Vídeo divulga informações falsas sobre educação sexual em escola pública de  Maricá (RJ)

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Rafaely Camilo e Daniel Reis. Para acessar, clique aqui.

Vídeo divulgado na página do Facebook do “Movimento de Mulheres juntas por Maricá”  em 12 de agosto, afirmou que crianças de sete e oito anos estariam recebendo, sem autorização dos pais, aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual”, nas quais aprenderiam como se masturbar e fazer sexo oral. O vídeo tem a imagem de uma mulher que expõe as supostas denúncias e se apresenta como líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM).

O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos. Bereia recebeu o pedido de checagem de pessoas que tiveram acesso em um desses espaços. 

Imagem: Reprodução do Facebook

O que diz o vídeo

A mulher se apresenta como “doutora” com um assunto “bombástico” e “absurdo” e convoca todas mães para se “inteirarem”. Segundo ela, denúncias de alguns pais alertam que, a escola João Pedro Machado, do município de Maricá (RJ)  estaria oferecendo aulas de “ideologia de gênero” e “orientação sexual” e ensinaria crianças de sete e oito anos como se masturbar e fazer sexo oral.

A locutora  continua e acusa: “agora tudo bem pro PT se elas souberem fazer sexo oral ou se masturbar. O que importa pra eles é que as crianças tenham uma orientação sexual precoce”.

Ela afirma que o “objetivo principal das escolas de Maricá é ensinar isso” – masturbação e sexo oral – e que “o caso já foi registrado na oitenta e duas DP” e oferece auxílio para qualquer mãe que queira comparecer à delegacia. 

Ao final, a denunciante diz que está horrorizada e pede que compartilhem o vídeo ao máximo. 

Bereia teve acesso a outro vídeo produzido pela mesma pessoa. Ela argumenta que os professores são vítimas do governo municipal liderado pelo Partido dos Trabalhadores. Divulga também imagens de outro vídeo, publicado originalmente pelo vereador Netuno (Republicanos) que envolve outra escola do município. 

Nas imagens, sem data ou identificação de local, crianças, segundo ele, de 11 e 12 anos, são, supostamente, abordadas nas escolas e questionadas a respeito de sua sexualidade. Não é possível verificar quem faz as perguntas e nem mesmo verificar autenticidade do áudio.

O vereador não apresenta o nome de pessoas ou instituições responsáveis pelas perguntas, nem o motivo das abordagens. Netuno também não relata  qualquer denúncia formal ou ação de órgãos públicos contra o que pudesse ser uma irregularidade.

Imagem: reprodução do Instagram

Bereia entrou em contato com a advogada que fala no vídeo. De acordo com ela, as reclamações dos pais sobre o ensino na escola citada é recorrente. No entanto, não apresentou documentos que corroboram sua afirmação.

O conteúdo denunciado na publicação do vereador – aulas de masturbação e sexo oral – é o mesmo apresentado pela mulher do primeiro vídeo e replicado por diversos outros sites, sempre da mesma maneira: sem referências, fontes ou denúncias formais.

Educação pública em Maricá 

A locutora dos vídeos checados por Bereia afirma que há diversos relatos de professores da rede pública que afirmam a má qualidade do ensino na cidade de Maricá e que crianças de 9 e 10 anos de idade matriculadas nas escolas da cidade não sabem ler e escrever. 

Ela não apresenta fontes com dados, referências formais  ou depoimentos de professores, educadores ou especialistas na área. 

Bereia apurou que tais afirmações não correspondem aos dados oficiais, estes sim com medição específica, dados comprobatórios, abertos e amplamente divulgados.

Maricá passou a ocupar a 10ª posição entre os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos finais (para alunos do 9º ano do ensino fundamental). 

