Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Vida acadêmica | Ações que envolvam os estudantes em aula e promovam o senso de pertencimento podem colaborar para diminuir a evasão no ensino superior
*Foto: Flávio Dutra/JU
Ao chegar ao ensino superior, um estudante se depara com uma realidade diferente da que vivia antes: um novo ambiente de estudo, novos colegas, professores, espaços e organizações diferentes daquelas do ensino básico. Para muitas pessoas se adequar a esse novo ambiente e permanecer no ensino superior pode ser um grande desafio. De acordo com o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2021, a maior parte da evasão ocorre nos dois primeiros anos dos cursos. A evasão não tem um único motivador e é de difícil mapeamento, portanto também é difícil achar soluções que ataquem todos os seus causadores.
De acordo com o pesquisador em evasão e coordenador da Comissão de Graduação das Licenciaturas em Física da UFRGS, Leonardo Heidemann, o abandono de curso é comumente atribuído a dificuldades de infraestrutura — falta de dinheiro, moradia, etc. — e reprovação excessiva. Estudos mostram, entretanto, que há outros fatores que influenciam, como a transição do ensino básico para o superior, a falta da sensação de pertencimento ao curso ou à universidade, o não entendimento de como o currículo da graduação pode fazer do estudante o profissional que ele deseja e, ainda, a quebra de expectativas. Ele ressalta que é de grande importância que os gestores tomem cuidado com as disciplinas introdutórias, designando-as a professores acolhedores e que não negligenciem as salas de aula, pois é na fase inicial que os estudantes estabelecem relações com outros colegas e com o próprio curso, o que pode definir a evasão ou não.
Diferentes setores da UFRGS atuam para entender, prever e propor soluções que colaborem para a permanência estudantil. Essas atividades abrangem desde a coleta de dados para entender quais os alunos em risco de evasão até o estabelecimento de mentorias entre os estudantes para incentivar o acolhimento e a ajuda nos estudos.
Perspectivas do curso e profissão
No curso de Licenciatura em Física foi criada uma disciplina chamada “Introdução à Física”. O objetivo é que os alunos entendam para que se aplicam ao curso as disciplinas ministradas fora do Instituto de Física, assim como apresentar alguns conteúdos que serão vistos de forma aprofundada posteriormente. São utilizadas metodologias ativas de ensino, que fazem o estudante pensar e debater com outros colegas, para incentivá-los a conversarem entre si. Leonardo dá como exemplo um método em que os estudantes, após serem apresentados a um problema, precisam convencer os outros com razões que justifiquem a resposta que deram.
Já o Instituto de Matemática e Estatística (IME) oferece aos estudantes do Bacharelado em Estatística a disciplina “Profissão do Estatístico”, que objetiva apresentar perspectivas para o futuro profissional. Uma das atividades realizadas é a conversa com egressos que atuam no mercado de trabalho. Também é realizado no IME, para estudantes de Licenciatura e Bacharelado em Matemática, o “Pré-Matemática”. Os calouros são convidados a participar de oficinas para rever conteúdos básicos da matemática. Essas oficinas são realizadas cerca de uma semana antes das aulas iniciarem, proporcionando um momento de integração entre os ingressantes.
Mentorias e monitorias como meio de permanência
Além de apresentar o estudante ao seu curso e mostrar perspectivas possíveis para o futuro, é importante auxiliá-lo ao longo de sua trajetória. A troca entre estudantes mais velhos e recém-chegados pode ser uma ferramenta de acolhimento, aconselhamento e aprendizado.
O Programa de Mentoria para Estudantes de Relações Internacionais (PROMERI) é uma das iniciativas que incentiva a mentoria estudantil. O PROMERI é voltado para os estudantes que ingressaram pelo Programa de Ações Afirmativas no curso de Relações Internacionais, que são mentorados por alunos da pós-graduação ou mestrado. O programa não se restringe a atender alunos do primeiro semestre: os estudantes cotistas de Relações Internacionais podem, em qualquer semestre do curso, participar das ações oferecidas.
