Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.
Espécies são eficientes bioindicadores, aponta estudo
Por Edmê Gomes Foto Cristian Camilo Mendoza-Penagos
Pesquisas realizadas na área da entomologia, campo da Biologia que se dedica ao estudo dos insetos, destacam, cada vez mais, o papel central desses organismos no funcionamento dos ecossistemas. Grupo com mais de 800 mil espécies conhecidas, os insetos têm atuação em processos de polinização, decomposição de matéria orgânica, predação e fluxo de energia no mundo.
“As estimativas apontam que a biodiversidade dos insetos é muito maior que a já conhecida, e, em virtude de as alterações ambientais serem cada vez mais constantes, muitas serão extintas antes mesmo de serem descritas pela Ciência. Essa extinção pode trazer consequências negativas para o funcionamento ecossistêmico e muitos prejuízos econômicos”, analisa o professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (ICB/UFPA) Leandro Juen.
Com experiência na área de ecologia, com ênfase em ecologia e distribuição de espécies, Leandro Juen – ao lado de outros quatro pesquisadores – é autor do artigo Insetos aquáticos bioindicadores de mudanças de uso da terra no Pará, Brasil: evidências e perspectivas, publicado no periódico Oecologia Australis.
“Nos ambientes aquáticos, os insetos possuem um papel de destaque, atuando na decomposição de folhas, troncos e frutos que caem no canal do riacho ou lago, conseguindo disponibilizar essa energia para outros organismos, por exemplo, camarões e peixes. Como são muito dependentes das condições ambientais dos riachos, qualquer modificação resulta em alteração da comunidade. Em virtude dessa especificidade ambiental, eles são organismos bioindicadores de condições ecossistêmicas, cuja presença ou ausência pode indicar que o meio ambiente está preservado ou sob impacto ambiental. Sendo assim, eles funcionam como uma espécie de termômetro de como está o ambiente”, explica o pesquisador referindo-se ao artigo.
Informações organizadas e disponíveis aos interessados
O trabalho publicado é uma revisão que buscou demonstrar lacunas de conhecimento, desafios e oportunidades para a utilização de espécies aquáticas como bioindicadores. Segundo Leandro Juen, muitos estudos já são realizados com insetos aquáticos para avaliar os efeitos da alteração da paisagem em consequência de atividades como mineração, construção de estradas e hidrelétricas, entre outras, porém a maioria deles é focada no uso do solo. Os autores buscaram, portanto, organizar todas as informações e os avanços já alcançados na área, de modo a facilitar o acesso e a utilização das informações tanto por universidades e institutos de pesquisas quanto por tomadores de decisão, agências ambientais e empresas.
O artigo selecionou as principais e mais importantes ordens de insetos aquáticos – Ephemeroptera, Plecoptera, Trichoptera, Heteroptera e Odonata – que reúnem também o maior número de espécies sensíveis às alterações ambientais. Outro fator preponderante na seleção foi o fato de as ameaças às espécies de Ephemeroptera e Odonata já serem avaliadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e pela Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tornando-as prioritárias para estudos e biomonitoramentos.
“Em nosso estudo, realizamos uma revisão de literatura, em que buscamos na Web of Science todas as pesquisas que já foram realizadas e publicadas, no estado do Pará, sobre insetos aquáticos. Após essa busca, os artigos foram lidos e os resultados foram tabulados e analisados”, detalha o professor. O trabalho constatou que os impactos ambientais mais significativos são oriundos de atividades como pecuária, agricultura, mineração, extração de madeira e obras de urbanização.
“Além dos tradicionais métodos de estudos de espécies indicadoras, constatou-se que observar as mudanças na estrutura das comunidades como riqueza de espécies, abundância de indivíduos e variação da composição de espécies entre locais (diversidade beta) é eficiente para monitorar a qualidade ambiental. Portanto os insetos aquáticos são uma excelente ferramenta de monitoramento e de detecção das mudanças que ocorrem no ambiente”, avalia Leandro Juen.
Monitoramento físico-químico não é mais suficiente
Leandro Juen lembra que, no passado, o monitoramento da qualidade da água era realizado com base em componentes fundamentalmente físico-químicos, tais como pH, temperatura, condutividade, turbidez etc., o que limitava as análises, afinal, tais parâmetros representam uma condição momentânea, que pode ser afetada por outros agentes, como a ação da chuva.
Para ele, o uso de insetos como bioindicadores representa, portanto, um avanço para as análises ao permitir uma avaliação mais completa. “Algumas espécies vivem até dois anos nesses ambientes e, quando ocorre alteração no sistema aquático, primeiramente há uma diminuição da sua presença. Quando chegamos a um ambiente e não encontramos essa espécie ou registramos uma presença muito baixa, já é um indicativo de que há algo errado e que alguma alteração está acontecendo no ambiente”, resume o professor, lembrando que o contrário também é possível. “Algumas espécies são resistentes ou, como chamamos, generalistas e, assim, são favorecidas pelas alterações ambientais. Encontradas em abundância, podem indicar que o ambiente não está adequado”, alerta.
Entre as conclusões do estudo, está a avaliação de que o uso de espécies indicadoras e a diversidade taxonômica e funcional de insetos aquáticos são ferramentas consolidadas para monitorar o impacto das mudanças de uso da terra no Pará e importantes para auxiliar a construção de um modelo produtivo com desenvolvimento sustentável.
Como desafios futuros, a pesquisa aponta para a necessidade de maior divulgação dos insetos aquáticos como organismos bioindicadores. “Apesar da grande eficiência dos insetos aquáticos em avaliar as condições ambientais dos riachos, eles ainda são pouco utilizados por empresas e pelo governo. Acreditamos que seja, principalmente, devido ao desconhecimento dos tomadores de decisão sobre a existência e a eficiência desses organismos. Por isso nosso principal desafio é aumentar o conhecimento e a conscientização das pessoas por meio da ciência cidadã”, conclui Leandro Juen.
Sobre a pesquisa: O artigo Insetos aquáticos bioindicadores de mudanças de uso da terra no Pará, Brasil: evidências e perspectivas foi publicado no periódico Oecologia Australis.
Beira do Rio edição 168