Imagem: reprodução do site QEdu, que registra dados educacionais como o Ideb

O resultado, que mostra a qualidade da educação básica na cidade, foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Nos anos finais, a cidade avançou de 4,8, em 2019, para 5,4, em 2021; números que fizeram o município subir três posições no ranking entre as cidades do Rio, do 13º para o 10º.

Em 2015, Maricá ocupava a 50ª colocação, o que representa um salto de 40 posições no período.

Já nos anos iniciais – Ensino Fundamental, o município avançou no índice de 5,4, em 2019, para 5,6, em 2021; subindo 17 posições entre as cidades do Estado do Rio, de 47º para 30º. Considerando os dados desde 2015, a cidade subiu da 59ª posição para a 30ª, um avanço de 29 posições.

Movimento de Mulheres Juntas por Maricá (MJM): comércio e polêmica 

O MJM tem páginas no Facebook e no Instagram, e, pelos registros, foi criado com a intenção de divulgar pequenos negócios de mulheres da cidade. 

A página do Facebook está repleta de anúncios de pequenos comércios e serviços da região. O principal do projeto do movimento aparenta ser o casamento comunitário, trabalho muito divulgado com diversas fotos. 

De acordo com matéria do portal G1, em maio de 2022, 45 casais de Maricá, disseram ter sido vítimas de um golpe aplicado pela advogada que se apresenta como líder do MJM.

Imagem: reprodução do G1

De acordo com as denúncias, a advogada organizou um casamento comunitário e convenceu o grupo que todos sairiam casados da cerimônia. Contudo a união dos casais nunca foi oficializada e a cerimônia não teve valor legal. A advogada ainda foi acusada de usar o nome da Associação de Mulheres de Maricá (outra organização) de forma ilegal para dar credibilidade ã cerimônia coletiva. Segundo as fundadoras da associação, a advogada nunca fez parte do grupo.

A página do Instagram do MJM não conta com muitas denúncias, apenas fotos dos casamentos comunitários e a divulgação de alguns serviços e produtos. Porém, no Facebook, alguns casos controversos são apresentados, como um senhor acusado de zoofilia contra um pitbull e alguns casos de violência contra mulheres. 

O caso de maior notoriedade entre as postagens foi a recente denúncia, gravada em vídeo pela advogada.  contra a escola  de Maricá que, supostamente, teria aulas de ensino de “masturbação” e “sexo oral”.

Repercussão do vídeo 

Um comentário na publicação pede que a advogada divulgue o número da ocorrência contra a escola na delegacia. Ela não divulga, mas diz que três pais já foram à delegacia e outros estariam sofrendo represália. A mulher não afirma da parte de quem seria a suposta represália. Afirma que em breve divulgará um vídeo com o “flagrante”. 

Imagem: reprodução do Facebook

Até o fechamento desta matéria o vídeo do suposto flagrante não foi divulgado e nenhuma prova ou denúncia de alguma família foi apresentada. 

O vídeo divulgado pela advogada líder do MJM , sem provas, referências ou informações precisas, além do engajamento buscado – amplo número de curtidas e compartilhamentos da página – gerou comentários de ódio e incitação à violência.

Imagem: reprodução do Facebook

O secretário municipal de Educação de Maricá publicou uma nota negando as afirmações do vídeo:

“Sobre vídeo que circula em grupos de Zap de uma suposta “Dra Ingrid” com supostas denúncias sobre o ensino nas escolas de Maricá/RJ, afirmo: não existe nenhuma queixa na delegacia da cidade. Por um motivo simples: nas escolas NUNCA se praticou o que ela diz.

Nas escolas de Maricá, ensinamos às nossas crianças os valores do respeito, tolerância, da ciência, do amor e da verdade. Basta de discurso de ódio e tentativa de criminalizar a educação pública. Entendam que os professores também são pais e mães e merecem respeito” 

Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

A agência de checagem de conteúdo Aos Fatos, já havia detectado um incremento da disseminação de postagens de material desinformativo em mídias sociais nas últimas quatro semanas. Isto após o Ministério da Saúde ter anunciado,  no último 25 de julho, a retomada do ensino da educação sexual e reprodutiva e da prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) como parte do programa Saúde na Escola. 

