos de aprendizagem mais adequados a um público cada vez mais vinculado aos meios eletrônicos. Sobre a sua dissertação, espera que possa servir como registro histórico e que novas pesquisas mais aprofundadas possam ser desenvolvidas, além de determinações de marcos regulatórios que estabeleçam os limites éticos da criação de conteúdo digital das mais diversas profissões.

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