Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Luciana Fernandes Marques, psicóloga e professora da Faculdade de Educação, propõe uma reflexão sobre como a Universidade pode e deve repensar suas práticas com vistas à saúde mental de sua comunidade
*Por Luciana Fernandes Marques
*Ilustração: Lilian Maus/IA-UFRGS
Se você, leitor, se encontra em um período de fragilidade, sugerimos que busque acolhimento e volte ao texto em outro momento.
Precisamos falar sobre saúde mental na universidade – o tópico não é novo. Mas qual conceito de saúde mental adotaremos na conversa? Se for o proveniente do modelo estritamente biomédico, ficaremos em uma visão individual da saúde mental conforme a qual os casos são rastreados e encaminhados a atendimento psicológico ou psiquiátrico com acompanhamento de medicação. Na UFRGS, já avançamos bastante em relação a isso, informando e sensibilizando a comunidade interna sobre a importância do tema. Projetos como o Pega Leve e o Medusa, além de grupos de acolhimento e rodas de conversas em diferentes unidades e para públicos específicos, surgiram oferecendo espaço. Mas ainda há muito o que fazer, dizer e ser para que tenhamos uma atmosfera saudável na Universidade.
Numa visão mais ampla de saúde coletiva, consideramos que o indivíduo pode estar com algum transtorno mental (que deve ser detectado, tratado, etc.), mas este é encarado como uma manifestação individual com causas multifatoriais. Esta pode (e deve) ser tratada individualmente, mas fenômenos como depressão, ansiedade, vazio existencial seguirão acontecendo entre outros indivíduos do mesmo grupo porque as causas contextuais seguem as mesmas. Muitos grupos de acolhimento ou projetos de extensão destinados à prevenção em saúde efetivamente previnem pioras nas manifestações. Mas o grande hiato da promoção em saúde ainda está descoberto. Em especial aquele que reconfigura práticas pedagógicas, espaços físicos, regulamentos internos, posturas em sala de aula e a cordialidade pelos corredores.
Podemos tornar a universidade um espaço de promoção de saúde? Pouco debatemos sobre quais os horizontes de vida para a maior parte do nosso público, que é jovem adulto e enfrenta desafios muito próprios. Para que querem o diploma? Qual estilo de vida atende às suas necessidades e é realista e executável de imediato? Como ir além dos grupos de acolhimento e estimular que as pessoas sejam acolhedoras? Como fazer das salas de aula ambientes ricos, alegres e estimulantes? Como minar e ofuscar espaços de negatividade, crítica negativa e excesso de intelectualismo? Em que momento da vida universitária pensaremos o mundo e a nós mesmos, nossa finitude? Como participar do mundo por meio da nossa atividade laboral que não apenas pague nossos boletos, mas sustente nossa alegria de viver, nossas necessidades éticas, estéticas, sensíveis…? Na sociedade atual não seria necessário discutir isso na formação profissional universitária? Não seria papel do ensino superior participar da formação humana e profissional?
Os problemas não são pontuais, há reclamação geral de exaustão, de que a universidade mantém seu elevado padrão nos rankings às custas da saúde de sua comunidade. Por que não consideramos suas queixas? Muitos dizem que os professores e professoras não têm didática, são arrogantes, que os discentes não aguentam ficar muito tempo sentados, que as aulas são chatas, que o conteúdo é irrelevante. Docentes, por seu lado, rebatem afirmando que os alunos e as alunas chegam atrasados, saem antes, não prestam atenção, não priorizam a faculdade, não participam, são defensivos. Os alunos só querem terminar o curso, pegar o diploma e ir embora? Os professores só esperam pelas férias e pela aposentadoria? É assim que queremos viver?
Discutimos pouco sobre as assimetrias de poder em sala, as quebras de confiança, a insatisfação crônica e a pouca presença e disponibilidade. Os laços sociais estão rotos e com a alta evasão; estamos, pois, nos mostrando inaptos em reinventar os espaços universitários. Há décadas as salas de aula não são mais fonte de informação (ou não deveriam ser), em seu lugar somente o espaço de construção coletiva do conhecimento daria algum significado à empreitada.
Pode-se argumentar que minha fala provém de uma psicóloga, professora na Faculdade de Educação há 15 anos, e que a realidade de outras áreas, como exatas, saúde ou artes, são bem diversas. Mas, independentemente do curso, precisaríamos concordar sobre o ser humano ser o nosso principal foco, e não o cumprimento do currículo, da burocracia ou das expectativas sociais sobre qual professora eu deveria ser. Isso quer dizer que vale tudo? Não! Isso quer dizer que não se cumprirá o currículo? Não! Isso quer dizer que as burocracias não serão atendidas? Não! A questão é como isso é realizado.
O problema é sistêmico e somos todos culpados e vítimas. Não há respostas finais. Precisamos nos engajar em tornar o ensino público um espaço vivo, humano e enriquecedor para todos. Isso pode parecer um pouco panfletário, mas não me ocorre outra forma de abordar a temática. Precisamos dialogar enquanto comunidade universitária e criar espaços para que essas mudanças aconteçam e sejamos todas e todos ativos, implicando os grupos na resolução de suas insatisfações.
Acolhimento
Se você está em sofrimento ou conhece alguém que esteja, pode procurar o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece acolhimento e apoio emocional gratuito. O atendimento é feito por chat ou pelo telefone 188.
Para jovens de 13 a 24 anos, o serviço Pode Falar Unicef oferece escuta e acolhimento gratuito por meio de um chat. Também é possível acompanhar o perfil no instagram @canal.podefalar.
Para informações sobre como acessar o atendimento de saúde mental na rede pública e em centros de formação em Porto Alegre, região metropolitana e litoral norte, acesse o site Saúde Mental UFRGS.
Luciana Fernandes Marques é psicóloga, mestra e doutora em Psicologia.