Aos Fatos verificou que peças desinformativas começaram a circular, como um vídeo de uma demonstração sobre uso de preservativo em uma universidade, compartilhado como se mostrasse estudantes menores de idade, o que é mentira. Também,  em uma ofensiva liderada por políticos de oposição e pessoas contrárias ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as alegações são de que o programa vai sexualizar crianças, o que também não é verdade. O vídeo da líder do movimento MJM, checado por Bereia, é propagado neste contexto.

A matéria de Aos Fatos relata ainda o lugar da educação sexual nas políticas públicas de educação e saúde, com a indicação dos documentos que fundamentam as práticas. 

***

Bereia classifica o conteúdo no vídeo divulgado pela líder do Movimento de Mulheres Juntas por Maricá como falso. A locutora expõe acusações sobre sexualização de crianças em escolas do município de Maricá, sem apresentar provas ou quaisquer elementos que corroborem suas afirmações. 

Também não  apresentou qualquer  medida legal como advogada, ou pelo menos não informa quais medidas tomou, como registro de ocorrência policial ou denúncia a órgãos públicos.

O mesmo conteúdo sem provas ou elementos concretos foi publicado pelo vereador Netuno, o que foi replicado por pequenos sites tendenciosos e espalhados por grupos de mensagens, principalmente religiosos.

Estas características são comuns a publicações de conteúdo desinformativo, de cunho falso e enganoso.

Bereia vem desmentindo informações falsas e enganosas sobre o tema da “ideologia de gênero”, como pode ser visto em outras matérias. O tema é comumente explorado politicamente, com relatos alarmantes, para captar apoios a certos personagens e partidos ou para promover rejeição e ódio a outros. A educação sexual, tema relevante para contribuir com a superação de abusos e violências sofridas por crianças e adolescentes, tem sido alvo frequente de mentiras, como as que foram encontradas neste vídeo sobre Maricá.  

É possível também afirmar que, de acordo com as checagens do Bereia e de outras agências, como a que foi produzida pelo Aos Fatos, referenciada acima, realizadas nas últimas quatro semanas, a exposição deste vídeo não é ação isolada de um movimento em Maricá. Configura-se uma estratégia articulada de ataque a políticas públicas pró-avanços em torno da temática da sexualidade.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/27/casamento-coletivo-sem-valor-legal-frustra-45-casais-em-marica-me-senti-enganada-diz-vitima.ghtml Acesso em 29 AGO 23

MJM. https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/panico-moral-sobre-ideologia-de-genero-aborto-erotizacao-de-criancas-e-defesa-da-familia-e-usado-para-disputa-eleitoral-com-base-em-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://coletivobereia.com.br/bancada-evangelica-ataca-governo-federal-com-enfase-em-falsidades-que-bereia-ja-checou/ Acesso em 29 AGO 23

Aos Fatos.

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/ Acesso em 29 AGO 23

https://www.aosfatos.org/noticias/retomada-educacao-sexual-desinformacao/, acesso em 29 ago 2023

Governo Federal. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/com-recorde-de-adesao-ministerio-da-saude-retoma-programa-saude-na-escola-com-investimento-de-r-90-milhoes-para-municipios Acesso em 29 AGO 23 

Instagram. https://www.instagram.com/reel/Cv3Se5_ARYS/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA== Acesso em 29 AGO 23

Facebook.

https://www.facebook.com/mmjmarica?mibextid=ZbWKwL Acesso em 29 AGO 23

QEdu. https://qedu.org.br/municipio/3302700-marica/ideb Acesso em 29 AGO 23

X.

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693649640246161772. Acesso em 29 AGO 23

https://twitter.com/marciobjardim/status/1693650167029772770 Acesso em 29 AGO 23

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