Ofensas a crianças nas redes reabre debate sobre exposição infantil

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

* Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

Não é segredo que o suposto anonimato garantido por avatares e nomes falsos permite que algumas pessoas se sintam à vontade para ofender conhecidos e desconhecidos nas redes sociais. Ataques gratuitos ao corpo de celebridades também não são novidade. O que causou surpresa nas últimas semanas foi alguns famosos denunciarem que seus filhos e filhas, que ainda são bebês, têm recebido centenas de insultos do tipo.

No fim de outubro, a socialite estadunidense Paris Hilton publicou a primeira foto de Phoenix, de 9 meses, no Instagram e recebeu uma enxurrada de comentários terríveis falando sobre o tamanho da cabeça da criança, muitos dos quais tiravam sarro do menino e apontavam uma suposta negligência médica por parte dela. Por aqui, os influenciadores e ex-BBBs Viih Tube e Eliezer vêm falando há meses sobre a gordofobia que Lua, filha de 7 meses do casal, sofre nas mídias sociais, com mensagens extremamente maldosas.

Situações como essas revelam o potencial tóxico das plataformas digitais, uma vez que crianças muito pequenas, que simplesmente não podem se defender, sofrem agressões sistemáticas de anônimos. O debate sobre esse tema precisa acontecer em duas frentes: tratar das punições aos responsáveis pelas mensagens, que podem ser enquadradas como calúnia, injúria e difamação, e observar o que os responsáveis devem fazer em termos de segurança e proteção dos menores. 

Não se trata de culpabilizar as famílias, mas de refletir sobre a infinidade de situações positivas e negativas a que estamos sujeitando crianças e adolescentes quando disponibilizamos voluntariamente a imagem deles em quaisquer mídias. Um exemplo é o caso da garotinha Alice, que participou de uma grande campanha publicitária de um banco no final de 2021 e se tornou meme nas timelines brasileiras. À época, sua mãe Morgana Secco deu entrevistas criticando o uso do rosto da filha em virais políticos e ofensivos. 

Além dos ataques e do uso indevido das fotos, é preciso reforçar que a gravidade dos delitos pode escalar de forma assombrosa. Um exemplo é a utilização de imagens publicadas de forma aberta em redes sociais para a produção de material pornográfico, criado por pedófilos por meio de inteligência artificial e distribuído de forma indiscriminada. 

Não há justificativa para as agressões cometidas por quem se acha no direito de postar qualquer comentário maldoso apenas porque a criança está em uma imagem ou vídeo compartilhado com o público. Mas também é preciso considerar que a decisão de expor crianças no ambiente digital não deve ser algo corriqueiro. Os riscos também não são baixos para adultos, claro, mas ampará-las e assisti-las enquanto se desenvolvem e ainda não podem decidir sobre o direito à sua própria imagem é um dever dos responsáveis e da sociedade como um todo. 

Portanto, a prática do sharenting — termo usado para definir o compartilhamento de imagens dos filhos e filhas na internet — precisa ser vista com extrema cautela. Não à toa esse tema tem alarmado governos: na França, um projeto de lei quer proibir as famílias de publicar esse tipo de foto e vídeo sem o consentimento dos menores de idade. Há artistas que também demonstram preocupação em relação a isso. A cantora Sandy é um bom exemplo: desde que seu filho Theo, hoje com 9 anos, nasceu, são raríssimas as publicações nas mídias sociais da artista em que ele aparece. E, quando isso acontece, as imagens sempre retratam o menino de costas. 

A consciência de que não temos controle do que pode acontecer assim que apertamos o botão “publicar” precisa ser permanente, e a decisão de postar essas imagens deve ser tomada de forma crítica e ciente dos possíveis perigos. É preciso que as famílias se informem cada vez mais sobre as medidas jurídicas em casos de violência online contra crianças, cobrando das plataformas e das autoridades providências para que isso não aconteça. Por outro lado, é urgente que as pessoas entendam que podem ser punidas por difundir discursos preconceituosos e odiosos nas redes. No mundo conectado, a responsabilização e a responsabilidade dos adultos são fundamentais para que as crianças tenham uma infância saudável.

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