De acordo com a coordenadora do projeto, Tatiana Vargas Maia, algumas das dificuldades que aparecem são o não saber como se preparar para uma avaliação ou se organizar para os estudos e a rotina da Universidade, não entender como determinada avaliação funciona e não conhecer as oportunidades dentro da UFRGS. Assim, o objetivo do programa é amenizar essas dificuldades por meio das mentorias. Também são realizadas oficinas para todos os estudantes que participam do projeto, definidas a partir das demandas trazidas por eles.
Na Licenciatura em Física, o formato de mentoria é diferente, sendo organizado pelos veteranos que se dispõem a ajudar os calouros em sua trajetória acadêmica. Uma das organizadoras dessa proposta, a estudante Ingrid Weber, relata que essas mentorias funcionam como um apadrinhamento, o que já acontecia há algum tempo, porém alguns veteranos se envolviam mais do que outros, e o contato com os calouros costumava se perder.
Dessa forma, foi realizado um estudo em parceria com o Núcleo de Estudos e Ações para a Persistência Estudantil (NEAPE) e o apadrinhamento no curso foi reestruturado com funções e objetivos mais bem definidos. No começo do semestre, calouros e veteranos respondem a um formulário e, a partir da comparação das respostas, são estabelecidos os padrinhos e os afilhados que tenham características parecidas. Ao longo do semestre, o estudante mais velho fica como referência para o calouro para tirar dúvidas sobre as aulas e outros aspectos da Universidade.
O Instituto de Matemática e Estatística conta com monitores para realizar funções parecidas. O Projeto de Monitoria de Acompanhamento Discente conta com três monitores que estão em estágio mais avançado do curso e que ajudam os estudantes mais novos com aconselhamentos, organização e dúvidas sobre curso.
Outros programas e ações que ocorrem na UFRGS
A Escola de Administração (EA) e o Instituto de Química (IQ) trabalham com um Protocolo de Acompanhamento Discente. Em cada unidade, o protocolo apresenta suas particularidades e está em diferentes fases de implementação, entretanto é uma proposta conjunta de ambas as faculdades executada pelas comissões de graduação em parceria com as técnicas de assuntos estudantis. Por intermédio desse protocolo, estipula-se o levantamento e o acompanhamento de estudantes vulneráveis ao abandono pela verificação de desempenho do aluno via Sisgrad e pelo contato com professores. É ofertado aos estudantes atendimento individual para ajuda em matrícula e organização dos estudos, sendo também um momento de acolhimento e escuta.
Num âmbito mais geral da Universidade, a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) oferece acompanhamento pedagógico e social aos estudantes integrantes do Programa de Benefícios PRAE, visando à escuta e ao aconselhamento para questões de vivência e pedagógicas e colaborando para a criação de estratégias para melhor aprendizado. A PRAE também realiza o projeto “Aprendendo a Aprender“, que contou com duas edições até o momento, em que são ofertadas oficinas para ajudar estudantes que queiram melhorar seu desempenho acadêmico.
Uma dificuldade, ao se tratar do combate à evasão, é encontrar e compilar dados sobre o tema. Nesse sentido, o Programa #ACOMPANHA!, que é gerido pela PROGRAD, tem como objetivo ampliar o acompanhamento discente, agrupando e disponibilizando dados a respeito dos estudantes de forma centralizada. Os gestores dos cursos da UFRGS podem acessar a aba “Gestão Pedagógica” no painel de gestor e checar relatórios de dados sobre os estudantes do curso, como quais estão em risco de evasão. A PROGRAD também monitora os dados e entra em contato com as COMGRADS para que possam ofertar maior acompanhamento a esses estudantes em risco.
De acordo com o vice-pró-reitor de Graduação, Leandro Raizer, um dos maiores índices de evasão na UFRGS é causado pelo fato de os estudantes pararem de realizar a matrícula. Ele ressalta a importância de, quando necessário, fazer o trancamento de matrícula em vez de não a realizar; dessa forma, o vínculo com a UFRGS é mantido.
Chegar ao ensino superior pode ser um momento com menores dificuldades quando ações voltadas para o bem-estar pedagógico dos estudantes são realizadas. Fazer com que os alunos se sintam parte do local onde transitam e entendam onde podem chegar com a formação que estão realizando podem ser fundamentais para a permanência em muitos casos.