O pacto jornalístico na escolha de especialistas brancos como fontes

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

Por Monique dos Anjos

Na semana da Consciência Negra, escrevo sobre um tema bastante alarmante: o fato de raça ou diversidade ainda não ser critério relevante de escolha do jornalismo na hora de escolher suas fontes. Explico.

Prestígio, indicação e contato próximos são os três principais critérios usados por jornalistas para a escolha de especialistas que servirão de fonte de informação em suas reportagens, segundo pesquisa recente da Bori com 166 jornalistas cadastrados na plataforma.

A amostra pode ser considerada um microcosmo próximo a realidade dos meios de comunicação brasileiros, já que o número de participantes autodeclarados pretos e pardos (6,6% e 19,3% respectivamente) é similar ao total de negros nas redações, segundo Perfil Racial da Imprensa Brasileira e IBGE de 2019 (6,9% e 13,2%). O número de autodeclarados brancos (69,9%) não difere drasticamente da representação do mesmo grupo nas salas de notícia (77,6%).

O fato do especialista ser renomado no meio acadêmico teve 21,8% das respostas ao questionamento sobre critérios de escolha de entrevistados. Referências sugeridas por amigos e colegas de profissão ocupam o segundo lugar, com 16,7% das respostas, seguido da opção “especialistas que já conhece ou tem contato”, com 15,8%. A importância do quesito cor teve 3,2% de escolha e só perdeu em rejeição para as alternativas “Diversificar fontes”, com 2,5%, e “Destaque na Imprensa”, com 1,3%.

O prestígio ser o principal requisito na escolha de fontes se torna um problema quando olhamos para o número desigual de pessoas brancas e não brancas no meio acadêmico. De acordo com a Liga de Ciência Preta Brasileira, em 2020, 2,7% dos alunos de pós-graduação eram pretos, 12,7% eram pardos, 2% amarelos, menos de 0,5% eram indígenas e 82,7%, brancos. Isso sem contar que a maioria dos cientistas que estão no topo de suas carreiras são brancos. Apenas 11% de pesquisadores que recebem bolsas de produtividade da agência CNPq se autodeclaram negros. Na categoria 1A, mais no topo, são apenas 4% os autodeclarados negros. Ou seja, as opções para quem quer variar fontes, mesmo usando o critério de reconhecimento, são esparsas.

Será necessária outra pesquisa para averiguar a razão pela qual os participantes não julgam a cor como sendo um fator relevante na escolha de fontes. Mas podemos encontrar pistas sobre a origem de tal comportamento nos estudos de Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. No livro Pactos Narcísicos da Branquitude, por exemplo, a especialista em discussões de gênero, raça e classe fala sobre a reprodução das desigualdades raciais nas relações de trabalho no interior das organizações.

A obra traz exemplos sobre a proporção de pessoas brancas em cargo de poder comparada à quantidade de gestores e líderes negros e as insuficientes ações corporativas para alteração desse cenário. Segundo o material, pessoas brancas raramente percebem o negro em seu universo de trabalho, o que justificaria a irrelevância do quesito cor para os jornalistas entrevistados. O termo “pacto narcísico”, usado de inspiração para o título deste artigo, refere-se ao fenômeno que acontece quando a omissão e o silêncio pautam as ações de pessoas brancas movidas pelo medo da perda de privilégios que seu lugar na sociedade lhes oferece.

O fato de que a segunda predileção de fontes se dá por indicação e em terceiro lugar por pessoas que fazem parte da rede de contato são exemplos irrefutáveis de que existe, como teoriza Cida Bento, uma preservação de hierarquias raciais. “Sou branco, meus colegas de trabalho são brancos e as indicações recebidas, assim como minha própria rede de contatos também”, é como poderia ser resumido o círculo vicioso que exclui sistematicamente pessoas negras dos holofotes midiáticos.

A pesquisa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) de 2021 revelou que do total de profissionais negros que trabalham na área, somente 5% são mulheres. Portanto, ainda que todas as profissionais negras ouvissem como fonte especialistas do mesmo grupo, não seria suficiente para mudar a voz ecoada nas reportagens de sites, jornais e revistas.

A aposta para um jornalismo antirracista não pode se reduzir àquela praticada por veículos cujos propósitos têm como alicerces reportagens feitas por e sobre pessoas negras. Dentro desta categoria, destacam-se Alma Preta, Ponte Jornalismo, Notícia Preta, Revista Afirmativa, Geledés, Correio Nagô e Negrê, pelo atento olhar às intersecções de raça, gênero e classe e na forma de reportar notícias que levem tais marcadores sociais em consideração para um contexto fiel dos fatos.

Ainda que expressivos, a chamada mídia negra não atinge as massas com a mesma força dos meios de comunicação tradicionais, fazendo urgente a revisão dos ambientes jornalísticos. Tal mudança passa pela contratação de mais profissionais não-brancos bem como incentivo a jovens para que cursem áreas do saber que possibilitem essa inserção, além de adoção de ações afirmativas dirigidas à contratação e retenção desses talentos.

Outro ponto crucial é a contestação do pensamento de que profissionais negros são difíceis de encontrar. Para refutar essa ideia e promover um jornalismo antirracista, iniciativas vêm sendo desenvolvidas como o projeto “Entreviste um negro”, de 2015, idealizado pela jornalista Helaine Martins em parceria com o site Mundo Negro e mantido postumamente sob apoio da Editora MOL, no perfil do Instagram @entrevisteumnegro.

Todas essas ações, porém, passam pelo processo pessoal e intransferível de admitir a responsabilidade individual pela equidade dentro e fora do jornalismo. Deve-se considerar a importância do equilíbrio de fontes diversas adotando critérios múltiplos que vão além de cor e gênero, mas passam por região, formação e relevância do especialista dentro dos quesitos de diversidade e inclusão. Do contrário, o jornalismo não apenas não será antirracista, como se manterá racista tal qual é hoje.

Sobre a autora

Monique dos Anjos é jornalista, escritora e atualmente pesquisa raça e gênero no mestrado em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp

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